Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
O que é este blog?
Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;
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domingo, 7 de abril de 2024
sexta-feira, 15 de março de 2024
Lilia Schwarcz foi eleita imortal na ABL
Historiadora, antropóloga e professora, Lilia M. Schwarcz foi eleita imortal na ABL
Lilia Schwarcz foi eleita imortal na ABL
Pesquisadora essencial das ciências sociais no Brasil, Lilia M. Schwarcz é a mais nova integrante da Academia Brasileira de Letras (ABL). A historiadora e antropóloga irá ocupar a cadeira nove, que pertencia anteriormente a Alberto da Costa e Silva — diplomata, escritor, historiador e grande e saudoso amigo de Lilia.
“Sua trajetória acadêmica e intelectual é marcada por uma profunda dedicação ao estudo da cultura e da história do Brasil, com ênfase especial nas relações raciais, na identidade nacional e na memória coletiva”, declarou a ABL.
Nascida em 1957, Lilia Schwarcz é professora sênior do departamento de antropologia da USP, e também visiting professor na Universidade de Princeton (EUA). Recebeu diversos prêmios literários, como o Jabuti (sete vezes), o prêmio APCA (três vezes), o prêmio Biblioteca Nacional e o prêmio da Anpocs de livro do ano em 2019. É comendadora da Ordem Nacional do Mérito Científico e Oficial da Ordem de Rio Branco. Ao lado de Luiz Schwarcz, fundou a Companhia das Letras.
É autora de, entre outros livros, O espetáculo das raças, As barbas do imperador, Brasil: uma biografia (com Heloisa Murgel Starling), Lima Barreto: Triste visionário e Sobre o autoritarismo brasileiro.
Conheça as obras de Lilia M. Schwarcz
quinta-feira, 7 de março de 2024
Lilia Schwarcz é eleita para a Academia Brasileira de Letras (ABL) - Leonardo Rezende (CBN Cultura)
Lilia Schwarcz é eleita para a Academia Brasileira de Letras (ABL)
A historiadora e antropóloga ocupará a 9º cadeira da instituição e é a 11ª mulher a ganhar título de imortal
Por
Leonardo Rezende
Rio de Janeiro, CBN Cultura, 7/03/2024
https://cbn.globo.com/cultura/noticia/2024/03/07/lilia-schwarcz-e-eleita-para-a-academia-brasileira-de-letras-abl.ghtml
A historiadora Lilia Katri Moritz Schwarcz foi eleita para a Academia Brasileira de Letras (ABL) com 24 votos, contra 12 a favor de Edgard Telles Ribeiro. Houve duas abstenções
A votação contou com a presença de nomes importantes, como o jornalista Ruy Castro e o economista Edmar Bacha.
A vaga que será ocupada por Lilia Schwarcz foi aberta com o falecimento do acadêmico Alberto da Costa e Silva. Ela se torna 11ª mulher a ganhar título de imortal.
Além de Lilia e Edgard, também estavam inscritos Antônio Hélio da Silva, Chirles Oliveira Santos, J. M. Monteirás, Ney Suassuna e Martinho Ramalho de Melo.
O TRE-RJ cedeu as urnas eletrônicas para a votação, que durou cerca de 30 minutos.
O presidente da ABL e também jornalista e comentarista da CBN Merval Pereira exaltou a eleição de Lilia para a Academia e disse que ela já chega com uma missão:
"É importante que a gente mantenha a nossa tradição de ter os maiores historiadores brasileiros aqui. Nós já temos vários deles e a Lília é uma grande historiadora que já chega com uma tarefa que a gente vai dar a ela. A gente está fazendo uma iconografia do Machado de Assis e ela vai assumir esse trabalho"
Quem é Lilia Schwarcz?
Lilia Moritz Schwarcz é professora titular no Departamento de Antropologia da USP. Também foi Visiting Professor em Oxford, Leiden, Brown, Columbia e Princeton, onde foi Global e Professora Visitante desde 2010.
Lilia é autora de, entre outros livros, Retrato em branco e negro (1987. prêmio APCA), O espetáculo das raças (Companhia das Letras, 1993 e Farrar Strauss & Giroux, 1999), Racismo no Brasil (Publifolha 2001), As barbas do Imperador (1998, Prêmio Jabuti/ Livro do Ano e New York, Farrar Strauss & Giroux, 2004), A longa viagem da biblioteca dos reis (2002), O sol do Brasil (2008, Prêmio Jabuti categoria biografia 2009), Brasil: uma biografia (com Heloisa Murgel Starling; Companhia das Letras, 2015, indicado dentre os dez melhores livros prêmio Jabuti Ciências Sociais) e Lima Barreto triste visionário (São Paulo, Companhia das Letras, 2017).
Ela faz parte também do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural (Iphan) e do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável da República.
quarta-feira, 7 de setembro de 2022
O terceiro centenário começa agora - Marcos Magalhães, sobre palestra de Ricupero na ABL
Um belo texto de Marcos Magalhães sobre a palestra do embaixador Ricupero na ABL.
O terceiro centenário começa agora
Marcos Magalhães
Pouca gente circulava nas ruas do centro do Rio de Janeiro no fim da tarde da última sexta-feira, como costuma acontecer desde a pandemia. Mas uma pequena multidão disputava as últimas cadeiras disponíveis em um auditório da Academia Brasileira de Letras para assistir a uma palestra do embaixador Rubens Ricupero.
Ex-ministro da Fazenda, do Meio Ambiente e da Amazônia na década de 90, ele foi escalado pela academia para falar sobre o “Brasil em um mundo de acelerada transformação”, dentro do ciclo de debates sobre o bicentenário do país.
Aos 85 anos, ele lançou duas perguntas à audiência. A primeira, mais histórica: o que se fez na diplomacia nos últimos 200 anos? A segunda, prospectiva: o que se pode fazer ao longo dos próximos 100 anos?
As duas perguntas indicam uma terceira, que deveria estar no centro dos debates quando o país chega aos dois séculos de independência: qual é o lugar do Brasil no mundo neste começo do século 21?
Para Ricupero, poucos países devem tanto à diplomacia como o Brasil, que hoje tem um território dois terços superior ao que teria inicialmente e que vive em paz há 152 anos com todos os seus vizinhos.
Coube ao Barão do Rio Branco no início do século 20, como recordou o embaixador, tecer a estratégia de política externa adotada como bússola por décadas à frente. A postura do Brasil, segundo o antigo chanceler, era a de um país “amante da paz, conciliador e avesso à loucura das hegemonias”.
O otimismo do Barão o levou, durante discurso em 1905, a prever que o Brasil estaria entre as maiores nações da América Latina que, a seu ver, alcançariam em 50 anos condições de se colocar, juntamente com os Estados Unidos, entre as mais poderosas do mundo.
Não chegamos nem perto disso. E, neste início de século, o Brasil bicentenário está diante de um mundo tomado por múltiplas crises. Depois da crise financeira de 2008, recordou o embaixador, ocorreram o “retorno com força” da extrema direita, a ameaça de uma nova guerra fria, desta vez entre Estados Unidos e China, e a invasão da Ucrânia.
Como se isso não bastasse, o mundo sofre com catástrofes naturais “com digital humana”, como a pandemia e o aquecimento global. Ameaças contra as quais de nada vale o poder militar e econômico e que exigem cooperação em tempo de renovadas rivalidades geopolíticas.
É diante desse cenário cheio de desafios que se coloca a segunda pergunta: o que fazer nos próximos 100 anos? Ou, em outras palavras, como o Brasil quer se colocar no mundo?
As reflexões bem que poderiam ter lugar de destaque nas campanhas eleitorais desse ano do bicentenário. Mas cedem espaço, em momento de radicalização política, à discussão de medidas econômicas de curto alcance e a novos episódios das guerras culturais.
O próprio 7 de setembro foi raptado pela disputa eleitoral. A data nacional passou a ser vista como o momento máximo de mobilização promovida pelo atual governo em busca de reeleição. Uma celebração partidária, longe de uma data a ser pacificamente celebrada por toda a nação.
Longe dos comícios, Ricupero ensaiou, em sua palestra na Academia Brasileira de Letras, possível resposta aos atuais desafios internacionais. Se não é possível atender às expectativas de 1905 do Barão do Rio Branco, observou, o país pode buscar um caminho alternativo.
“Outro estilo de ser potência é possível, que não militar ou econômica”, disse Ricupero. “Uma potência ambiental, de direitos humanos, de promoção de igualdade racial e social, solidária a fracos e a vulneráveis”.
Para sair em defesa desses valores, recordou o embaixador, será necessário que os coloquemos em prática aqui mesmo, até mesmo para que venhamos a conquistar a autoridade necessária a essa postura diante do resto do mundo.
Ou seja, a adoção de uma nova agenda interna – baseada na defesa do meio ambiente, na redução das desigualdades e do combate ao racismo e a outras discriminações – seria a base necessária para a construção de uma renovada agenda externa.
O protagonismo baseado no exemplo já ocorreu em passado recente. A partir de uma bem-sucedida política em defesa da Amazônia, o Brasil passou a ser visto pelo resto do mundo como parceiro necessário nos principais foros de debates sobre a questão ambiental.
A aceleração do desmatamento nos últimos três anos, acoplada à perplexidade na comunidade internacional diante da percepção de risco de uma possível ruptura institucional, retirou do país muito do protagonismo exercido nas últimas décadas.
Se o Brasil pretende reconquistar apoio e simpatia internacionais, precisará primeiramente mudar a sua agenda interna. E essa mudança só poderá ser promovida pelo governo a ser eleito em outubro.
O ano de 2023 será o primeiro ano do terceiro século do Brasil como país independente. Se o bicentenário pegou o país no contrapé, dividido e radicalizado, será sempre possível corrigir o rumo. A adoção de uma nova agenda social e ambiental, como defendeu Ricupero, pode bem ser o início desse novo momento da nossa história.
Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.
domingo, 21 de agosto de 2022
Oliveira Lima, por José Paulo Cavalcanti Filho (discurso de posse na ABL)
…Na lápide, não consta um nome. Apenas seu epitáfio, que ele próprio escreveu, Hic jacet amicus librorum (Aqui jaz um amigo dos livros)….
Nasceu no Recife (25/12/1867). Filho mais novo de mãe pernambucana, Maria Benedita de Oliveira Lima, e um comerciante da Cidade Invicta (Porto), Luís de Oliveira Lima – que, muito antes (1834), havia migrado para Pernambuco. Em 1873, requerendo cuidados médicos, o pai mudou-se para perto da família paterna, então em Lisboa. A criança tinha seis anos, apenas. Ocuparam casa na rua da Glória, número 23; bem pertinho, no número 4, iria mais tarde morar o poeta Fernando Pessoa. Mas não perderam contato com Pernambuco. Que tudo, naquela moradia, tinha nosso rosto. As duas irmãs, casadas com pernambucanos. O pai, apesar de luso, rebatia sempre qualquer comentário desairoso ao país que já considerava seu. Brasileiras, também, as criadas que viviam na casa, as lembranças recorrentes de outros tempos, a saudade que vinha com imagens do passado, o jeito de receber. E mesmo a comida tinha o gosto de nossa terra. Temperada com farinha e goma de mandioca, mais doces, queijos do sertão, pimentas de cheiro e malagueta. Pena só que, apesar de glutão, jamais tenha aprendido a cozinhar, sendo incapaz de preparar as mais simples receitas.
A partir de 1881, começou a trabalhar no Correio do Brazil. Um jornalzinho por ele fundado, em Portugal, no qual publicava documentos inéditos da nossa história – como três cartas do primeiro donatário da capitania de Pernambuco, Duarte Coelho Pereira. Em 1885, passou a colaborar com o Jornal do Recife; a Revista de Portugal, de Eça de Queiroz; e o Repórter, de Oliveira Martins, onde escrevia textos a favor da abolição da escravatura. Depois do Decret de L’Abolition de L’Esclavage de France (1848) e da abolição da escravatura em Portugal, com Lei de 25/02/1869 (e seu termo definitivo em 1878), só o Brasil, no mundo, ainda mantinha essa política. A última escrava portuguesa morreu, na década de 1930, com 120 anos; mas, nesse tempo, vagava Oliveira Lima por céus imprecisos e distantes. Seja como for, a seus olhos de jovem, era tempo de ocorrer algo assim por aqui. A campanha abolicionista o levou, por essa época, a se aproximar de Joaquim Nabuco. André Heráclito (Oliveira Lima, historiador) explica “O cunhado de Oliveira Lima, diplomata Araújo Beltrão, à época em Portugal, havia feito gestões para que a Câmara dos Deputados lusitana recebesse Nabuco, então o grande nome do abolicionismo no Brasil; e, nesta ocasião, os dois grandes historiadores e diplomatas se conheceram pessoalmente e começaram a se corresponder”. Em 14/10/1884 foi inscrito no curso superior de Letras, de Lisboa, onde acabou sendo o aluno predileto de Oliveira Martins. Estudou, ainda, com Teófilo Braga (primeiro presidente de Portugal, já na República), que não pertencia aos quadros da faculdade. E, quatro anos depois, obteve o grau de doutor em Filosofia e Letras. De volta ao Recife, em 1890, casou com Flora Cavalcanti de Albuquerque – uma descendente da aristocracia da zona canavieira de Pernambuco.
Com o apoio do Barão de Lucena (pernambucano, como ele), ministro todo poderoso de Deodoro, e pelas mãos de Quintino Bocaiúva (então ministro das Relações Exteriores), seguiu o exemplo do cunhado e entrou na carreira diplomática. Representou nosso país em numerosos países, pela ordem Portugal (segundo secretário), Alemanha, Estados Unidos (primeiro secretário), Inglaterra e Japão – onde permaneceu, até 1903, após o que voltou ao Rio. Ainda iria à Venezuela (ministro plenipotenciário) e, em seguida, ao seu derradeiro posto, na Bélgica, após o que se aposentou.
Oliveira Lima elogiava D. João VI, “a quem o Brasil deve sua organização autônoma, suas melhores fundações de cultura e até seus devaneios de grandeza”. E não por acaso D. João VI no Brasil, pelos cuidados com fontes e detalhes que marcaram seu estilo, logo foi reconhecido, por todos, como um livro de qualidade superior. Impressionou-lhe também o fato de que o Brasil, sobretudo graças ao imperador D. Pedro II, foi o único país a gozar, por décadas, de paz interna, em um continente conturbado como o da América do Sul. Primeiro foi republicano, durante a Monarquia; mas logo se tornou monarquista, após a Proclamação da República, por divergir dos rumos que tomara o Movimento de 1889. E uma de suas marcas era a determinação, por vezes exagerada, com que defendia certas posições – mesmo aquelas que não correspondiam à média da opinião pública. Assim se deu, por exemplo, quando criticou a política de expansão territorial do país – como a anexação do Acre, feita por mãos do Barão do Rio Branco.
Entre os que decididamente não gostavam dele, as razões não são claras, talvez apenas por conta do temperamento belicoso de Oliveira Lima, estava Emílio de Menezes. Por exemplo, quando à tarde saía para passear, braços dados com a mulher Flora, Emílio ficava repetindo “ali vão a flora e a fauna da literatura brasileira”. E dedicado a ele ainda escreveu soneto, O plenipotenciário da facúndia, da eloquência pois, que começa por verso pouco respeitoso criticando sua gordura, “De carne mole e pele bobalhona”, e finda com esse terceto lastimável: “Eis, em resumo, essa figura estranha:/ Tem mil léguas quadradas de vaidade/ Por milímetro cúbico de banha”. De outro lado, entre seus mais leais admiradores, estava Gilberto Freyre, para quem seria um “Dom Quixote gordo”. Imagem na linha do que evoca o poeta português António Gedeão (Impressão digital) “Inútil seguir sozinhos/ Querer ser depois ou antes/ Cada qual com seus caminhos/ Onde Sancho vê moinhos/ Dom Quixote vê gigantes./ Vê moinhos?, são moinhos/ Vê gigantes?, são gigantes”. Assim era Oliveira Lima, seguindo sozinho e sempre sonhando em derrotar seus gigantes.
E nem será dele, talvez, a tão conhecida frase, que lhe é atribuída, “Na geografia dos defeitos, Recife é capital da inveja e da maledicência”. A frase como assim redigida, não. Mas o conteúdo, com certeza sim. Tania Elias Magno da Silva (Josué de Castro, para uma poética da fome) sugere “Um grande historiador brasileiro e pernambucano, Oliveira Lima, afirmou certa vez que se um dia se fizesse a geografia dos sentimentos humanos, o Recife era a capital da inveja”. Mário Hélio (O Brasil de Gilberto Freyre) a acompanha “Seria a cidade já nessa época a capital da inveja, na conhecida boutade atribuída a Oliveira Lima”. E o próprio Oliveira Lima completa “O vício capital de Pernambuco é a inveja, queixa-se Freyre num corajoso artigo ao qual seu amigo José Lins do Rego, apoiando-se na denúncia, acrescenta uma ressalva: mais do que inveja, o que há no Recife é estupidez e maledicência” (Diário de Pernambuco, 13/7/1924).
Oliveira Lima fazia curiosas afirmações. Como esta, de que “os heróis raramente são ricos. A fortuna, de ordinário, traz consigo a tentação de gozar a vida com mais tranquilidade”. Antecipando-se a Rubem Alves (Ostra feliz não faz pérola), para quem “pessoas felizes não sentem necessidade de criar”. Não seu caso, claro; que Oliveira Lima era decididamente, à sua maneira embora, um homem feliz. E soube dar valor às mulheres, num tempo em que isso ainda era raro. Comentando a admissão de Edwiges de Sá Pereira na Academia Pernambucana de Letras – segunda mulher, no Brasil, a conseguir fazer parte de uma Academia –, ressaltou que “nas nações mais adiantadas as mulheres já votavam e legislavam”. E, ainda, “quando as mulheres dispuserem algum dia da maioria parlamentar e do governo, a organização política será muito mais dotada de justiça social… e a legislação poderá, então, merecer a designação humana” (George Cabral, em Discurso de Posse na APL). Aposentado, tentou morar na Inglaterra, onde tinha casa alugada. Mas, por conta da pública admiração que demonstrava pela Alemanha, e dado ter defendido com ardor que o Brasil ficasse neutro na Primeira Guerra, foi por lá considerado persona non grata, o que não permitiu pudesse realizar tal desejo.
Acabou indo para os Estados Unidos, onde viveu seu resto de vida. Foi professor visitante em Harvard. E conseguiu formar uma biblioteca monumental, com quase 60 mil livros. Alguns raros como o de Barlaeus, Histórias dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil – primeiro livro a descrever, em latim, a província de Pernambuco. Além, continuando, mais de 600 quadros, numerosas colunas de recortes de jornais e um dos três bustos do Dom Pedro I, esculpido por Marc Ferrez (tio do fotógrafo homônimo), o único em bronze. Essa biblioteca foi doada, por ele, à Universidade Católica da América (Washington), onde presentemente se encontra. E, a partir de 1921, exerceu ali o cargo de Primeiro Bibliotecário, que ocupou até a morte.
Cadeira 11 da Academia Pernambucana de Letras (em 1901), foi fundador da Academia Brasileira de Letras (1897). Morreu em Washington (24/03/1928), onde está enterrado no cemitério Mont Olivet. Na lápide, não consta um nome. Apenas seu epitáfio, que ele próprio escreveu, Hic jacet amicus librorum(Aqui jaz um amigo dos livros).
P.S. Trecho do Discurso de Posse na Academia Brasileira de Letras (10/06/2022).
sábado, 18 de junho de 2022
Cerimônia de Posse do Acadêmico José Paulo Cavalcanti Filho na cadeira Oliveira Lima na ABL
Posse na ABL, cadeira antes ocupada por Marco Maciel, patrono o historiador diplomata Manuel de Oliveira Lima.
Oliveira Lima. Por José Paulo Cavalcanti Filho
By Chumbo Gordo 2 dias ago…Na lápide, não consta um nome. Apenas seu epitáfio, que ele próprio escreveu, Hic jacet amicus librorum (Aqui jaz um amigo dos livros)….
Nasceu no Recife (25/12/1867). Filho mais novo de mãe pernambucana, Maria Benedita de Oliveira Lima, e um comerciante da Cidade Invicta (Porto), Luís de Oliveira Lima – que, muito antes (1834), havia migrado para Pernambuco. Em 1873, requerendo cuidados médicos, o pai mudou-se para perto da família paterna, então em Lisboa. A criança tinha seis anos, apenas. Ocuparam casa na rua da Glória, número 23; bem pertinho, no número 4, iria mais tarde morar o poeta Fernando Pessoa. Mas não perderam contato com Pernambuco. Que tudo, naquela moradia, tinha nosso rosto. As duas irmãs, casadas com pernambucanos. O pai, apesar de luso, rebatia sempre qualquer comentário desairoso ao país que já considerava seu. Brasileiras, também, as criadas que viviam na casa, as lembranças recorrentes de outros tempos, a saudade que vinha com imagens do passado, o jeito de receber. E mesmo a comida tinha o gosto de nossa terra. Temperada com farinha e goma de mandioca, mais doces, queijos do sertão, pimentas de cheiro e malagueta. Pena só que, apesar de glutão, jamais tenha aprendido a cozinhar, sendo incapaz de preparar as mais simples receitas.
A partir de 1881, começou a trabalhar no Correio do Brazil. Um jornalzinho por ele fundado, em Portugal, no qual publicava documentos inéditos da nossa história – como três cartas do primeiro donatário da capitania de Pernambuco, Duarte Coelho Pereira. Em 1885, passou a colaborar com o Jornal do Recife; a Revista de Portugal, de Eça de Queiroz; e o Repórter, de Oliveira Martins, onde escrevia textos a favor da abolição da escravatura. Depois do Decret de L’Abolition de L’Esclavage de France (1848) e da abolição da escravatura em Portugal, com Lei de 25/02/1869 (e seu termo definitivo em 1878), só o Brasil, no mundo, ainda mantinha essa política. A última escrava portuguesa morreu, na década de 1930, com 120 anos; mas, nesse tempo, vagava Oliveira Lima por céus imprecisos e distantes. Seja como for, a seus olhos de jovem, era tempo de ocorrer algo assim por aqui. A campanha abolicionista o levou, por essa época, a se aproximar de Joaquim Nabuco. André Heráclito (Oliveira Lima, historiador) explica “O cunhado de Oliveira Lima, diplomata Araújo Beltrão, à época em Portugal, havia feito gestões para que a Câmara dos Deputados lusitana recebesse Nabuco, então o grande nome do abolicionismo no Brasil; e, nesta ocasião, os dois grandes historiadores e diplomatas se conheceram pessoalmente e começaram a se corresponder”. Em 14/10/1884 foi inscrito no curso superior de Letras, de Lisboa, onde acabou sendo o aluno predileto de Oliveira Martins. Estudou, ainda, com Teófilo Braga (primeiro presidente de Portugal, já na República), que não pertencia aos quadros da faculdade. E, quatro anos depois, obteve o grau de doutor em Filosofia e Letras. De volta ao Recife, em 1890, casou com Flora Cavalcanti de Albuquerque – uma descendente da aristocracia da zona canavieira de Pernambuco.
Com o apoio do Barão de Lucena (pernambucano, como ele), ministro todo poderoso de Deodoro, e pelas mãos de Quintino Bocaiúva (então ministro das Relações Exteriores), seguiu o exemplo do cunhado e entrou na carreira diplomática. Representou nosso país em numerosos países, pela ordem Portugal (segundo secretário), Alemanha, Estados Unidos (primeiro secretário), Inglaterra e Japão – onde permaneceu, até 1903, após o que voltou ao Rio. Ainda iria à Venezuela (ministro plenipotenciário) e, em seguida, ao seu derradeiro posto, na Bélgica, após o que se aposentou.
Oliveira Lima elogiava D. João VI, “a quem o Brasil deve sua organização autônoma, suas melhores fundações de cultura e até seus devaneios de grandeza”. E não por acaso D. João VI no Brasil, pelos cuidados com fontes e detalhes que marcaram seu estilo, logo foi reconhecido, por todos, como um livro de qualidade superior. Impressionou-lhe também o fato de que o Brasil, sobretudo graças ao imperador D. Pedro II, foi o único país a gozar, por décadas, de paz interna, em um continente conturbado como o da América do Sul. Primeiro foi republicano, durante a Monarquia; mas logo se tornou monarquista, após a Proclamação da República, por divergir dos rumos que tomara o Movimento de 1889. E uma de suas marcas era a determinação, por vezes exagerada, com que defendia certas posições – mesmo aquelas que não correspondiam à média da opinião pública. Assim se deu, por exemplo, quando criticou a política de expansão territorial do país – como a anexação do Acre, feita por mãos do Barão do Rio Branco.
Entre os que decididamente não gostavam dele, as razões não são claras, talvez apenas por conta do temperamento belicoso de Oliveira Lima, estava Emílio de Menezes. Por exemplo, quando à tarde saía para passear, braços dados com a mulher Flora, Emílio ficava repetindo “ali vão a flora e a fauna da literatura brasileira”. E dedicado a ele ainda escreveu soneto, O plenipotenciário da facúndia, da eloquência pois, que começa por verso pouco respeitoso criticando sua gordura, “De carne mole e pele bobalhona”, e finda com esse terceto lastimável: “Eis, em resumo, essa figura estranha:/ Tem mil léguas quadradas de vaidade/ Por milímetro cúbico de banha”. De outro lado, entre seus mais leais admiradores, estava Gilberto Freyre, para quem seria um “Dom Quixote gordo”. Imagem na linha do que evoca o poeta português António Gedeão (Impressão digital) “Inútil seguir sozinhos/ Querer ser depois ou antes/ Cada qual com seus caminhos/ Onde Sancho vê moinhos/ Dom Quixote vê gigantes./ Vê moinhos?, são moinhos/ Vê gigantes?, são gigantes”. Assim era Oliveira Lima, seguindo sozinho e sempre sonhando em derrotar seus gigantes.
E nem será dele, talvez, a tão conhecida frase, que lhe é atribuída, “Na geografia dos defeitos, Recife é capital da inveja e da maledicência”. A frase como assim redigida, não. Mas o conteúdo, com certeza sim. Tania Elias Magno da Silva (Josué de Castro, para uma poética da fome) sugere “Um grande historiador brasileiro e pernambucano, Oliveira Lima, afirmou certa vez que se um dia se fizesse a geografia dos sentimentos humanos, o Recife era a capital da inveja”. Mário Hélio (O Brasil de Gilberto Freyre) a acompanha “Seria a cidade já nessa época a capital da inveja, na conhecida boutade atribuída a Oliveira Lima”. E o próprio Oliveira Lima completa “O vício capital de Pernambuco é a inveja, queixa-se Freyre num corajoso artigo ao qual seu amigo José Lins do Rego, apoiando-se na denúncia, acrescenta uma ressalva: mais do que inveja, o que há no Recife é estupidez e maledicência” (Diário de Pernambuco, 13/7/1924).
Oliveira Lima fazia curiosas afirmações. Como esta, de que “os heróis raramente são ricos. A fortuna, de ordinário, traz consigo a tentação de gozar a vida com mais tranquilidade”. Antecipando-se a Rubem Alves (Ostra feliz não faz pérola), para quem “pessoas felizes não sentem necessidade de criar”. Não seu caso, claro; que Oliveira Lima era decididamente, à sua maneira embora, um homem feliz. E soube dar valor às mulheres, num tempo em que isso ainda era raro. Comentando a admissão de Edwiges de Sá Pereira na Academia Pernambucana de Letras – segunda mulher, no Brasil, a conseguir fazer parte de uma Academia –, ressaltou que “nas nações mais adiantadas as mulheres já votavam e legislavam”. E, ainda, “quando as mulheres dispuserem algum dia da maioria parlamentar e do governo, a organização política será muito mais dotada de justiça social… e a legislação poderá, então, merecer a designação humana” (George Cabral, em Discurso de Posse na APL). Aposentado, tentou morar na Inglaterra, onde tinha casa alugada. Mas, por conta da pública admiração que demonstrava pela Alemanha, e dado ter defendido com ardor que o Brasil ficasse neutro na Primeira Guerra, foi por lá considerado persona non grata, o que não permitiu pudesse realizar tal desejo.
Acabou indo para os Estados Unidos, onde viveu seu resto de vida. Foi professor visitante em Harvard. E conseguiu formar uma biblioteca monumental, com quase 60 mil livros. Alguns raros como o de Barlaeus, Histórias dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil – primeiro livro a descrever, em latim, a província de Pernambuco. Além, continuando, mais de 600 quadros, numerosas colunas de recortes de jornais e um dos três bustos do Dom Pedro I, esculpido por Marc Ferrez (tio do fotógrafo homônimo), o único em bronze. Essa biblioteca foi doada, por ele, à Universidade Católica da América (Washington), onde presentemente se encontra. E, a partir de 1921, exerceu ali o cargo de Primeiro Bibliotecário, que ocupou até a morte.
Cadeira 11 da Academia Pernambucana de Letras (em 1901), foi fundador da Academia Brasileira de Letras (1897). Morreu em Washington (24/03/1928), onde está enterrado no cemitério Mont Olivet. Na lápide, não consta um nome. Apenas seu epitáfio, que ele próprio escreveu, Hic jacet amicus librorum (Aqui jaz um amigo dos livros).
P.S. Trecho do Discurso de Posse na Academia Brasileira de Letras (10/06/2022).
VEJA COMO FOI TODA A CERIMÔNIA DE POSSE :
https://www.chumbogordo.com.br/410059-cerimonia-de-posse-do-academico-jose-paulo-cavalcanti-filho/
sexta-feira, 6 de agosto de 2021
ABL tem quatro vagas em processo de abertura a candidaturas: uma delas deverá caber a um diplomata
ABL declara vaga cadeira do diplomata Affonso Arinos de Mello Franco
Academia fez nesta quinta-feira primeira Sessão da Saudade virtual
Publicado em 05/08/2021 - 20:21 Por Alana Gandra – Repórter da Agência Brasil - Rio de Janeiro
Pela pela primeira vez em sua história, a Academia Brasileira de Letras (ABL) realizou nesta quinta-feira (5), uma sessão da saudade em formato virtual. Por causa das medidas de isolamento social em vigor, tais sessões agora serão realizadas neste modelo para homenagear os acadêmicos que morreram durante a pandemia de covid-19.
O primeiro homenageado foi Affonso Arinos de Mello Franco Neto, sexto ocupante da Cadeira 17, eleito em 22 de julho de 1999, na sucessão do filólogo e crítico literário Antonio Houaiss, e recebido em 26 de novembro de 1999 pelo acadêmico José Sarney. O diplomata faleceu no dia 15 de março do ano passado.
No próximo dia 12, a Sessão da Saudade fará homenagem a Murilo Melo Filho, sexto ocupante da Cadeira 20 da ABL. Foi eleito em 25 de março de 1999, na sucessão de Aurélio de Lyra Tavares, e recebido em 7 de junho de 1999 pelo acadêmico Arnaldo Niskier. O jornalista morreu no dia 27 de maio de 2020.
Para o dia 19 de agosto, está prevista a Sessão da Saudade referente a Alfredo Bosi, sétimo ocupante da Cadeira 12. Foi eleito em 20 de março de 2003, na sucessão de Dom Lucas Moreira Neves, e recebido em 30 de setembro de 2003 pelo acadêmico Eduardo Portella. O professor Bosi faleceu no dia 7 de abril de 2021.
No dia 26, o homenageado será Marco Maciel, oitavo ocupante da Cadeira 39, que foi eleito em 18 de dezembro de 2003, na sucessão de Roberto Marinho, e recebido em 3 de maio de 2004 pelo acadêmico Marcos Vinicios Vilaça. Ex-vice-presidente da República, Maciel faleceu no dia 12 de junho deste ano.
Ao fim de cada homenagem, o presidente da ABL, Marco Lucchesi, declara vaga a respectiva cadeira, abrindo a candidatura para um novo ocupante. Com isso, hoje foi declarada vaga a Cadeira 17, de Affonso Arinos.
Regimento
De acordo com o regimento da Academia Brasileira de Letras, ao ter notícia do falecimento de um acadêmico, o presidente comunica o óbito e declara aberta a vaga na Sessão de Saudade, dando início ao período de inscrições dos candidatos à sucessão. A partir daí, os interessados dispõem de 30 dias para a apresentação de suas candidaturas. Findo esse prazo, o presidente marca a eleição para a primeira sessão ordinária, após o transcurso de 60 dias.
A carta de apresentação do candidato, que pode ser enviada por e-mail, tem que ser assinada e acompanhada da relação das obras publicadas pelo candidato, que deverão ser encaminhadas para a ABL via correio.
quarta-feira, 21 de julho de 2021
Celso Lafer na ABL faz discurso crítico ao presidente da República - Lauro Jardim (O Globo)
domingo, 20 de junho de 2021
Oliveira Lima e a longa história da Independência: livro de que participei, lançamento 24/06.21, 18h30
Prezados amigos,
Tenho a satisfação de convidá-los para o lançamento virtual do livro "Oliveira Lima e a longa história da Independência", que organizei com as acadêmicas Lucia Maria Bastos P. Neves e Lucia Maria Paschoal Guimarães, do IHGB, conforme convite abaixo. Participará do lançamento, além dos organizadores, o Professor Arno Wehling, Membro da Academia Brasileira de Letras e Presidente de Honra do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. O volume inclui os textos das contribuições ao seminário que organizei em setembro de 2019 na Biblioteca Mindlin, da USP, e pretende ser uma contribuição ao debate sobre o Bicentenário da Independência. Espero que possam participar, e peço sua ajuda na divulgação do evento. Link para o Facebook: https://fb.me/e/1vfpDgKaz
Com o abraço amigo de
André Heráclio do Rêgo
Diplomata e historiador
terça-feira, 5 de janeiro de 2021
O ano Merquior (7): o que perdemos em 30 anos de ausência de José Guilherme Merquior? - Josué Montello
Destaco, do discurso de recepção do acadêmico Josué Montello ao novo acadêmico José Guilherme Merquior, em 11/03/1983, o trecho abaixo, no qual ele destaca o que o novo membro poderia ainda fazer pela cultura e inteligência do Brasil.
Menos de dez anos depois, Merquior falecia, vítima de um câncer fulminante, não detectado pelos médicos franceses em seu início, e ficamos privados do brilho de sua inteligência, desde janeiro de 1991.
De: Josué Montello, no discurso de recepção a José Guilherme Merquior, na ABL:
(...)
É preciso não esquecer, porém, que essa obra está em pleno processo formativo. Ides ainda em meio do caminho. E pertenceis à linhagem dos escritores que se aprimoram diante do público. Uns esplendem ao amanhecer, como o sol de primavera. Outros, ao meio-dia, como o sol do outono. Outros no entardecer, como o sol de verão.
Este encontro com a Academia ocorre numa hora de plenitude. Mas sei que sois daqueles mestres que têm o sentido da continuidade do trabalho literário, como Alceu, como Jorge Amado. De um de vossos confrades, já ouvi esta determinação: que só deixará de escrever, quando Deus lhe tomar a caneta.
Compreendo que seja assim. A palavra escrita, para o verdadeiro escritor, é uma forma de vida que só a morte tem o dom de interromper. Perguntai a Austregésilo de Athayde qual o segredo de sua vitalidade? E a Alceu? E a Barbosa Lima Sobrinho? E a Afonso Arinos? E a resposta é a mesma: a fidelidade ao trabalho literário. Porque ele é também o nosso testemunho.
Eu gostaria de chamar a atenção de nossos confrades para um de vossos ensaios, Ut Ecclesia Parnassus, incluído no volume Estruturalismo dos Pobres e outras Questões. É nesse estudo que debateis a função social do escritor na civilização industrial, tomando como ponto de partida o problema da emancipação do pensamento literário, de que a obra de Goethe é mais do que o exemplo – é o testemunho vivo, nas três modalidades fundamentais da mimese poética: a Lírica, a Narrativa e a Dramática.
Nossa época tem esta singularidade: o pensamento político tende a assumir uma postura religiosa, vizinho do fanatismo, na radicalização da luta pelo poder. Chega a ser dogmático. E com este parentesco com a velha Igreja inquisitorial: inclina-se mais a condenar que a tolerar e salvar. Não quer compreender. Sobretudo quando está em causa o velho pensamento liberal. Ortodoxo, sim, heterodoxo, não.
Não creio que Goethe, hoje, depois de dialogar com Napoleão, pudesse manter a sua postura olímpica, acima das controvérsias irritadas. Seria empurrado para a Direita. Com todo o esplendor de seu gênio. Ou insultado, ou condenado ao silêncio.
(...)
A íntegra do discurso de Josué Montello figura neste link:
https://www.academia.org.br/academicos/jose-guilherme-merquior/discurso-de-recepcao
domingo, 15 de março de 2020
Morre aos 89 o diplomata Affonso Arinos de Mello Franco, membro da ABL
Ele é filho do também imortal Afonso Arinos de Melo Franco (1905-1990), importante jurista, político, historiador, professor, ensaísta e crítico. É avô dos jornalistas Bernardo Mello Franco, colunista do jornal O Globo, e Luiza Mello Franco.
Merval escreveu o prefácio do último de seus livros, "Tramonto" (Editora Objetiva, 2013), que significa pôr do sol em italiano. "É um dos livros mais bonitos que li nos últimos tempos. É de uma tremenda sensibilidade e inteligência, mistura política com memórias, é fantástico", elogiou.
A escritora e imortal Nélida Piñon lamentou o fato de não poder comparecer ao velório por causa do coronavírus: "Vamos homenageá-lo tão logo sejamos liberados dessa quarentena. Vamos abrir as portas da sessão plenária em homenagem a ele". A ABL decidiu fechar as portas na quinta (12).
terça-feira, 11 de fevereiro de 2020
Ainda Merquior: seu discurso de posse na ABL (1983)
Manifestei-me outrora republicano e presentemente monarquista. Modificaram-se-me as convicções. Deu-se comigo o mesmo que se deu com a quase totalidade dos políticos ora figurantes. A diferença consiste em que o meu republicanismo terminou no momento em que o deles emergiu, isto é, a 15 de Novembro.
A bravura de Afonso Celso recusava o conselho de Maquiavel: stà con chi vince! Quixotescamente, decide, como Eduardo Prado e alguns poucos mais, fustigar nossa vitoriosa fronda pretoriana (a expressão é de Sérgio Buarque de Holanda) por meio de “guerrilhas” jornalísticas – título com que, efetivamente, coligirá, em 1895, seus artigos antirrepublicanos.
***
Conheci Paulo Carneiro na Paris pré-maio de 1968; pela mão de Guilherme Figueiredo, ao tempo da marcante embaixada de Bilac Pinto. Logo fiquei cativo da excepcional fidalguia do seu trato, sempre manifesta em ocasiões sociais na embaixada, na UNESCO, ou na companhia de outros aristocratas do espírito de frequente passagem por Paris – um deles, velho amigo de Paulo Carneiro e como ele, veterano das lides da UNESCO: esse alto poeta e sábio pedagogo que se chama Abgar Renault. Outro, o historiador e biógrafo Francisco de Assis Barbosa, com quem muito conversei, desde esse tempo, sobre duas gerações: a de Paulo Carneiro e a de seus pais, os positivistas da nossa Belle Époque.
Caros confrades,
desculpai não ter eu podido, como o Fundador desta Cadeira, pronunciar minha oração sem lê-la, fiado tão só na força da memória. Pudesse eu fazê-lo, e ela houvera sido sem dúvida mais concisa, senão mais sábia. Logo vos dareis por pagos do tédio, ao ouvir a palavra enfeitiçante de um grão-senhor do discurso – Josué Montello, amigo e companheiro de Paulo Carneiro e que tão magistralmente soube evocá-lo, na festa dos seus oitenta anos e na tristeza do seu desaparecimento.
Ó guerreiros da Tribo Tupi,
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Ó guerreiros, meus cantos ouvi.
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
Seus feitos inveja
De o ver na peleja
Garboso e feroz;
E os tímidos velhos
Nos graves concelhos,
Curvadas as frontes,
Escutam-lhe a voz!
Se morre, descansa
Dos seus na lembrança,
Na voz do porvir.
Não cures da vida!
Sê bravo, sê forte!
Não fujas da morte,
Que a morte há de vir!
Meus brios reveste;
Tamoio nasceste,
Valente serás.
Sê duro guerreiro
Robusto, fragueiro,
Brasão dos Tamoios
Na guerra e na paz.
Traindo teus passos,
Te arroja nos laços
Do imigo falaz,
Na última hora
Teus feitos memora,
Tranquilo nos gestos.
Impávido, audaz.
Do raio tocado,
Partido, rojado
Por larga extensão;
Assim morre o forte!
No passo da morte
Triunfa, conquista
Mais alto brasão.
Penetra na vida;
Pesada ou querida,
Viver é lutar.
Se o duro combate
Os fracos abate,
Aos fortes, aos bravos,
Só pode exaltar.