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terça-feira, 3 de junho de 2014

Nuestros hermanos: supostos argentinos bloqueiam suposto acordo comercial com suposta UE

Supuestos hermanos, por supuesto...
Paulo Roberto de Almeida

BRASIL – ARGENTINA
Argentina tenta barrar negociação com União Europeia
RAQUEL LANDIM - DE SÃO PAULO
Folha de S. Paulo, 3/06/2014

Documento atribuído ao Itamaraty mostra que país vizinho não aceitou "plano B" sugerido pelo Brasil
Argentinos, que têm no Brasil um de seus principais mercados, temem ser deslocados por produtos europeus

Principal obstáculo para um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, a Argentina quer impedir que Brasil, Uruguai e Paraguai negociem em separado com os europeus.
Segundo a Folha apurou, os argentinos temem que seus produtos sejam deslocados no mercado brasileiro por concorrentes europeus. A Argentina destina boa parte do que produz para o Brasil.
Mercosul e UE tentam retomar as negociações para um acordo, que estão travadas desde 2003. No Brasil, é grande a pressão do empresariado, que acusa o governo Dilma Rousseff de isolar o país do comércio global.
Uma comunicação interna atribuída ao Itamaraty por hackers, que vazaram centenas de documentos confidenciais na semana passada, mostra que Brasil e Argentina estão em rota de colisão nas negociações com a UE. O Itamaraty não confirma a veracidade dos documentos.
Num telegrama diplomático, é feito um relato sobre a última reunião entre negociadores sul-americanos e europeus, que ocorreu em Bruxelas no final de março. O encontro terminou sem avanços por causa da falta de ambição da proposta do Mercosul.
O impasse na negociação provocou um desentendimento entre Brasil e Argentina. Ao avaliar o resultado com os demais países do Mercosul, o representante do Brasil indicou que não aceitaria uma oferta pouco ambiciosa do Mercosul e que o país "terá um plano B".
O "plano B", que conta com a simpatia de Uruguai e Paraguai, é um cronograma de abertura diferente para cada país do Mercosul. Essa flexibilidade permitiria aos argentinos serem mais protecionistas que os demais.
A Argentina, porém, rechaçou o "plano B". Para o governo Cristina Kirchner, "ritmos diferenciados" de abertura dos mercados dos países do Mercosul seriam "incompatíveis com o aprofundamento da integração do bloco".

CARÊNCIA
Os europeus saíram decepcionados do encontro, porque não tiveram uma indicação clara da abrangência da oferta do Mercosul. O negociador da UE chegou a reagir de "forma negativa" ao ser informado de que um grupo de produtos poderá ter um "período de carência" para reduzir suas tarifas de importação.
A Argentina é o grande entrave do processo. Enquanto Brasil, Paraguai e Uruguai já conseguiram incluir 87% dos produtos na oferta para a UE, os argentinos resistem em abrir mais de 82% do seu mercado. Dizem que, no máximo, chegarão a 85%.
Além disso, insistem que precisam de um prazo de sete anos para começar a reduzir as tarifas de importação de cerca de metade dos produtos, que só seriam submetidos ao livre mercado em 15 anos. Os europeus recusam qualquer "carência".
Desde março, os negociadores do Mercosul se reuniram mais algumas vezes com poucos resultados.
Segundo apurou a reportagem, no último encontro em Caracas, os técnicos concluíram que não conseguem mais avançar e deixaram para os ministros tomar uma "decisão política" sobre o futuro do acordo com a UE. A reunião entre os ministros deve ser marcada em breve.

Exportações para país vizinho caem pelo 8º mês seguido
Folha de S. Paulo

DE BRASÍLIA - As exportações brasileiras para a Argentina caíram pelo oitavo mês consecutivo em maio, comprometendo o resultado da balança.
De janeiro a maio deste ano, o Brasil vendeu menos US$ 3,3 bilhões em produtos para o mundo em relação ao mesmo período de 2013. Quase a metade do montante deve-se ao que deixou de ser exportado para a Argentina --terceiro parceiro comercial do país e principal destino de manufaturados.
Apesar do desempenho fraco das vendas, a queda nas importações permitiu superavit comercial de US$ 712 milhões em maio. Foi o pior resultado desde 2002 para o mês, mas ajudou a reduzir o deficit no ano, agora em US$ 4,9 bilhões.

Novo acordo automotivo com Argentina não avança
Valor Econômico

Divergências em torno do estabelecimento de metas para a importação de autopeças fabricadas na Argentina por montadoras instaladas no Brasil ainda impediram o fechamento de um novo acordo automotivo entre os dois países. Uma reunião "secreta" entre autoridades brasileiras e argentinas ocorreu ontem à tarde, em Brasília, mas não conseguiu eliminar todas as pendências.
Mesmo sem nenhuma menção em sua agenda, o ministro do Desenvolvimento, Mauro Borges, recebeu em seu gabinete a ministra argentina da Indústria, Débora Giorgi, para mais uma rodada de negociações. A reunião durou mais de três horas e não foi divulgada pela assessoria de Borges.
Nem mesmo o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, pôde acompanhar parte da reunião e perambulava nos corredores do ministério à espera de informações sobre o que ocorria dentro do gabinete.
O maior impasse girava em torno das compras de autopeças pelas fábricas brasileiras. Elas importam US$ 20 bilhões por ano em partes e peças. Uma das reivindicações argentinas era ter metas progressivas para a substituição de fornecedores extra-Mercosul, como europeus e asiáticos, por produtos fabricados no país vizinho. O Brasil - tanto o governo quanto as montadoras - aceita trabalhar em um programa de estímulo à integração das cadeias produtivas, mas rejeita compromissos numéricos.
Os dois países já têm um entendimento garantido em torno do congelamento de suas atuais posições de mercado. Hoje, os carros brasileiros detêm 50% do mercado argentino; os veículos argentinos detêm 10% de fatia das vendas no Brasil. A tendência é que esses percentuais sejam mantidos, como teto, durante até três anos.
O acordo automotivo expira no dia 30. Se não for renovado, mesmo que temporariamente, volta a incidir a cobrança de tarifa de importação de 35% sobre o intercâmbio de veículos dentro do Mercosul. Diante do peso que isso representaria aos dois lados, a aposta é na renovação - pelo menos por um ano - do acordo.
Os fabricantes brasileiros tentam, até o último instante, convencer o governo a não aceitar que o novo acordo inclua a volta do "flex", que limitaria superávits na balança comercial do setor.
Caso isso não seja possível e o governo ceda a essa condição do lado argentino para fechar o entendimento, a indústria ainda tentará que o coeficiente seja igual ao que vigorou até junho de 2013, quando o flex era de 1,95. Isto é: para cada US$ 1 milhão em embarques de carros argentinos ao mercado brasileiro, o Brasil podia vender US$ 1,95 milhão em produtos automotivos à Argentina - ou vice-versa - sem a cobrança de tarifas.
Quem olha o resultado da balança do setor automotivo pode concluir que o flex seria uma condição aceitável para o lado brasileiro, já que o superávit brasileiro é pequeno. De janeiro a abril, a vantagem do Brasil é pequena, com US$ 2,54 bilhões em exportações de veículos e componentes para a Argentina e importações equivalentes a US$ 2,26 bilhões.
O problema, segundo uma fonte da indústria, é que o governo argentino conseguiu aproximar os valores à custas das chamadas Djais (Declaração Jurada Antecipada de Importação), um sistema de controle por meio do qual a liberação de produtos importados depende de autorização das autoridades argentinas.
O fim das Djais foi, inclusive, colocada pela indústria como sugestão de condição para o governo brasileiro oferecer uma linha de financiamento para os importadores argentinos. Os negociadores do país vizinho, entretanto, não aceitaram essa condição.

A Argentina quer um "flex" de 1,30. O governo brasileiro não vê problemas em definir a volta do sistema, mas quer alguma coisa intermediária, entre esse número defendido pelo país vizinho e o 1,95 que é o ano vigorava até o ano passado. O mais importante, conforme uma autoridade que acompanha o assunto, é ter flexibilidade suficiente para não comprometer os embarques das montadoras à Argentina. Uma nova reunião deve ocorrer, em Buenos Aires, na semana que vem.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Dilemas do comercio internacional - entrevista com Roberto Azevedo, OMC

 "Os acordos bilaterais deixam os países menores fora da agenda do comércio"

Entrevista / Roberto Azevêdo, diretor-geral da OMC

Por Denize BACOCCINA

No comando da Organização Mundial do Comércio (OMC), desde setembro de 2013, o embaixador brasileiro Roberto Azevêdo já passou por seu primeiro teste: impedir a morte da entidade, sediada em Genebra

No comando da Organização Mundial do Comércio (OMC), desde setembro de 2013, o embaixador brasileiro Roberto Azevêdo já passou por seu primeiro teste: impedir a morte da entidade, sediada em Genebra, na Suíça, ao conseguir um acordo para facilitar o trânsito de mercadorias, na conferência de Bali, na Indonésia, em dezembro. Agora, seu desafio é mobilizar os 160 países-membros para modernizar o comércio internacional, que desde a crise de 2008 vem crescendo bem menos do que a média histórica. Enquanto as grandes economias negociam a criação de grandes blocos comerciais, a missão de Azevêdo é garantir que os pequenos não fiquem fora do jogo. "Quem faz a agenda bilateral são as grandes economias, que têm mercado atraente", disse o embaixador, em entrevista à DINHEIRO.

DINHEIRO – A conferência de Bali serviu para mostrar que a OMC não morreu, como se temia. Mas muitos observadores dizem também que não se avançou na ampliação do acesso a mercados. Qual é o cenário a partir de agora?

ROBERTO AZEVÊDO – O que nós fizemos, em Bali, foi o destravamento das negociações multilaterais, absolutamente paralisadas há quase 20 anos. A área de acesso a mercados não está limitada a um tema. Não é só agricultura, bens industriais ou serviços, mas as três áreas ao mesmo tempo. É muito difícil negociar avanços individualmente em apenas uma dessas áreas. Um país desenvolvido que vai fazer concessões na área agrícola vai querer maior acesso a seus produtos e serviços em outros mercados. Já sabíamos que seria impossível um acordo para as três áreas.


DINHEIRO – Antes, eram os países desenvolvidos que seguravam a negociação na área agrícola. Em Bali, houve resistência também da Índia, alegando a questão da segurança alimentar. Qual é a dificuldade do setor agrícola atualmente?

AZEVÊDO – Um avanço na questão agrícola dificilmente acontecerá sem algo semelhante no setor industrial. Os países que subsidiam a agricultura não vão concordar em avançar nessa discussão sem ter contrapartida na área industrial ou de serviços. Ou os três temas estão sobre a mesa ou nenhum deles está. Essa é a dificuldade: a agricultura não vai caminhar sozinha.


DINHEIRO – Por isso, o sr. já propôs, desde o início das conversas, um documento mais sintético?

AZEVÊDO – Isso. Chegamos a um pacote mais reduzido, em termos de abrangência, limitado basicamente à facilitação de comércio e a alguns temas de agricultura e outros de desenvolvimento, principalmente para países de menor desenvolvimento relativo. Mesmo assim, não foi nada fácil, como alguns diziam. A facilitação de comércio era algo que vinha sendo dito desde a primeira vez que eu cheguei a Genebra, em 1997, antes mesmo do lançamento da Rodada de Doha. E somente agora conseguimos avançar nesse tema.

DINHEIRO – Na prática, o que significa esse acordo de facilitação do comércio?

AZEVÊDO – Significa, basicamente, a simplificação dos procedimentos alfandegários, facilitando a entrada e saída das mercadorias nos países que compram e vendem. Os países têm práticas diferentes, e esse acordo vai levar a uma harmonização. Para muitos deles, são procedimentos que vão modificar bastante suas práticas aduaneiras e, por isso, alguns terão mais tempo para colocar essas mudanças em vigor.


DINHEIRO – Existe um cálculo do Instituto de Economia Internacional de que esse acordo poderia elevar em US$ 1 trilhão o comércio mundial. A OMC tem alguma estimativa sobre valores?

AZEVÊDO – Não temos um cálculo preciso, mas estimamos que os custos para atravessar a fronteira representem cerca de 10% da transação. Com o comércio internacional movimentando cerca de US$ 20 trilhões por ano, podemos imaginar que, se conseguirmos reduzir esse custo pela metade, para 5% da transação, poderemos economizar cerca de US$ 1 trilhão. Trata-se de um dinheiro que não será gasto em procedimentos alfandegários e que seria injetado na economia mundial.

DINHEIRO – A resistência dos países menos desenvolvidos, que têm menos estrutura, foi maior?

AZEVÊDO – Não houve resistência, mas preocupação com os custos. Muitas vezes, esses países não têm os recursos, alguns não têm nem rede de comunicação em postos remotos na fronteira. Eles pediram mais tempo para implementar as mudanças e a cooperação técnica, que será dada pelos países doadores. O acordo entra em vigor quando for ratificado por dois terços dos países, e o prazo final é janeiro de 2016.

Área de movimentação de contêineres para exportação e importação, no porto de Santos

DINHEIRO – Qual é o cenário para o comércio mundial nos próximos meses?

AZEVÊDO – Em 2013, a projeção é de um aumento de 2,5%, o que é pouco. Em 2014, devemos crescer um pouco mais, em torno de 4,5%. Ainda assim é um crescimento anêmico. O comércio mundial tem crescido pouco desde 2008, bem abaixo das médias históricas, entre 6% e 7%.

DINHEIRO – No início da crise internacional, em 2008, houve uma grande onda de protecionismo. Isso já foi revertido? O mundo hoje é mais ou menos protecionista do que há seis anos?

AZEVÊDO – Ainda não. Ao contrário. Um relatório que fizemos no fim de 2013 mostra que as barreiras estão subindo. Não de uma maneira extraordinária, mas estão subindo. Oitenta por cento das barreiras implementadas depois de 2008 ainda estão em vigor. Apenas 20% das medidas protecionistas foram revertidas. É um número ainda muito alto, temos de progredir .

DINHEIRO – O que a OMC pretende fazer para reduzir o protecionismo?

AZEVÊDO – Desde que as medidas tomadas estejam enquadradas nas disciplinas previstas pela Organização, não há nada que possamos fazer. O que fazemos é monitorar, continuar monitorando, notificando, insistindo em transparência. É um movimento que não está concentrado em um ou dois países, mas espalhado por todo o mundo. A medida restritiva pode ser ilegal, mas também pode ser adotada de maneira legal, totalmente compatível com as regras multilaterais. Mas, mesmo sendo legal, houve um aumento do protecionismo.

DINHEIRO – A União Europeia entrou com processo contra o Brasil por causa das medidas do setor automotivo, que privilegiam a indústria nacional. Qual é a sua avaliação?

AZEVÊDO – Essa não é uma atribuição do diretor-geral da OMC. O pedido é protocolado junto ao órgão de solução de controvérsias e há um processo de consultas. Um grande número dos casos se encerra nesta fase, sem a necessidade de um contencioso. Mas cada caso é um caso. Não me cabe fazer comentários adicionais sobre o tema.

Plantação de algodão, tema de disputa na OMC

DINHEIRO – O Brasil ganhou um processo contra os Estados Unidos, por causa dos subsídios aos produtores de algodão, mas os americanos não vêm pagando a indenização combinada, de US$ 147 milhões por ano. O que a OMC pretende fazer?

AZEVÊDO – Não cabe ao diretor-geral fazer comentários ou juízo de valor sobre isso. É uma solução técnica, de um mecanismo que ainda está em aberto. As partes ainda continuam negociando uma solução.

DINHEIRO – O fato de o Brasil abrir mão da retaliação não pode enfraquecer esse tipo de mecanismo, desencorajar esse tipo de ação?

AZEVÊDO – Essa é uma avaliação que cabe ao governo brasileiro, que com certeza está estudando isso com atenção. As estatísticas mostram que há uma ampla aplicação dos resultados dos contenciosos na OMC. Cerca de 90% dos processos resultam em implementação das recomendações dos órgãos de solução de controvérsias. Apenas 10% são casos como esse do algodão, em que as partes ainda não chegaram a um acordo mutuamente satisfatório. Mas esses casos são a exceção, e não a regra.

DINHEIRO – O Brasil sempre privilegiou os acordos na OMC em vez de negociações bilaterais ou regionais. Mas muitos países não fizeram isso e hoje os Estados Unidos, por exemplo, estão envolvidos em dois grandes acordos, o Transpacífico, com a América do Sul e a Ásia, e outro com a União Europeia. O mundo hoje está mais compartimentado, em termos de regras comerciais e de acesso a mercados?

AZEVÊDO – Esses acordos bilaterais, regionais ou plurilaterais, como os chamamos, sempre existiram, e vão continuar existindo. O sistema multilateral não é um desbravador de fronteiras comerciais. Esse papel é justamente dos acordos bilaterais e plurilaterais. O que estava acontecendo – e isso é preocupante – é que nas duas últimas décadas o sistema multilateral não estava negociando nada, criando-se uma distância muito grande entre a base multilateral e a fronteira dos acordos bilaterais. O sistema multilateral ainda tinha por base os anos 1980, quando nem existia comércio eletrônico, e a China, que hoje é o maior exportador mundial, ocupava o 11º lugar. Era um mundo completamente diferente do atual. Temos de avançar no sistema multilateral para diminuir essa defasagem.

DINHEIRO – A configuração do comércio em grandes blocos não deixa os países menores mais fragilizados, fora do comércio?

AZEVÊDO – Sim, porque eles estão fora da formação da agenda. Quem faz a agenda bilateral são as grandes economias, que têm mercado atraente. Já os mercados pequenos, menos atraentes, são os mais prejudicados, porque ficam de fora do processo de avanço das regras.

DINHEIRO – É preocupante a situação desses países em desenvolvimento, com essa nova configuração?

AZEVÊDO – Quanto menor o país, mais difícil de participar desses processos.

DINHEIRO – Como fica o Brasil nesse cenário de formação de grandes blocos?

AZEVÊDO – É uma decisão do governo brasileiro.


DINHEIRO – A Rodada de Doha não tinha a função de mudar essa situação, privilegiando os países em desenvolvimento?

AZEVÊDO – A Rodada de Doha buscava uniformizar e nivelar as condições de jogo. E isso continua. O que vamos fazer agora é ver como conseguimos avançar nesses temas. Bali não é o fim, mas o começo do caminho. Nossa esperança é avançar com os acordos multilaterais daqui para a frente.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Brasil sofre na companhia de Argentina e Venezuela

A matéria é de 12 de junho de 2013, mas a situação não melhorou desde então. Ao contrário, só piorou. PRA

Comércio exterior

Argentina e Venezuela 'queimam' imagem do Brasil, diz professor

Para Arturo Porzecanski , da American University, foco do Brasil no Mercosul dificulta desenvolvimento do comércio exterior do país e afasta investidores

Talita Fernandes
Veja.com, 12/06/2013
Dilma e Cristina Kirchner durante encontro do Mercosul, em Brasília
Relações entre as presidentes Cristina Kirchner e Dilma Rousseff enfrenta problemas (Ueslei Marcelino/Reuters)
Em tempos de mercados cada vez mais fechados e turbulências econômicas que não cessam, chegou a hora de o Brasil se afastar da Argentina e da Venezuela para evitar mais problemas, diz o economista e professor da American University (Washington, EUA), Arturo Porzecanski. De acordo com o estudioso da economia da América Latina, os dois países não têm os mesmos valores democráticos que o Brasil e a insistência do governo na proximidade com ambos arranha a imagem do país na percepção dos investidores internacionais. Para explicar seu raciocínio, o professor, que é uruguaio, mas radicado nos Estados Unidos, usa o ditado popular "Diga-me com quem andas que direi quem és". 
Em evento realizado nesta terça-feira em São Paulo, Porzecanski disse que, enquanto o Brasil resiste em participar de alianças de livre comércio, movimento que vem sendo adotado por outros países, e insiste no Mercosul - bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e, mais recentemente, pela Venezuela - ele passa uma imagem aos possíveis investidores de que compartilha do mesmo pensamento econômico desses países.
Argentina e Venezuela se destacam por políticas econômicas desastrosas. Os dois países têm forte controle cambial e maquiam dados sobre inflação, que atinge patamares muito elevados nos dois casos. Na Argentina, por exemplo, o dado oficial é de inflação na casa dos 10% ao ano, mas cálculos extraoficiais apontam para um patamar inflacionário entre 20% e 30%. Na Venezuela, a inflação ultrapassa a casa dos 20%, segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI).
O Mercosul foi criado em 1991, com o tratado de Assunção, com o objetivo de criar uma união tarifária, ou seja, a isenção de tarifas de importação entre os países membros e a uniformização das tarifas cobradas sobre produtos importados dos demais países. Mais de 20 anos se passaram e, até agora, o Mercosul está muito longe de ser um bloco livre de tarifas de importação. Brasil e Argentina, que são as maiores economias que compõem o bloco, têm cada vez mais dificuldades nas relações comerciais. O episódio mais recente foi a estatização de ferrovias que estavam sobre concessão da gigante brasileira América Latina Logística (ALL), decisão que pegou a empresa de surpresa.
Outros problemas envolvem duas importantes companhias brasileiras: Vale e Petrobras. Em março, o Conselho Administrativo da Vale decidiu suspender o projeto de potássio Rio Colorado, na Argentina. A suspensão originou uma série de embates e o país chegou a ameaçar a tirar a concessão da mineradora. A Casa Rosada considerou a medida como falta de apoio do Palácio do Planalto. A mesma avaliação foi feita em relação à decisão da Petrobras de não vender seus ativos no país. Há duas semanas, a Petrobras recuou de uma negociação com o grupo Indalo, de Cristóbal López.
Apesar do cenário, o ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências Consultoria Gustavo Loyola afirmou, no mesmo evento, que o país não vai se afastar de seus vizinhos latino-americanos e que a relação econômica com eles é importante. Contudo, Loyola compartilha do pensamento de Porzecanski de que o Brasil não deve deixar o Mercosul restringir sua política de comércio exterior. Ele reforça que o cenário atual para as relações econômicas bilaterais entre Brasil e Argentina é negativo. "Mas isso não quer dizer que o Brasil tenha de desistir." 
O ex-dirigente do BC explica que o Mercosul passa por momentos difíceis - e que se pode falar até em crise. "Tem várias questões que pioraram o Mercosul nos últimos anos. Politicamente, o erro grosseiro foi a suspensão do Paraguai e o ingresso da Venezuela", comenta. Para Loyola, o bloco não deveria fechar as portas a novos membros, mas acha crítico que os países tenham permitido o ingresso da Venezuela que, na prática, não é um país democrático, e "não tem economia de mercado".
O Paraguai foi suspenso do bloco em junho do ano passado por questões políticas, quando o Congresso decidiu pelo impeachment do presidente Fernando Lugo. No momento da suspensão, os países membros usaram como justificativa a saída de Lugo e aproveitaram a oportunidade para chancelar a inclusão da Venezuela. O Paraguai era o único membro contrário à entrada do país então comandado por Hugo Chávez - e que hoje está sob o comando de seu sucessor, Nicolás Maduro. A decisão sobre a volta ou não do Paraguai ao Mercosul só será tomada após a posse do novo presidente eleito, Horacio Cartes, marcada para 15 de agosto.
Para os economistas, o cenário faz com que o empresariado tenha pouca confiança nos países do Mercosul e o sentimento de insegurança jurídica cresça. "Isso está provocando um distanciamento. Afasta o investimento e provoca o desinvestimento", comenta Loyola. 
Alianças — Em meio às críticas ao Mercosul, Porzecanski usa o exemplo que vem sendo adotado por outros países latino-americanos. Ele cita a Aliança do Pacífico, firmada no ano passado por México, Colômbia, Peru, Chile, que recentemente anunciaram a retirada de 90% das tarifas de importação. Devem aderir ao bloco também Costa Rica e Panamá. O professor destaca que esses países têm também firmado uma série de acordos com os Estados Unidos, União Europeia e com algumas economias asiáticas.
Outro exemplo é a Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), que envolve 11 países no total, entre eles Japão e Estados Unidos. Porzecanski diz que não vislumbra nenhum caminho para o Mercosul nesse cenário. "O Brasil corre o risco de ficar isolado", comenta. “Não acho estratégia inteligente, pois esse foi o caminho seguido por países que viraram líderes”.
Multilateralismo falho - A estratégia de multilateralismo e poucos acordos bilaterais por parte do Brasil também é alvo de críticas. Segundo o professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), as alianças comerciais bilaterais de países latino-americanos ajudaram na expansão de suas economias, como o México, por exemplo. "Enquanto isso, o Brasil ficou só nos acordos multilaterais. Por isso nós ficamos com uma economia mais fechada."
Nesta terça, a Câmara Internacional de Comércio (ICC, na sigla em inglês), divulgou um rankingfeito com base no nível de abertura econômica dos países. O Brasil aparece na 67ª posição em uma lista de 75 economias. É o que ostenta a pior posição entre as 20 maiores economias mundiais, o G-20, e entre os Brics, formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. "Com a perda da competitividade, sobretudo da indústria, nós ficamos apelando para coisas como a salvaguarda. Nesse ponto, há um risco muito grande para a competitividade no curto e no médio prazo. Mantemos um distanciamento dos polos mais avançados, onde são desenvolvidas as tecnologias mais de ponta e nós ficamos com as produções mais básicas apenas", comenta Grisi.
Ele avalia que o país tem perdido a oportunidade de negociar alianças comerciais com a Europa, por exemplo, e lembra que os EUA e a zona do euro discutem acordos enquanto isso. "Precisamos fazer acordos e liberalizá-los. E, assim, buscar por ganhos de competitividade", comenta. 

As empresas brasileiras que penam na Argentina

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ALL Logística


Na última terça-feira, o governo de Cristina Kirchner anunciou mais uma ação intervencionista na Argentina: a estatização de trecho de oito mil quilômetros de linhas férreas concedidos à gigante brasileira América Latina Logística (ALL). Para rescindir o contrato de concessão, o governo alegou que a ALL havia parado de pagar multas e direitos de exploração e não realizou os investimentos e obras necessárias para melhorar a infraestrutura das ferrovias.
1) ALL Logística
Na última terça-feira, o governo de Cristina Kirchner anunciou mais uma ação intervencionista na Argentina: a estatização de trecho de oito mil quilômetros de linhas férreas concedidos à gigante brasileira América Latina Logística (ALL). Para rescindir o contrato de concessão, o governo alegou que a ALL havia parado de pagar multas e direitos de exploração e não realizou os investimentos e obras necessárias para melhorar a infraestrutura das ferrovias.
2) Petrobras
A Petrobras trabalha com margens de lucro muito apertadas na Argentina, razão que, por si só, motiva a retirada de empresas de um país. Mas além disso, o governo da Argentina passou a determinar o fechamento de instalações da petrolífera no país. Em março, a justiça argentina mandou fechar uma refinaria na província de Buenos Aires. A Petrobras cogitou vender toda a sua subsidiária no país, mas, pelo menos por enquanto, não ficou satisfeita com as propostas de compra.
3) Vale
A mineradora tinha planos para um projeto de extração de potássio em uma mina no Rio Colorado, na província de Mendoza. A Vale pleiteava uma maior flexibilidade tributária e cambial para tocar o projeto, mas não houve acordo com o governo. Mesmo sem ser atendida, a Vale foi obrigada pelo governo a manter o empreendimento. Após ordens judiciais de ambos os lados, a mineradora brasileira fechou em abril um acordo para deixar a mina. Em contrato, a Vale se comprometeu a pagar dois meses e meio de salários a 4,9 mil trabalhadores. A mineradora brasileira gastou 2,2 bilhões de dólares no projeto e agora planeja vender a mina para recuperar o dinheiro aplicado.
4) Construtoras
As empreiteiras Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa foram prejudicadas pela desistência da Vale em terminar o empreendimento no Rio Colorado. A primeira era responsável pela construção da mina; a segunda ficou encarregada da construção de um porto, que seria erguido para escoar a produção de potássio; já a Camargo Corrêa era a operadora de uma ferrovia, que ligaria o porto e a mina, seria revitalizada e ganharia um novo ramal.
5) Deca
Também em abril, a fabricante de louças e metais sanitários Deca fechou sua fábrica em Buenos Aires. A empresa, que estava na Argentina desde 1995, afirmou que não conseguiu reverter sucessivos prejuízos financeiros. Cerca de 140 pessoas ficaram desempregadas com a desativação da fábrica.
6) JBS
Cristina Kirchner criou regras intervencionistas - e bizarras - até para frigoríficos de carne. Uma de suas medidas foi determinar que os frigoríficos vendam, para cada 2,5 quilos exportados, um quilo de carne abaixo do custo para o mercado argentino. Com a imposição, em vigor até hoje, a JBS acabou fechando a maior parte das operações que tinha no país.
7) Alpargatas
A dona das marcas Havaianas e Topper também passa por apuros na Argentina. Como o governo Kirchner impõe uma série de imposições para a troca de pesos por dólares, com o objetivo de segurar as divisas do país em moeda norte-americana, a Alpargatas estaria sofrendo para enviar suas remessas ao Brasil.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Acordos regionais de comercio: Brasil e Mercosul ficam sem nada

Esse e' o tema, alias, de meu proximo livro, que deve ser proximamente publicado. Acabo de corrigir a primeira prova, justamente atualizando os dados recentemente divulgados pela OMC.
Dizer que a politica comercial de Dilma e' cautelosa e' o que se pode chamar de understatement. A politica e' claramente defensiva, para nao dizer retraida, introvertida e claramente protecionista, operando um retorno inacreditavel aos anos 1970, nisso seguindo a Argentina.
Apenas espero que nao sigamos a Argentina no seu retorno, ainda mais inacreditavel, aos anos 1930, feito de controles de capitais, manipulacoes cambiais, restricoes generalizadas.
Paulo Roberto de Almeida

Brasil fecha só 3 acordos de comércio em 20 anos
No período, fracassou a Rodada Doha e o País abriu mercado somente para Israel, Palestina e Egito; para analistas, governo Dilma Rousseff envia sinais confusos
16 de fevereiro de 2013
Raquel Landim - O Estado de S.Paulo

Israel, Palestina e Egito. E apenas o primeiro está em vigor. Esse é o saldo de acordos de livre-comércio selados pelo Brasil desde 1991, quando se tornou membro do Mercosul. Nessas duas décadas, houve uma explosão de acordos bilaterais e regionais no mundo. Para os analistas de política comercial, os números mostram que o Brasil ficou para trás.

O anúncio na semana passada das negociações entre Estados Unidos e União Europeia para formar a maior zona de livre-comércio do planeta aumentou a pressão sobre o governo brasileiro, que adota uma postura cautelosa na área comercial por conta do tamanho e da complexidade da economia local.

"Nesse período, o mundo se mexeu muito, inclusive na nossa região", diz Soraya Rosar, gerente executiva da unidade de negociações internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI). "O Brasil está fora das grandes cadeias produtivas."

Dados compilados pela Organização Mundial de Comércio (OMC) mostram que, até 10 de janeiro deste ano, 543 acordos bilaterais ou regionais haviam sido notificados (contando mercadorias e serviços em separado). Desses, 354 estavam em vigor - e pelo menos metade foi estabelecida de 2003 para cá.

Essa explosão de acordos bilaterais é uma consequência do fracasso das negociações da Rodada Doha, da OMC, que pretendiam derrubar barreiras ao comércio global, principalmente na área agrícola. "Estamos assistindo a substituição de Doha por um processo regional. E, em um mundo que se regionaliza, o Brasil tem poucos acordos", diz Sérgio Amaral, ex-ministro do Desenvolvimento.

Os Estados Unidos possuem hoje 14 acordos de livre comércio em vigor e estão com duas grandes negociações em curso: o acordo com a União Europeia e uma aliança entre os países do Oceano Pacífico, com exceção da China. A UE também tem em vigor 32 acordos, e até mesmo a China, que desperta medo nos países, já assinou 15 tratados.

Vizinhos. Na América do Sul, os acordos proliferaram. Peru e Colômbia seguiram o caminho de Chile e México e selaram, respectivamente, 12 e 11 acordos de livre-comércio, incluindo EUA e UE. Os chilenos abriram o mercado para 21 países, enquanto os mexicanos assinaram 13 acordos, conforme estudo da CNI.

De acordo com analistas, os países andinos estão colhendo os bons frutos da abertura de mercado. No ano passado, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), as economias de Chile, Peru e Colômbia avançaram, respectivamente, 5%, 6% e 4,3%. Já o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil deve ter subido 1%.

Fontes do governo ponderam que os países andinos tem características muito distintas do Brasil, uma economia grande e complexa. Chile, Peru e Colômbia são dependentes das vendas de algumas poucas commodities e não possuem uma indústria desenvolvida - por isso, tem facilidades para fechar acordos.

"Um acordo bilateral não resolve tudo para um país com as características do Brasil. A opção multilateral é a mais correta, porque é o único fórum onde se pode discutir subsídios agrícolas", diz uma fonte. Um dos motivos do pouco esforço brasileiro em fechar acordos bilaterais nos últimos anos foi exatamente a concentração dos esforços na Rodada Doha, da OMC.

Ao deixar as negociações bilaterais em segundo plano, o Brasil fechou acordos de livre comércio apenas com Israel, Palestina e Egito e tratados de preferências tarifárias limitados com Índia e África do Sul. Além disso, em uma iniciativa controversa, trouxe a Venezuela para o Mercosul. A abertura efetiva do mercado venezuelano interessa à indústria brasileira, mas só deve estar completa em 2018.

Para Rubens Ricupero, ex-ministro da Fazenda, o Brasil não tem condições de avançar nas negociações internacionais, por conta da perda de competitividade da indústria: "Estamos paralisados por uma profunda crise de competitividade. Vamos levar anos para nos recuperar." O problema é que, enquanto isso, o mundo não para.