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sexta-feira, 17 de agosto de 2018

como a nova maioria salvou a burguesia e todos os seus bens - Paulo Roberto de Almeida (12/2002)

Ao final de 2002, antes portanto que começasse o governo companheiro, eu produzia o artigo que reproduzo novamente abaixo, no qual, cético como sempre fui, e desconfiado das políticas econômicas companheiras, que me pareciam muito parecidas, justamente, com as dos governos militares e até com as do velho populismo inflacionista, eu ousava discrepar do otimismo ambiente com relação às mudanças, afirmando, nas entrelinhas, que os companheiros iriam salvar a burguesia e todos os seus bens, ou seja, praticar uma política aparentemente pró-pobre, mas de fato, tradicional, ou seja, enviesada em favor das camadas privilegiadas.
Durante muito tempo – ainda que eu não enganasse em relação ao tema central de minha crítica – tanto as "estatísticas companheiras" quanto a maciça propaganda proclamando a retirada de "dezenas de milhões da pobreza", eu fui considerado um "derrotista" e (do que me orgulho) um contrarianista.
Agora, com as estatísticas liberadas pela Unicef – confirmando que 6 entre dez crianças permaneciam na pobreza (DADOS DE 2015) – posso novamente publicar meu artigo cético, mostrando afinal que minha desconfiança não era sem fundamento.
Foi até pior do que isso: os companheiros não só deram 3 a 4 vezes mais recursos para os ricos, como ainda roubaram os pobres descaradamente, preservando a miséria e a pobreza.
Aqui segue meu artigo de dezembro de 2002.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 17 de agosto de 2018

(advertência preventiva)
(da série “conseqüências econômicas da vitória”, parte 6)

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 984: 29 dezembro 2002

Sou um amigo, simpatizante e mesmo um promotor ativo da causa transformadora do Brasil, isto é, do partido da “reforma social profunda”, ainda que não seja membro efetivo de nenhum partido, seita ou agrupação política ou religiosa. Minha adesão à reforma é, contudo, total e de nenhuma forma subscrevo às velhas maneiras de fazer política, assim como não me considero neoliberal ou ainda um reformista “abstrato”. Como qualquer outro brasileiro engajado no movimento mudancista, portanto, recebi como extremamente auspiciosa a vitória do partido da reforma e aguardo com muitas expectativas otimistas a assunção da nova maioria e sua implementação dos projetos de reforma anunciados durante tanto tempo.
Apenas acontece que, ademais de simpático à causa da mudança, sou também um bom observador da realidade política e, acima tudo, um “racionalista” em políticas econômicas, uma vez que minha experiência de observador social indica que certas aventuras econômicas redundaram em indizível sofrimento para as camadas mais humildes da população, geralmente por via do imposto inflacionário e por políticas redistributivas altamente regressivas do ponto de vista dos que mais necessitam (usualmente via “serviços” educacionais e previdenciários que se dirigem aos mais privilegiados). Por isso, tomei a iniciativa de registrar no presente texto “prospectivo” algumas reflexões preventivas que – a despeito de não serem destinadas a publicação – se dirigem aos que, como eu, seguem a atualidade política e pretendem contribuir para a manutenção dos compromissos com a mudança, de uma maneira responsável e sensata, preservando equilíbrios econômicos fundamentais mas avançando no sentido de diminuir os graus anormalmente elevados de iniquidade social que ainda caracterizam a Nação brasileira. 
Os pontos que se seguem não observam nenhum ordenamento particular, mas são indicativos de um cenário que está sendo implementado gradualmente, qual seja, o discurso pré-posse, a atitude voluntarista na assunção ao poder, a atuação de velhos e novos grupos de interesse em direção da nova maioria, a reação dos velhos militantes e comprometidos com o “projeto nacional”, os resultados esperados das políticas implementadas, e as conclusões práticas que podem ser tiradas preventivamente dessa movimentação excepcional a que está assistindo a sociedade brasileira. Finalmente, permito-me formular algumas recomendações genéricas que refletem minha própria visão do mundo e que servem como fecho a um texto que pretende continuar sob reserva até nova conferência dentro de algum tempo (2 ou 4 anos a partir de dezembro de 2002).

1. Mudou o mundo, mudou o Brasil e mudou o partido: nessa ordem?
O Brasil assistiu, em meados de 2002, a uma das mais importantes mudanças políticas já ocorridas na história republicana, movimento que tentei captar nos textos de meu livro A Grande Transformação(Códex, 2003). Ocorreu aquilo que os marxistas chamariam de transformação da “superestrutura política da sociedade”, colocando-a em compasso mais afirmado com sua infra-estrutura social. Essa mudança relevante tem sido apresentada, pelos principais protagonistas, como uma “conseqüência natural” das transformações em curso no mundo e no próprio Brasil, mas quero crer que ela é, antes de mais nada, o resultado de uma mudança de atitude e de mentalidade das próprias lideranças políticas que agora converteram-se na nova maioria social e política da Nação.
Em outros termos, a conversão à responsabilidade fiscal, as declarações de respeito aos contratos e o novo realismo nas relações com o FMI, para citar três exemplos dessa mudança paradigmática, não foram ditadas pelas circunstâncias externas, que não se alteraram dramaticamente nos poucos meses de campanha eleitoral presidencial. Ou, se mudança houve, ela foi no sentido do aprofundamento da “crise da globalização”, de uma acrescida dependência do Brasil dos “mercados financeiros globalizados”, de um sensível agravamento da nossa “fragilidade financeira externa”, ou seja, em todos aqueles elementos que figuravam no lado perverso do figurino da “ruptura”, ainda proclamada no último encontro oficial do partido mudancista.
Cabe registrar, em todo caso, a bem-vinda mudança de atitude, que constitui o primeiro passo na direção de novas responsabilidades governativas, o que só pode ser saudado de maneira otimista. O que se espera agora é que essa mudança de atitude se traduza em atos concretos no sentido da mudança de cenário social com preservação da estabilidade macroeconômica e da continuidade da inserção do Brasil no sistema internacional globalizado, pois foi esse o mandato recebido nas urnas. A conferir, portanto. 

2. O que fazer com a memória do passado?: as virtudes do autocontrole
As declarações de mudança não bastaram, contudo, para instilar confiança nos “mercados”, que continuaram a atribuir notas baixas ao chamado “risco Brasil”, com uma deterioração lamentável do valor da moeda e dos títulos de crédito brasileiro negociados externamente (e conseqüente elevação dos prêmios para renovação de crédito). Em virtude desse fenômeno, muito bem percebido pela nova equipe dirigente, passou-se a ostentar tremendo autocontrole, com poucas declarações públicas no sentido daquelas teses antes proclamadas como integrando o menu da ruptura: redução dos juros, políticas setoriais ativas, medidas redistributivas e de correção de “desequilíbrios” sociais ou regionais, enfim, a panóplia de iniciativas de tipo voluntarístico que denotavam a tendência, consciente ou inconsciente, de “querer fazer algo” para corrigir as tremendas iniquidades que obviamente ainda caracterizam o cenário social brasileiro. 
Há, todavia, uma tendência latente a “resolver” esses “problemas urgentes” via implementação de políticas ativas em vários setores de notórias carências sociais e, de fato, a componente “social” do novo governo cresceu bastante em relação à estrutura administrativa existente até então, com as previsíveis novas fontes de pressão sobre o orçamento. Resta saber se a política do “pau na máquina” permite, efetivamente, resolver os problemas que se pretende encaminhar por via administrativa. Alimentar os carentes, por exemplo, é uma tarefa gigantesca e auto-perpetuadora, com dispêndio de recursos nos meios – cadastro, distribuição física e controle dos resultados – e uma ingente repetição dos mesmos “remédios” em todas as fases do processo. Existem certamente formas mais eficientes de se despender o dinheiro público, atuando talvez na “produção” de emprego e na “criação” de renda de maneira a gerar um circulo virtuoso no próprio processo produtivo, não necessariamente na demanda agregada (elogiável e keynesianamente correta, mas de difícil sustentação em condições de precário equilíbrio orçamentário).
Um pouco de auto-contenção seria recomendável nesta fase de testes.

3. Os novos “amigos do social”: atenção com os aliados
Todo governo tem amigos sinceros, os de sempre (e conhecidos), um imenso contingente de novos amigos, pouco sinceros e de fato oportunistas, e um número indeterminado de novos lobistas em favor de alguma “causa importante”. Na verdade, se trata dos velhos lobbiesdo passado, mas reciclados em “amigos do social”, mas que são ainda mais amigos do poder e de suas inestimáveis possibilidades de distribuição de recursos. Basta conferir uma agenda de endereços ou a lista de chamadas telefônicas registradas pela secretária para verificar como a mesma fauna se reproduz nos mesmos gabinetes, agora sob responsabilidade de novos ocupantes, pouco afeitos a esse tipo de manobras em favor de políticas ativas em tal ou qual setor. 
Mesmo entre os velhos amigos, existem aqueles unicamente preocupados em reivindicar a “recuperação das perdas do passado”, o que promete uma irônica inversão de papéis entre velhos e novos guardiães do Tesouro. Velhos acadêmicos por certo retomarão o antigo slogansobre a necessidade de um governo que se ocupe de “algo além da estabilidade monetária”, o que também não deixa de ser incômodo do ponto de vista ideológico. Configura-se, portanto, uma pressão irreprimível pela conformação de políticas setoriais ativas e pela “restauração” de vários segmentos sociais “massacrados” por anos de política austera e insensível. Todos – industriais, agricultores, universitários, cientistas, funcionários, aposentados, artistas, coletores de frutas nativas – têm uma causa a defender, que geralmente se confunde com o interesse nacional ou com alguma prioridade estratégica do ponto de vista do emprego e da renda agregada. Difícil resistir.

4. A turma do “Projeto Nacional”: o que fazer com ela?
Justamente, falando de interesse nacional, existe uma categoria especial de formuladores do destino pátrio que invariavelmente se reflete nas lamúrias em torno da falta de um “projeto nacional”. Ele pode ser setorial – no terreno científico e tecnológico, por exemplo – ou pode mesmo ser global, como algumas velhas receitas acadêmicas (geralmente anti-globalização) recomendam. Em qualquer hipótese, é promessa de dias e dias, noites e noites, meses de discussão acalorada para uma “proposta de consenso”, geralmente um grosso calhamaço com muitos pontos de dissenso e várias generalidades que ainda necessitarão detalhamento operacional e (sobretudo) quantificação orçamentária. Alguém tem idéia de quantos “projetos nacionais” existiram na história do Brasil (no regime republicano obviamente)? Eles foram registrados, têm copyrightou, pelo menos, funcionaram na prática? Foram de baixo para cima – alguém é capaz de citar um? – ou de cima para baixo (ao estilo varguista)? 
Enfim, sempre existirão os que acham absolutamente indispensável dispor de um projeto nacional antes de passar à ação. Que seja: o pacto social está aí para isso mesmo e pode-se mesmo trabalhar de maneira concreta, com idéias registradas e prontas para serem testadas, mediante um conselho de desenvolvimento econômico e social que precisa ser representativo de todos aqueles setores que “contam” (no PIB e na opinião pública). Um pouco de utopia não faz mal a ninguém e ela existe precisamente para impulsionar novas idéias, mobilizar iniciativas e energias e permitir um grau superior de esforço concentrado em favor de algum objetivo transcendente. 
Tudo depende de bem determinarmos em que direção deve incidir esse esforço. Eu, por exemplo, proponho que ele incida prioritariamente sobre a escola pública nos dois primeiros níveis e no ensino técnico profissionalizante: como melhorar sua qualidade, como introduzir mecanismos de aperfeiçoamento e de avaliação contínuos dos professores, como aumentar os recursos para o ensino em todos os níveis. De modo geral, não recomendaria que se fizessem esforços no setor produtivo, pois aqui as possibilidades são propriamente infinitas e a iniciativa privada pode fazer melhor que qualquer governo.

5. Medindo resultados antes que eles aconteçam: um pouco de futurologia
Se ouso praticar um pouco de astrologia social, meu ceticismo natural – que não é doentio, mas geralmente desconfiado das virtudes dos governos, talvez por anarquismo – indicaria que as energias e esforços da nova maioria social vão acabar reproduzindo as preferências das coalizões organizadas em torno do governo, cujo perfil não é difícil adivinhar. Pode-se esperar, assim, várias “políticas ativas” em setores considerados estratégicos do ponto de vista econômico (com ênfase na indústria), do desenvolvimento tecnológico, da defesa da soberania do País, enfim, aqueles que lograrem transmudar-se em projetos coerentes e quantificados. A peça orçamentária de 2004 começará a refletir essa nova realidade, que cabe portanto seguir com um certo grau de detalhamento no curso dos próximos meses. Estarei sendo pessimista?

6. Tirando minhas conclusões: conseguiremos nos lembrar das crianças?
Se ouso ser realista – ou estarei sendo apenas maldoso? –, diria que a nova maioria social conseguirá, ao cabo de três ou quatro anos de políticas ativas, salvar a burguesia e todos os seus bens (industriais e banqueiros reunidos no mesmo partido reformista). Os antigos ganhadores continuarão ganhando numa situação de mudança que será lenta, gradual e restrita, e os antigos perdedores continuarão perdendo relativamente, ainda que com direito a discurso e afagos desta vez.
Quem são os perdedores? Do meu ponto de vista são as crianças em geral, as crianças pobres em particular, que necessitariam de quatro vezes mais recursos do que o disponível atualmente para mantê-las bem alimentadas, vestidas e provistas de livros nas escolas que deveriam funcionar em turnos ampliados. Não há maneira de resolver, agora, o problema dos adultos pobres, mesmo analfabetos e sem emprego, pois o dispêndio teria de ser então muito maior, para resultados duvidosos no terreno da prática. O investimento nas crianças não produz, obviamente, resultados em quatro anos, talvez em dez ou quinze, mas se não começarmos agora não teremos resultado algum nem em quatro ou em oito anos. 
Não gostaria de, ao retomar este texto em quatro anos, chegar à conclusão de que a burguesia vai muito bem, obrigado, no novo Brasil, e que as crianças pobres continuam, sim, existindo como antes, “a despeito dos esforços conduzidos”.

7. Uma proposta modesta: que tal, por uma vez, nos ocuparmos dos pobres?
A mudança social no Brasil deveria começar por objetivos muito modestos, quase que prosaicos em sua simplicidade governativa: coloquemos todas as crianças em escolas de qualidade, façamos um esforço brutal na formação e treinamento de professores (bem remunerados obviamente) e acompanhemos essas crianças em direção de estágios mais avançados de formação, não necessariamente no caminho do ensino superior, mas do ensino médio de igual ou melhor qualidade que a melhor das escolas primárias no Brasil e dos cursos de capacitação profissional que, melhor do que os “canudos”, contribuirão para incorporar ao mercado de trabalho imensos contingentes de cidadãos brasileiros hoje excluídos de qualquer possibilidade de aumento de renda e de bem estar. 
Reputo essencial que esse esforço concentrado se faça, à frente e acima de quaisquer outras prioridades “setoriais” do novo governo, pois ele é a única garantia de que, dentro de quatro ou oito anos, o panorama social brasileiro comece de fato a ser transformado no sentido pretendido pela nova maioria. Não tenho certeza de que o famoso coeficiente de Gini (que mede a concentração da renda) – teimosamente estacionado em patamares vergonhosos durante os últimos anos, ou décadas, de baixo crescimento econômico – será alterado de forma dramática ao cabo desse esforço concentrado, mas tenho sim certeza de que ele não se modificará se nada for feito no terreno educacional e da capacitação profissional. 


Anexo:Pensando um pouco adiante: como conciliar políticas sociais e políticas setoriais na administração da nova maioria. 
Para não terminar de maneira pessimista, gostaria de reafirmar minha confiança na capacidade da nova administração em conduzir o processo de mudança no sentido apontado acima, com a preservação da estabilidade econômica e da abertura econômica internacional, que considero indispensáveis à consecução dos demais objetivos sociais.
O problema que vejo na consecução das metas transformistas se situa na própria concepção do processo governativo que parecem ostentar determinados setores da nova maioria. Essa concepção se situa na linha de continuidade do Estado interventor, na mentalidade de que o governo “precisa” corrigir, redirecionar, estimular determinados impulsos “naturais” dos mercados, de molde a poder criar um ambiente mais “propício” ao crescimento econômico com desenvolvimento social. Longe de mim proclamar uma volta ao laissez-fairee a concepções doutrinais típicas de um liberalismo impraticável nas modernas condições do jogo econômico. Mas denoto uma inclinação espontânea dos principais responsáveis políticos da nova maioria por um tipo de ação que faça do Estado uma entidade capaz de orientar o mercado na direção das “boas políticas” setoriais (elas só podem ser setoriais, pois os mercados normalmente são segmentados), o que redunda na inevitável concentração de recursos públicos nos setores politicamente mais ativos (que nunca são, obviamente, as crianças pobres, mas marmanjos fortes e espertos). 
Talvez um critério simples possa permitir separar as políticas “necessárias” daquelas que são apenas “complementares” ao objetivo principal, que suponho ser o da diminuição da desigualdade social, não a transformação do Brasil em grande potência econômica, tecnológica ou mesmo militar (condições que serão sempre decorrência dos investimentos educacionais, não suas fontes primárias). Esse critério seria o de que, na formulação das políticas setoriais, atenção especial deve ser dada aos efeitos que tais investimentos terão na disseminação de políticas horizontais de igualdade de chances. Em termos concretos e para citar apenas um exemplo, algum acréscimo de investimentos na educação de terceiro grau teria de ser pensado na perspectiva de seus efeitos sobre os ciclos iniciais de ensino público, em suas diversas vertentes, diretas e indiretas. Não é obviamente fácil determinar o grau de “inclusividade educacional” de determinadas ações do “Estado indutor”, na medida em que essa indução se prende a objetivos diretamente produtivos, mas um pouco de treino e algum bom-senso podem ajudar. 
Em todo caso, deixo aqui registrado (ainda que de forma reservada e não destinada a publicação) o meu pensamento geral – contra políticas setoriais muito ativas por parte do Estado, em especial contra políticas intervencionistas no setor produtivo – e o meu pensamento particular – a prioridade absoluta para o ensino público de qualidade e o apoio às crianças pobres – neste início de um novo governo que promete, mais do que em qualquer outra época da história nacional, transformar o Brasil de maneira radical no curso dos próximos quatro ou oito anos. Não podendo eu mesmo contribuir diretamente – por especialização profissional de origem ou falta de oportunidade administrativa – para esse processo de mudanças, pretendo registrar escrupulosamente, de maneira honesta e objetiva, a substância mesma do movimento mudancista e oferecer, ao cabo daqueles prazos, uma avaliação ponderada sobre os resultados alcançados.
Os dados estão lançados: rendez-vousna primeira etapa de balanço da nova situação.

Washington, 984: 16 e 17 novembro 2002;
 revisão, atualização: 29 dezembro 2002

domingo, 22 de outubro de 2017

Consequencias economicas da vitoria, parte 7 (2002) - Paulo Roberto de Almeida

Este foi, realmente o último da série das "consequências econômicas da vitória", mas não a última análise que fiz das tribulações do governo Lula, no momento de sua ascensão ao poder. Não tem muita importância atualmente, a não ser pelo prenúncio de boas políticas sociais que eles fariam. Fizeram, mas de forma torta, provocando distorções e equívocos (muitos deles deliberados, feitos para roubar), o que levou o Brasil à Grande Destruição, a maior recessão de toda a nossa história.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 22/10/2017


Avaliando a transição:
Balanço da vitória, no momento da subida ao poder
(da série: Consequências econômicas da vitória, parte 7)

Paulo Roberto de Almeida
(Washington, 988: 28/12/2002)

            Em texto elaborado no dia 20 de outubro de 2002, intitulado “Como vencer a transição” e inscrito na série “consequências econômicas da vitória”, eu apresentava uma espécie de “decálogo” para o período que se estenderia desde a vitória, no dia 27 seguinte (do que já estava seguro, muito tempo antes), até a posse, em 1º de janeiro de 2003. Em dez pontos sintéticos, eu apresentava então alguns desafios de caráter imediato e outros de ordem mais estratégica, pois que vinculados à maneira de governar e de se relacionar com os aliados.
            Pretendo, na presente “reavaliação” da transição, efetuar, com base nos critérios selecionados naquele texto, uma espécie de balanço desta fase que passou (entre 27 de outubro e 27 de dezembro de 2002), enfatizando sucessos e frustrações e até distribuindo pontos por “merecimento”, o que constitui, obviamente, um exercício de impressionismo político totalmente pessoal. Para isso vou retomar cada um daqueles pontos, evidenciando realizações e carências do período em questão, sem que minha avaliação apresente, está claro, qualquer implicação para o desempenho futuro do governo da nova maioria social.
            Vejamos quais eram a tarefas então selecionadas como relevantes na fase de transição e que tipo de “boletim” (classificação por pontos) poderíamos atribuir ao grupo que trabalhou para o sucesso do novo governo que se inaugura em 1º de janeiro de 2003:

1) Unificar o discurso
2) Falar ao País, não ao partido
3) Dirigir-se ao mundo, seletivamente
4) Tranquilizar os agentes econômicos
5) Designar os principais assessores, depois negociar
6) Recompor um programa de governo
7) Atender a circunstâncias excepcionais
8) Indicar as linhas do discurso de posse
9) Estruturar as bases do apoio congressual
10) Preparar-se para o pior, manter a mensagem otimista

            Numa versão mais elaborada, os comentários pessoais que poderiam ser feitos ao desempenho da nova maioria na fase de transição seriam os seguintes:

1) Unificar o discurso
            Essa regra, classificada então como absoluta, válida em qualquer momento e em qualquer circunstância do jogo político, foi cumprida de modo satisfatório, com pequenos deslizes setoriais na montagem da equipe ministerial ou na orientação a ser dada à política econômica do novo governo. Em discurso pronunciado no dia 28 de outubro que pode ser considerado como praticamente impecável – não fosse a referência a alguns caudilhos políticos do passado que melhor seria ter deixado no limbo, a despeito do fato incômodo que eles também pertencem ao presente – o vencedor ofereceu uma visão bastante clara do que pretenderia fazer no comando do País.
Tivemos então a impressão de que a liderança estava sendo exercida em todas as suas dimensões. Mas é óbvio que o Príncipe não pode ocupar-se pessoalmente de todos os detalhes da nova administração, daí a delegação de poderes ao chefe operacional do partido, que desempenhou-se relativamente bem nesse período. O poder é contudo algo tão fascinante e atraente que, inevitavelmente, outros personagens sentir-se-ão atraídos por suas luzes e possibilidades de mando, o que de fato ocorreu, em condições bastante limitadas, felizmente. Assim, não ocorreu o fenômeno da “dupla linguagem”, mas houve pequenos incidentes verbais sobre como melhor encaminhar os temas econômicos na fase de transição e além. Minha pontuação: começo com 9 pontos no boletim.

2) Falar ao País, não ao partido
            Ocorreu aqui uma das mais gratas surpresas de qualquer período de transição ocorrido historicamente no Brasil – descontando-se aquela entre FHC I e FHC II – no sentido em que o País uniu-se, em lugar de dividir-se, tanto quanto tinha sido o caso durante a campanha eleitoral. A nova maioria, por obra e graça das suas lideranças, mas também em razão das circunstâncias excepcionais de consolidação democrática do País, da maturidade eleitoral demonstrada pela população (com a infeliz exceção de Brasília) e em virtude de novos mecanismos institucionais concebidos para a fase de transição – o que devemos creditar inteiramente à presidência esclarecida de FHC – logrou beneficiar-se de um arco impressionante de apoios políticos e de simpatias generalizadas no âmbito do sistema político e da população em seu conjunto, a ponto de ter passado a desfrutar de uma aprovação superior a 70% da opinião pública, proporção bem maior do que aquela conquistada no pleito eleitoral (61.27%).
            Em grande medida, esse “crescimento” pós-eleitoral se deve precisamente ao fato de que o eleito falou mais ao País do que ao partido, ainda que ele tenha tido de ocupar-se pessoalmente de certos equilíbrios internos à sua agremiação política (sobretudo na fase final de montagem do governo). O primeiro discurso ao País continuou sendo tranquilizador e “consensuador” e a menção do resgate da dignidade do povo – tão importante na fase eleitoral – bem como o compromisso com os excluídos e marginalizados compareceram nessa declaração mediante a decisão de se implantar imediatamente um programa de combate à fome, algo impossível de despertar oposição de quem quer que seja (ainda que os economistas “alimentem” dúvidas sobre sua eficácia relativa). Novos pontos ganhos: 9,5, com louvor.

3) Dirigir-se ao mundo, seletivamente
            Difícil escapar da sensação de contentamento com tantos telefonemas e tantas mensagens de congratulações, além dos inúmeros convites para visitas pré-posse, inclusive – parbleu! – do próprio líder do Império. Essa coisa de “tour du monde” antes da posse parece coisa de subdesenvolvido, de colonizado cultural, mas parece que foi incorporado como uma espécie de hábito de todo presidente eleito. Que seja: algo de útil pode resultar desses contatos informais – ainda que com um certo sentido diplomático – anteriores à assunção de responsabilidades governativas, se mais não fosse para uma espécie de “treino” nos meandros do poder e da administração de uma agenda por certo algo mais complexa do que as simplificações realizadas durante a campanha eleitoral.
            Como não se pode ver ou visitar todo mundo, a escolha dos “mais iguais” carrega uma simbologia altamente complexa, mas que de certo modo se casa com o perfil das relações diplomáticas do País: Cone Sul em primeiro lugar, demais vizinhos regionais e o Império estão compreensivelmente situados nas primeiras linhas das prioridades, com um certo ciúme carregado pelos europeus e demais países provedores de imigrantes para o Brasil. Alguns convites de visita podem ser gentilmente recusados, mas outros são praticamente incontornáveis, como pode ser o da própria capital do Império.
Nesses primeiros contatos, devia-se realizar uma balança apropriada entre inovação e continuidade, o que parece ter sido assegurado de modo satisfatório nas viagens empreendidas em dezembro de 2002. Talvez tenha faltado um pouco de surpresa ou espontaneidade aqui e ali – já que o diplomatês parece ter predominado rapidamente – mas o balanço provisório pode ser considerado como satisfatório, em especial o encontro na capital imperial. Via de regra, pode-se dizer que as viagens antecipam um tratamento profissional de alguns dos problemas mais importantes da fase seguinte: Mercosul, Alca e negociações comerciais de modo geral. Pontos ganhos nesta etapa “turística”: 8, com viés de alta.

4) Tranquilizar os agentes econômicos
            A despeito de um bom começo, as fontes de tensão persistiram, em função das indefinições prolongadas seja quanto ao pessoal do núcleo econômico, seja quanto ao próprio conteúdo das políticas a serem implementadas. As mensagens dilatórias emitidas pela nova equipe não lograram reduzir as incertezas da conjuntura econômica, razão pela qual câmbio e taxa de risco continuaram a apresentar um cenário preocupante. Um novo repique inflacionário agregou à sensação de o Brasil poderia estar voltando a uma época que se acreditava superada: o ciclo da alta de preços, as demandas por reajuste ou por correção e a queda na aceleração inflacionária.
            Os novos responsáveis indicados procuraram transmitir um quadro de seriedade no compromisso com políticas de estabilização, mas a falta de engajamento pessoal da principal liderança e a demora na escolha dos “guardiães da moeda” trouxeram de volta um cenário de tensão na frente econômica. Pode-se resumir o quadro com duas palavras: há uma grande esperança depositada nas novas lideranças, mas a confiança dos agentes econômicos ainda é limitada ao refrão habitual: esperar para ver. Pior: a confiança ainda não existe, de verdade, o que termina por diminuir o grau de esperança na capacidade da nova equipe em reverter o quadro em relativa deterioração. A reversão do cenário parece depender da uma demonstrada capacidade de comando, por quem teoricamente está na instância suprema da tomada de decisão. Até meados de dezembro de 2002, essa capacidade de liderança não tinha ainda sido demonstrada. Depois da montagem do novo governo, as reações foram variadas, alguns depositando no (pequeno) grupo controlador das finanças públicas, outros reagindo com preocupação à designação de um (grande) grupo de ministérios e novas secretarias “gastadores”. Pontos recebidos: 5, no máximo.

5) Designar os principais assessores, depois negociar
            O que ocorreu, inversamente, foi um longo processo de negociação em câmara secreta, sem a designação do “núcleo duro” do futuro governo. Mas, de certa forma, os principais assessores já estavam designados desde o início, o que trouxe um pouco mais de tranquilidade do que teríamos tido sem qualquer tipo de “anúncio ministerial”. Como ocorreu um delongado processo de designação de quem passaria a comandar, de fato, a área econômica e a política monetária, os custos dessa demora foram sendo impostos ao país, sob a forma de queda no valor externo da moeda e do aumento do custo de vida.
De toda forma, como a montagem da equipe ministerial foi de certa forma feita ao sabor das possibilidades políticas (inclusive para se atender às conveniências do mais importante partido centrista), pode-se prever um certo potencial de atritos, de desgastes e de fricções no relacionamento com o Congresso e no funcionamento do governo, sem que o tipo de arranjo político finalmente logrado garanta as condições de governabilidade, sobretudo no Congresso. A pressão do tempo e as indefinições políticas determinaram um certo desequilíbrio na equipe administrativa, com metade do ministério atribuído à própria formação central e a outra metade dividida em sem partidos e seis outros de cada um dos demais partidos da coalizão. Pontos atribuídos: 4,5 para baixo.

6) Recompor um programa de governo
            Até o final de dezembro, com exceção do programa de emergência vinculado às carências alimentares da população mais desfavorecida, ainda não se tinha ouvido falar de um “programa governativo”, mas simplesmente de um “relatório de transição”, no máximo fazendo um “diagnóstico”, mas não formulando linhas diretrizes de governo. Não era, aliás, encargo da equipe de transição apresentar algo coerente para compor um novo programa de governo, pois ela trabalhou mais setorialmente do que de forma integrada. Ela ofereceu um balanço da herança recebida, apontando os números mas também as lacunas, carências e deficiências dos oito anos de tucanato.
Cabe, então, ao chamado “núcleo central” da nova governança realizar essa tarefa de compor um novo programa, mas ele aparentemente não conseguirá fazer tudo isso em pouco tempo. Como parece evidente a qualquer um, não se deveria exigir qualidades de “super-homens” dos novos responsáveis econômicos e políticos. No máximo eles conseguirão administrar a máquina sem causar rupturas desnecessárias.
Esse é o custo das transições políticas excessivamente paradigmáticas, com alguns “novatos” assumindo postos de responsabilidade. Em todo caso, seria importante que o novo governo consiga apresentar um documento contendo diretrizes executivas como base da sua ação nos primeiros seis meses. Pontuação média: 5.

7) Atender a circunstâncias excepcionais
            Nessa área, o que tivemos foi empirismo involuntário, uma certa boa vontade dos mercados e muita sorte, em doses variadas de cada um desses elementos segundo a conjuntura. O repique inflacionário parece ser o mais importante desafio da nova equipe política, já que o “repique das reivindicações classistas” parece estar sendo controlado de forma bastante satisfatória pelos novos dirigentes (executivos e partidários).
            Deve-se reconhecer que a nova equipe não contribuiu, ela mesma, para agravar a deterioração da situação econômica, embora se tenha observado um e outro deslize, aqui e ali. Mas, o entrosamento com a equipe que sai poderia ter sido maior, caso houvesse uma real abertura de espírito para reconhecer que a tal de “ruptura” era mais uma palavra de ordem eleitoral do que uma disposição efetiva para mudar “tudo isso que está aí”. A disposição para ações conjuntas em prol de estabilidade macroeconômica permaneceu, todavia, reduzida durante todo o período de transição. Houve aqui uma certa deficiência de liderança política. Pontos tolerados: 4.

8) Indicar as linhas do discurso de posse
            Isso não ocorreu, mas de certa forma, já não havia mais surpresas a esperar, uma vez que o processo de transição foi mais tranquilo, do ponto de vista político, do que se supunha antes da realização do segundo turno das eleições presidenciais. Espera-se que um pouco mais de “esperança” seja dispensado nesse discurso de posse, embora a credibilidade desse tipo de mensagem tenha uma “esperança de vida” cada vez mais reduzida. Pontos que se pode atribuir a essa não situação: 6 pontos.

9) Estruturar as bases do apoio congressual
            A situação não parece extremamente complicada e de fato a nova maioria logrou realizar um amplo leque de consultas que poderiam assegurar apoios desde a extrema direita até a extrema esquerda do espectro político, com alguma confusão e frustrações no centro (como seria de se esperar). A nova equipe comporta, todavia, apenas um representante de cada um dos seis outros partidos participando da coalizão, contra treze ministros do núcleo dirigente. Em todo caso, a costura de apoios para aprovação de projetos específicos permanecerá uma tarefa de alta habilidade política, sem grandes inovações, portanto, em relação à situação atual. Perspectivas razoáveis nessa frente: 7 pontos.

10) Preparar-se para o pior, manter a mensagem otimista
            Continua válida essa regra e, sobretudo, a recomendação de que não se deve sair buscando “bodes expiatórios” dentro ou fora do País. As mudanças sempre têm um custo e este tem de ser absorvido pela nova administração. Caberia talvez acrescentar uma nova regra: a de que os principais custos da governabilidade nas novas condições podem ter origem não em dados objetivos da realidade externa (dentro e fora do País), mas no próprio seio da nova equipe dirigente. A razão é muito simples: toda medida econômica apresenta um custo político e por isso torna-se aparentemente muito provável que o setor político do novo governo venha a se chocar com a ala executiva da direção econômica. O potencial de desastre é muito grande, na falta de um árbitro capaz de decidir quais custos absorver e quais outros afastar.
Não há receita pronta para esse tipo de dilema, mas deve-se ter confiança (e talvez esperança) no grau de discernimento do supremo mandatário. Avaliação: 8 pontos.

Se ouso tirar uma “média aritmética” da pontuação acima atribuída – por certo altamente subjetiva, pois que baseada em uma distribuição linear de valores uniformes para fatores totalmente dissimilares e de importância desigual entre si – ela estaria representada pela nota 6,6. Não se trata de uma aprovação completa, como se vê (que, pelos critérios tradicionais, poderia requerer um 7 redondo), mas tampouco de uma reprovação por insuficiência. A situação está mais para “acompanhar com atenção”, ou ainda, “ajudar na preparação para os exames”, o que certamente exigirá um reforço nos deveres de casa e mais aplicação nos estudos. O aluno parece sério e competente e por isso deve se sair bem nos próximos testes, ainda que não se possa excluir a intervenção de fatores externos que degradem o cenário de funcionamento do estabelecimento escolar (como a diminuição do orçamento e ausência de financiamentos externos, por exemplo).
Em todo caso, caberia expressar um moderado otimismo quanto às chances de avanço intelectual do “estudante” em questão, rumo a uma pós-graduação com louvor. Pelo menos esta é a esperança.
           

Preparando a futura avaliação: desmontando os números de forma objetiva

Um dos mais propalados instrumentos de “condenação” literal dos oito anos de administração “neoliberal” do tucanato foi um “balanço” politicamente motivado por parte de estudiosos ligados à ala progressista da Igreja Católica, cujo resultado foi a publicação de uma obra sobre um pretenso “desmonte” da Nação (cf. Ivo Lebauspin e Adhemar Mineiro: O Desmonte da Nação em Dados. Petrópolis: Vozes, 2002).
Como no caso do “plebiscito” sobre a Alca, as conclusões estavam provavelmente definidas previamente, o que permite duvidar dos fundamentos metodológicos e da honestidade interpretativa do ensaio de “avaliação” ali conduzido. Por isso mesmo, para diminuir o grau de subjetividade deste tipo de exercício caberia tentar introduzir alguns critérios objetivos de avaliação da nova governabilidade, sob a forma de indicadores econômicos e sociais relativamente isentos que permitam conferir resultados de meio de caminho (um ou dois anos) e finais (em 2006).
Com o objetivo de permitir uma avaliação objetiva (e comparada) do governo da nova maioria, caberia anotar escrupulosamente os dados registrados ao longo das duas últimas administrações, bem como aqueles que refletem a situação recebida em 1º de janeiro de 2003. Proponho que essa avaliação seja feita com base em dados oficiais, homogêneos no tempo, pois que produzidos, elaborados ou compilados por instituições públicas, o que nos habilita portanto a dispor de séries históricas uniformes. Tal é o caso dos indicadores puramente econômicos e quantitativos, para os quais se oferece uma primeira amostra no Quadro 1. Adicionalmente, pode-se selecionar alguns outros índices de caráter qualitativo, que poderiam incidir sobre os elementos inscritos no Quadro 2. Cabe observar que alguns dados somente poderão estar disponíveis bem mais tarde, como é o caso do coeficiente de Gini, para o que se deve portanto marcar rendez-vous em 2006.

Quadro 1: Economia brasileira, dados básicos e projeções: 1999-2003

 

1999

2000

2001

2002

2003

Nível de Atividade
PIB em US$ bilhões
530,8
593,9
503,7
486,7
477,8
População (milhões de hab)
167,9
170,1
172,4
174,6
176,9
PIB per capita (em US$)
3.161
3.491
2.922
2.787
2.702
Crescim. anual do PIB (%)
0,8
4,4
1,4
1,5
1,4
Agropecuária
8,3
2,2
5,7
5,8
4,0
Indústria
-2,2
4,8
-0,3
1,0
0,8
Serviços
2,0
3,8
1,9
1,6
1,5
Investimento (% do PIB)
19,1
19,4
19,4
19,6
19,5
Massa real de rendimentos
-5,2
3,7
-3,1
-2,0
-2,0
Desemprego aberto 7 dias
7,6
7,1
6,2
7,5
8,6
Desemprego aberto 30 dias
8,3
7,9
6,8
8,1
9,2

Inflação (%)

IPCA (IBGE)
8,9
6,0
7,7
12,6
10,5
IGP-M (FGV)
20,1
10,0
10,4
25,4
8,7
Setor Externo (US $ bilhões)
Exportações
48,0
55,1
58,2
60,7
67,5
Importações
49,3
55,8
55,6
47,6
50,4
Balança comercial
-1,3
-0,7
2,6
13,1
17,1
Conta Corrente
-25,4
-24,6
-23,2
-8,4
-5,8
Conta de Capital
17,4
19,9
27,9
9,5
5,8
Reservas  líquidas intern.
36,3
33,0
35,9
35,0
35,0
Déficit Público (% do PIB)
Nominal
10,0
4,5
5,2
9,5
5,2
Primário
-3,2
-3,5
-3,7
-3,9
-3,8
Juros Nominais
13,2
8,0
8,9
13,4
9,0
Câmbio e juros (% ao ano)
Taxa de câmbio (nominal)
1,7890
1,9554
2,3204
3,50
3,71
Juro nom./TBC (Selic)
25,5
17,4
17,3
19,1
22,5
Juros reais (deflat. IPCA)
15,7
11,5
9,0
5,8
8,9
Juros reais em dólar
15,2
7,4
-1,1
-21,0
15,7
2000: estimativas; 2001: projeções (atualizadas em 27/12/2002)
Fonte: IBGE, Consultoria Tendências (Conjuntura Semanal, 30/12/02 a 3/01/03)








Ainda na vertente econômica, poder-se-ía agregar dados sobre a dívida externa (tanto a bruta quanto a líquida, bem como dados relativos às amortizações do principal e seu serviço, assim como sua relação com o PIB e as exportações), mas uma avaliação objetiva desses dados do ponto de vista da política econômica nem sempre é possível, uma vez que grande parte dessa dívida, atualmente, é detida pelo setor privado (e também por grandes companhias ainda sob controle do Estado), que persegue sua própria estratégia de endividamento (em função do diferencial de juros internos e externos), não necessariamente compatível com políticas preferidas pelas autoridades econômicas. O mesmo poderia ser dito do índice de poupança, sua taxa de crescimento e relação ao PIB, com variáveis não controláveis pelo governo. A dívida pública, por outro lado, tem uma parte indexada ao dólar, o que se reflete em sua variação nominal em função do câmbio, o que pode introduzir flutuações não diretamente derivadas da política econômica.
Quanto aos indicadores puramente sociais, ou qualitativos, eles poderiam ser avaliados com base nos seguintes critérios, com algumas especificações, abaixo explicitadas:

Quadro 2: Indicadores sociais brasileiros, 1990-2000


1990
2000
Índice Desenvolvimento Humano (Pnud)
0,713
0,757
Esperança de vida ao nascimento (anos)
65
68,6
Mortalidade infantil (por 1000 nascims.)
47,8
29,6
Analfabetos (% da população 10 anos ou +)
16,4 (1)
11,4 (2)
População abaixo linha pobreza (milhões)
60,7
53,7
Taxa de escolarização (% crian. 7-14 anos)
86,6 (1)
96,5 (2)
Distrib. livros didáticos (milhões alunos)
5,5 (3)
33,5
Trabalho infantil (5-15 anos trabalho/milh.)
5,1 (3)
3,8 (4)
Lares com eletricidade (milhões)
27,3
39,5
Venda anual de refrigeradores (milhões)
0,4
3,3
Venda anual de televisores (milhões)
2,3
5,2
Usuários ligados à Internet (milhões)
0,2 (5)
12,0 (6)
Títulos de livros editados/reeditados *
22,5
45,1
Número livros editados/reeditados (milh.) *
239
330
Coeficiente de Gini
0.62
0.61
Notas: (1) 1992; (2) 2001; (3) 1995; (4) 1999; (5) 1996; (6) 2002
Fontes: IBGE; * Câmara Brasileira do Livro, Abigraf


Alguns outros dados são de difícil inclusão, pois eles teriam de dispor de bases uniformes de comparação, o que nem sempre é o caso, como por exemplo o número de telefones por habitante, em vista da enormidade das mudanças estruturais ocorridas (e ainda por ocorrer) no setor, o de certa forma se aplica igualmente ao número de computadores (e a ligação à servidor vinculado à Internet) e à venda de livros e jornais por habitantes. Outros dados aparentemente objetivos, como o valor da cesta básica e sua relação com salário mínimo, poderiam servir como indicador indireto de bem estar das populações mais carentes, mas aqui também problemas metodológicos indicam que se deveria trabalhar com o máximo de cuidado nesse terreno, para não efetuar comparações desfavoráveis para nenhum dos lados, em vista de diferenças na composição das cestas e da evolução dos hábitos de consumo pessoal e o peso de cada elemento na despesa familiar (em função, aliás, da própria evolução de políticas setoriais e da oferta agregada em determinados ramos econômicos). O coeficiente de Gini (medida de concentração da renda), por sua vez, não se presta para comparações diretas, ano a ano, razão pela qual ele deve ser manipulado com os mesmos cuidados metodológicos das pesquisas envolvendo cestas básicas e outros índices elaborados por amostragem.
Voilà: fixados os critérios de uma comparação honesta e objetiva, basta dar rendez-vous daqui a um ano neste mesmo espaço para conferir os resultados parciais. Uma comparação mais abrangente e cobrindo sistematicamente um conjunto mais amplo de fatores que sofreriam numa perspectiva conjuntural muito estreita (inflação ou câmbio, por exemplo) deveria ficar para 2004 ou diretamente para 2006, ao término de um período governativo completo. Nesse caso, pode-se comparar o ritmo de crescimento anual observado no período 1995-2002, com aquele que emergirá no período 2002-2006. Atenção maior deve ser dada ao capítulo social, que se apresenta manifestamente como o leit-motiv da nova maioria. Em qualquer hipótese: boa sorte à nova equipe dirigente!

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 988: 8.12.02; rev.: 28.12.02