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sábado, 30 de abril de 2011

Brancos e pretos no Brasil, estes em aumento: detesto hipocrisias

Vou falar muito claramente, depois que vocês lerem a matéria que está em todos os jornais, que reproduzo aqui em versão reduzida:

Brancos são menos da metade da população pela primeira vez no Brasil
Thiago Varella
UOL Notícias, 29/04/2011

No total, 91.051.646 habitantes se declararam brancos no Censo, enquanto outros 99.697.545 disseram ser pretos, pardos, amarelos ou indígenas.

Os brancos ainda são a maioria (47,33%) da população, mas a quantidade de pessoas que se declaram assim caiu em relação ao Censo 2000, quando foi de 53,74%. Em números absolutos, foi também a única raça que diminuiu de tamanho. No Censo 2000, 91.298.042 habitantes se consideravam brancos.

O número de pessoas que se declaram pretas, pardas, amarelas ou indígenas superou o de brancos no Brasil, de acordo com os resultados preliminares do Censo 2010, divulgados nesta sexta-feira (29), pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). É a primeira vez que isso acontece desde que o Censo passou a ser organizado pelo IBGE, em 1940.

O BRASIL EM NÚMEROS
Brasileiro ficou mais velho e menos branco; população teve menor crescimento da série histórica
População brasileira cresce 21 milhões em uma década com menor ritmo da história

Por outro lado, em dez anos, a porcentagem de habitantes que se classificam como pardos cresceu de 38,45% (65,3 milhões) para 43,13% (82,2 milhões). Já os pretos subiram de 6,21 % (10,5 milhões) para 7,61% (14,5 milhões) da população brasileira.

O Brasil também tem mais moradores que se consideram amarelos (1,09% ou 2,1 milhões). No Censo 2000, apenas 0,45% (761,5 mil) se classificavam assim. Em dez anos, o número de amarelos superou o de indígenas, que subiu de 734,1 mil para 817,9 mil.

A região Norte é a que tem, proporcionalmente, o maior número de pardos no país, com 66,88% de habitantes que se consideram assim. Nas regiões Nordeste e Centro- Oeste o número de pardos supera o de brancos.

Já a região Sul é a com a maior porcentagem de brancos do Brasil, com 78,47% que se classificam como sendo desta raça. No Sudeste, o número de brancos também supera o de pardos.

A Bahia é o Estado que tem a maior população que se declara como preta no Brasil, com 3,11 milhões de pessoas. Já o Amazonas tem o maior número de habitantes que se classificam como indígena (168,6 mil). Proporcionalmente, Roraima tem a maior população indígena do Brasil (11%).

São Paulo, que tem a maior população do Brasil, tem o maior número de brancos (26,3 milhões) e de pardos (12 milhões). No entanto, proporcionalmente Santa Catarina (83,97% da população) tem mais brancos e o Pará (69,51%) tem mais pardos dos que os outros Estados do país.

No Censo 2000, 1,2 milhão de pessoas não declararam raça. Já no Censo do ano passado, o número foi de 315,1 mil. Pela primeira vez, perguntas sobre cor e raça fizeram parte do questionário básico, respondido por todos os habitantes do país.

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Comento (PRA):

Alguém, em sã consciência, acredita mesmo que o Brasil mudou com a mudança dos números?
Não, absolutamente nada. As pessoas continuam a ser o que sempre foram: algumas mais, outras menos tolerantes em matéria de preconceitos raciais. Ele está diminuindo, provavelmente, mas mais pelo efeito da ascensão social de pretos e pardos, no conjunto da população, do que por efeito de qualquer grande mudança "mental" dos brasileiros.
E como se explica, então, que os brancos atualmente sejam minoria, quando seus números tendiam a crescer no passado, com a concomitante redução da população totalmente "preta" e uma evolução errática no número de pardos, mestiços, mulatos, seja lá como vocês queiram chamar aqueles que são provenientes da mistura de raças (que é um fato biológico, cultural e social no Brasil).

Por que agora os "pretos", ou os "pardos" são a maioria da população?
Eu diria, sem qualquer concessão à hipocrisia, que é porque todos esses assim classificados esperam um dia poder se beneficiar de algum política de favor que o Estado faça por elas: como são afrodescendentes, pretos pobres ou seja lá o que for, nós, brasileiros em seu conjunto (todos, aqui incluídos pretos, pardos, brancos, amarelos, etc.), teríamos uma dívida moral a reparar, por causa do tráfico, da escravidão, dos séculos de opressão, das décadas de indiferença educacional e de todas as mazelas que provocamos ou toleramos contra esses brasileiros mais pobres.
Então resulta que precisamos de cotas, de reservas, de apoios e auxílios, que serão RACIALMENTE determinados. Apenas os pretos, pardos e assemelhados, ou seja, os afrodescendentes, irão se beneficiar das políticas de favor.
Se isso não é hipocrisia, eu não sei o que é.
Apenas isso explica o crescimento dos não brancos neste país.

Acho que estamos a caminho da decadência ética, moral, intelectual.
Esse é o estado a que chegamos...
Paulo Roberto de Almeida

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Afro-euro-descendentes? Acho que nao vai "colar"...

Segundo esse estudo genético, ou seja, dotado de todas as garantias que a ciência pode fornecer atualmente, os supostos (como diriam os jornalistas) afrodescendentes brasileiros têm tanta herança genética europeia quanto africana. Ou seja, somos mais iguais do que parece.
Isso destrói, quase completamente, uma das bases legitimadoras da campanha viciosa e viciada de militantes da causa racialista (e racista) negra em favor de políticas de ação afirmativa com base unicamente num corte "racial", ou fenotípico, em favor da comunidade em causa.
Acho que não vai detê-los, pois vão continuar argumentando sobre a dívida histórica, a injustiça da discriminação social, etc.
Mas pelo menos acaba com essa coisa de afrodescendente...
Paulo Roberto de Almeida

DNA de negros e pardos do Brasil é muito europeu
Reinaldo José Lopes
Folha de S.Paulo, 18/02/2011

No Brasil, faz cada vez menos sentido considerar que brancos têm origem europeia e negros são “africanos”. Segundo um novo estudo, mesmo quem se diz “preto” ou “pardo” nos censos nacionais traz forte contribuição da Europa em seu DNA. O trabalho, coordenado por Sérgio Danilo Pena, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), indica ainda que, apesar das diferenças regionais, a ancestralidade dos brasileiros acaba sendo relativamente uniforme. “A grande mensagem do trabalho é que [geneticamente] o Brasil é bem mais homogêneo do que se esperava”, disse Pena à Folha.

De Belém (PA) a Porto Alegre, a ascendência europeia nunca é inferior, em média, a 60%, nem ultrapassa os 80%. Há doses mais ou menos generosas de sangue africano, enquanto a menor contribuição é a indígena, só ultrapassando os 10% na região Norte do Brasil.

QUASE MIL
Além de moradores das capitais paraense e gaúcha, foram estudadas também populações de Ilhéus (BA) e Fortaleza (compondo a amostra nordestina), Rio de Janeiro (correspondendo ao Sudeste) e Joinville (segunda amostra da região Sul). Ao todo, foram 934 pessoas. A comparação completa entre brancos, pardos e pretos (categorias de autoidentificação consagradas nos censos do IBGE) só não foi possível no Ceará, onde não havia pretos na amostra, e em Santa Catarina, onde só havia pretos, frequentadores de um centro comunitário ligado ao movimento negro.

Para analisar o genoma, os geneticistas se valeram de um conjunto de 40 variantes de DNA, os chamados indels (sigla de “inserção e deleção”). São exatamente o que o nome sugere: pequenos trechos de “letras” químicas do genoma que às vezes sobram ou faltam no DNA. Cada região do planeta tem seu próprio conjunto de indels na população -alguns são típicos da África, outros da Europa. Dependendo da combinação deles no genoma de um indivíduo, é possível estimar a proporção de seus ancestrais que vieram de cada continente.

domingo, 23 de janeiro de 2011

A ideologia do afrobrasileirismo: o debate continua...

Fui distinguido por uma chamada deste meu post:

A ideologia do afrobrasileirismo - um artigo PRA de 2004

no blog de meu colega de combates acadêmicos e debates intelectuais Orlando Tambosi, neste link: http://otambosi.blogspot.com/2011/01/afro-brasileirismo-apenas-uma-ideologia.html

E também por um extenso comentário do leitor sempre atento Paulo Araujo, que me permito transcrever aqui, in totum, para que não se perca como simples nota de rodapé.
Permito-me também esclarecer-lhe que conheço, desde longa data, o diário de Hipólito da Costa, de sua viagem aos Estados Unidos em 1798-1799, "Diário de Minha Viagem à Filadélfia", tendo escrito diversos trabalhos a respeito desse livro, cujas referências vou buscar para fazer um post especial, pois ele merece, nosso patrono do jornalismo independente, futuro editor do Correio Braziliense (editado em Londres, de 1808 a 1823).

Segue o comentário:

paulo araújo disse...

Caro Paulo

É o retorno ao idealismo chulé anti-iluminista pomposamente denominado pós-modernismo. Vivemos neste começo de século sob o império de uma metafísica cada vez mais influente: o relativismo. Tudo é discurso. E nesse plano discursivo, no qual o que é efetivo (histórico) é denunciado como “um texto a mais entre outros”, o que de fato existe é o trabalho incessante da construção e da desconstrução de narrativas. Assim, e todos estariam livres para, no plano narrativo, reeditar a realidade (o efetivo) do modo que bem entenderem. Assim, ganha quem grita mais alto.

O afrobrasileirismo, vertente ideológica “africana” do multiculturalismo, seria, então, mais uma trincheira na luta contra o imperialismo cultural, finalmente desvelado na pós-modernidade em sua forma de uma pretensa “racionalidade mais elevada”, mas que apenas legitima, no passado e no presente, a destruição de outras culturas.

Observo que em um outro pólo dessa discursividade descontrutivista é cada vez mais generalizada a denúncia de um outro engodo: “os americanos”. Os discursos pseudo-científicos do meio intelectual penetram o meio jornalístico e este, por sua vez, executa a sua função de caixa de ressonância do neologismo “os estadunidenses”.

Hipólito José da Costa partiu de Lisboa em 10 de outubro 1798 para os EUA, a serviço do governo português e a mando de D. Rodrigo de Souza Coutinho (futuro conde de Linhares). Partiu a bordo da corveta americana William e no mesmo dia iniciou um diário pessoal, que manteve atualizado até 27 de dezembro de 1799.

Em 1955 a ABL, na Coleção Afrânio Peixoto, publicou o diário sob o título DIÁRIO DA MINHA VIAGEM PARA FILADÉLFIA (1798-1799). Recomendo vivamente. Comprei o meu exemplar bem baratinho em sebo de SP. Acho que foram só R$ 12,00.

Tudo isso para lhe dizer que o neologismo "estadunidense" seria impossível na época de Hipólito. O tempo todo Hipólito registra que está na América, e quando se refere aos cidadãos da primeira república do mundo moderno ele os designa sempre por "os americanos". Por que? Simples. Era inconcebível para um europeu, mesmo que natural da Colônia do Sacramento, afirmar uma identidade (ou uma alteridade) americana ou mesmo brasileira. Ressalvo que dizer-se brasileiro na época de Hipólito, e até mesmo durante quase toda metade do século XIX no Brasil, era algo bem mais ligado à naturalidade, semelhante ao que hoje são os naturais de SP, MG, RJ, RS etc. Mesmo exilado em Londres, Hipólito pensava-se e agia como um integrante do império português e súdito de SAR. E também era assim com os espanhóis naturais das colônias hispânicas.

No entanto, os relativismos e seus ideólogos, que hoje nos aborrecem e nos insultam (vide a defesa dos direitos ao apedrejamento de mulheres no Irã e ao infanticídio entre populações indígenas no Brasil ) com o discurso multiculturalista politicamente correto, ignoram a história e, paradoxalmente, negam o direito dos cidadãos dos EUA a sua autodenominação original, nascida com a Revolução Americana: americanos. Ou seja, a cidadania e a conseqüente identidade americana forjaram-se sobretudo na guerra de libertação contra o opressivo e absolutista colonialismo inglês: americanos contra ingleses. Ao contrario do que propaga a ideologia antiamericana, essa identidade não foi roubada dos americanos nascidos no Continente (e afinal, essa identidade nem sequer existia), mas foi historicamente constituída como fato histórico absolutamente novo no Continente pelos cidadãos fundadores dos Estados Unidos da América. Já os britânicos do Canadá permaneceram, nessa ocasião, súditos fieis de Sua Alteza Real George III.

Sábado, Janeiro 22, 2011 11:09:00 PM

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A ideologia do afrobrasileirismo - um artigo PRA de 2004

Para complementar a informação iniciada em dois posts abaixo, em que registro a reação irada de um militante da causa negra no Brasil -- não exatamente um afrobrasileiro, no máximo um afrodescendente -- a meu artigo sobre essa ideologia nefasta, importada, racista e divisiva, transcrevo abaixo o artigo em questão, não sem antes lançar um desafio a meu irado leitor:

Desafio esse militante a provar, de fato (ou seja, com base em evidências explícitas e não apenas baseadas em autodeclaração), que ele é um afro-brasileiro, ou seja, um brasileiro que conserva traços culturais, linguísticos, gastronômicos, ideológicos, ou quaisquer outros que sejam especificamente africanos e exclusivamente africanos, e não apenas brasileiros, ou seja, integrando elementos culturais de diversas culturas que foram incorporadas ao mainstream do Brasil, nesse imenso cadinho que constitui a sociedade nacional.
Provando, merece ganhar um ou dois livros, a sua escolha.
Paulo Roberto de Almeida

Rumo a um novo apartheid?: Sobre a ideologia afro-brasileira
Paulo Roberto de Almeida, Sociólogo (ítalo e luso-descendente).
revista Espaço Acadêmico (Ano IV, nº 40, setembro 2004)
link: http://www.espacoacademico.com.br/040/40pra.htm

Faço questão de me comprometer, igualmente, com o combate às discriminações. Adotaremos políticas afirmativas para garantir direitos iguais a todos, sem distinção de gênero, etnia, raça, condição física, crença religiosa ou opção sexual. Queremos eliminar as desigualdades, valorizando as diferenças.
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003)

1. Colocando a questão
Um espectro parece rondar, atualmente, a sociedade brasileira: o do apartheid. Refiro-me à possibilidade de surgimento, disseminação e consolidação de uma nova forma, não menos insidiosa do que a tradicional (já suficientemente conhecida e combatida), de apartheid. Trata-se de um apartheid social – não necessariamente racial –, baseado numa nova separação cultural e ideológica, e portanto mental, dos brasileiros. Eles passariam a ser divididos em duas categorias fundamentais: a dos afrodescendentes, de um lado, a de todos os demais brasileiros, de outro.

Antes que alguém me acuse de “inimigo dos afrodescendentes” quero deixar bem claro que reconheço, sim, a existência de uma enorme defasagem social, educacional, cultural e profissional atuando em desfavor dos chamados “afro-brasileiros”, que é o resultado histórico das condições sociais de pobreza e desigualdade que sempre atingiram com maior acuidade a população de origem negra. Também sou, sim, explicitamente, a favor de políticas de ação afirmativa e de favorecimento educacional para os brasileiros pobres em geral e, em especial, no que for possível, com ênfase acrescida na situação da população negra. Mas quero deixar manifesto, desde já, que não acredito que qualquer tipo de “reserva de mercado” nos exames vestibulares de ingresso no terceiro ciclo represente uma mudança dramática da situação dos mais desfavorecidos, brasileiros pobres em geral e populações negras em particular.

A questão das cotas no vestibular é um aspecto menor, não o mais importante, de um problema maior, que é a desigualdade de chances que vitima os negros e mulatos brasileiros nas várias vertentes de uma inserção social que teima em ser persistentemente lenta, na educação, no emprego, nas possibilidades de ascensão social, enfim. Tenho dúvidas, porém, de que políticas de promoção desse tipo devam ser conduzidas como resultado de algum tipo de consciência (ou “remorso”) quanto à necessidade de reparação histórica à comunidade negra pelos males sofridos desde o tráfico e a escravidão (e nas fases seguintes de discriminação de fato ou de indiferença “ativa”). Também rejeito as alegações dos que são contrários às cotas universitárias pela suposta necessidade de preservar ensino de qualidade e sistema de mérito nas universidades públicas (elas já estão, de fato, trabalhando em uma situação “sub-ótima” no que respeita seus presumidos “padrões de qualidade” ou de “excelência”, em razão das muitas disfunções acumuladas ao longo de anos e anos de democratismo populista, de irresponsabilidade no controle do desempenho de seus professores, de corporativismo exacerbado e outros males).

O que pretendo tratar neste ensaio é uma outra questão: a da emergência e atual afirmação, ainda que incipiente, de uma ideologia do “afrobrasileirismo” (à falta de uma melhor definição).

2. Um problema não apenas conceitual
Em primeiro lugar, recuso a qualificação de “afro-brasileiros”, ainda que aceite a realidade de que temos, obviamente, “afrodescendentes”. Mas os nossos brasileiros “afrodescendentes” são tão africanos, hoje, quanto eu sou português ou italiano pela minha ascendência, ou seja, hoje em dia quase nada, ou de fato absolutamente nada. Somos todos brasileiros, e apenas brasileiros, ponto.

Isso se deu ao cabo de um imenso e bem sucedido experimento de miscigenação étnica e cultural, um processo único no mundo, já suficientemente explorado por autores vários – entre eles Gilberto Freyre – para ser novamente explorado aqui. Somos o verdadeiro melting-pot do mundo, muito mais do nos Estados Unidos, que conservaram vários traços de apartheid racial ou étnico. Não existem afro-brasileiros no Brasil, assim como não existem AfroAmericans nos EUA: existem negros americanos ou brasileiros negros, mulatos e das mais variadas colorações, que foram trazidos ao Brasil – ou aos EUA – como escravos e que se converteram em brasileiros – ou americanos – como quaisquer outros, independentemente de serem, e permanecerem, desfavorecidos nos planos social, profissional e até do reconhecimento cultural. Nos EUA, a condição estritamente material é até mais favorável aos negros, bem mais do que no Brasil, diga-se de passagem, mas o isolamento cultural – e racial – é bem maior, em virtude da segregação legal que acabou criando duas culturas e até mesmo dois “universos mentais”, totalmente distintos e em grande medida opostos. Todo e qualquer processo de miscigenação racial – ou étnica, para evitar uma terminologia indevida – é único e original, e o nosso foi verdadeiramente de miscigenação, à diferença dos EUA, onde jamais ocorreu (salvo de maneira extremamente marginal) qualquer “osmose” racial entre negros e as demais comunidades formadoras da população americana.

Quando digo que recuso o “afrobrasileirismo” é porque acredito que esse conceito não é o resultado de uma condição étnica, cultural ou mesmo histórica, mas sim uma ideologia, politicamente importada e artificialmente explorada, que pode contribuir, também no Brasil, para a criação do mesmo sistema de aparteísmo racial ou cultural que se constata existir nos Estados Unidos. Não creio que seja bom para o Brasil, aliás para os próprios “afrodescendentes” – quer reconheço existir, como disse –, aderirmos a uma ideologia que vai contra todos os princípios do nosso bem sucedido melting-pot, introduzindo em seu lugar a divisão, a diferenciação e o apartheid. A promoção dos valores “negros” não deveria em princípio ser feita em detrimento de valores universais e igualitários que estão na base de nosso sistema constitucional e cultural.

Muito bem, diriam os “afrodescendentes”, como resolver o problema da desigualdade de fato que impede, basicamente, a maior parte dos “negros” e assemelhados de entrarem na universidade e de galgarem postos profissionais mais condizentes com o perfil de ascensão social que se deseja para todos, inclusive os milhões de brasileiros pobres, brancos ou mestiços de outras etnias, que também sofrem os mesmos problemas? Como reconheço que a “solução universal” da melhoria da qualidade das escolas públicas pode ser uma quimera irrealizável no curto prazo, sou absolutamente a favor de bolsas de estudo (e outras formas de ajuda) generosamente distribuídas a “afrodescendentes” candidatos a ingressar em nossas escolas, de maneira a habilitá-los a prestar um vestibular nas mesmas condições (ou quase) que os demais.

Ainda que esta medida possa ser injusta do ponto de vista do branco pobre, igualmente morador de favelas ou zonas rurais periféricas, creio que ela pode e deve representar um começo de ação afirmativa no sentido de resgatar todo o sofrimento imposto pela sociedade nacional – majoritariamente branca, pelos seus estratos dirigentes e pelas suas decisões políticas, reconheça-se – à sua comunidade negra brasileira e outros estratos desfavorecidos. Aliás, acho que as universidades públicas poderiam e deveriam começar a oferecer cursinhos pré-vestibulares nos quais elas passariam a admitir, de modo maciço, todos os brasileiros pobres, em especial os negros e mulatos. Os estados deveriam desenvolver programas extensivos de bolsas de estudos (gratuitas, isto é, sem reembolso) dirigidas prioritariamente aos estratos de baixa renda, em especial os negros.

Trata-se de um sistema de “cotas”, sem qualquer “reserva de mercado” e baseado inteiramente no princípio da meritocracia, que permanece um sistema válido de seleção de candidatos a quaisquer cargos ou escolas públicas. Os negros – e outros pobres – do Brasil precisam de programas intensos de formação educacional e de preparação profissional: bolsas e cursos de preparação podem fazer a diferença positiva, sem introduzir a “diferença negativa” do regime de cotas baseadas em critérios raciais ou demográficos de escassa legitimidade democrática.

3. Agora ao coração do problema: a ideologia do “afrobrasileirismo”
Acredito que o “afro-brasileirismo” é um conceito em busca de definição, até mesmo entre seus promotores mais ativos. Não sou um conhecedor extenso da literatura a esse respeito, mas não me lembro de ter lido uma definição que fosse sociologicamente sustentável sobre essa “condição”. Por isso pretendo abordar o problema de um ponto de vista histórico, antropológico e, em seguida, político-ideológico.

As definições raciais brasileiras são tão diversificadas quanto a plasticidade da língua nacional, ou como a própria realidade étnica subjacente às populações que aqui se misturaram ao longo dos séculos. Sobretudo a partir da “importação” de negros africanos, entre os séculos 16 e 19, mas também com base nos elementos autóctones e nas muitas etnias imigradas desde a independência, constituiu-se um povo legitimamente brasileiro, dotado de características singulares no conjunto dos “povos novos” — a definição é devida ao antropólogo Darcy Ribeiro — e que é certamente original do ponto de vista das relações interétnicas e culturais que essas comunidades mantêm entre si. Pode-se indicar a preservação de certos traços “culturais”, gastronômicos ou religiosos no interior desses diversos elementos constitutivos do povo brasileiro, mas dificilmente se poderá apontar, entre eles, diferenças significativas ou considerar que seus modernos representantes possam reivindicar um “pertencimento” geográfico outro que não ao próprio Brasil.

Entretanto, a partir da importação acrítica de um conceito estranho à cultura e às tradições sociais brasileiras, a questão da “alteridade” étnico-geográfica começa agora a ser colocada em questão no caso dos negros e mulatos brasileiros. Com efeito, a partir de uma matriz importada dos Estados Unidos está sendo introduzida no Brasil a concepção segundo a qual, dentre os diversos segmentos da população brasileira, se encontrariam, não mais negros, pardos e mulatos (e suas infinitas variações subjetivas), mas um grupo novo na paisagem social do país: os afro-brasileiros. Tal como apresentada por seus proponentes, tratar-se-ia não apenas de uma nova categoria (ou classificação) étnico-cultural, mas de todo um programa político de promoção social e da identidade cultural desse segmento talvez majoritário no País.

Em que medida essa proposta é demograficamente pertinente, sociologicamente consistente, historicamente sustentável, etnicamente adequada e “politicamente correta”? Desde já esclareço minha posição por um ceticismo de princípio em relação a esse tipo de conceito e à “realidade” que o sustenta. Não creio que a noção de “afro-brasileiro” seja positiva do ponto de vista da integração social das diversas vertentes do povo brasileiro, podendo mesmo ser negativo para o programa que supostamente deveria ser o de todos os cidadãos nacionais: superar a velha segregação racial que ainda persiste apesar dos avanços logrados, em lugar de construir um novo apartheid racial.

Este é exatamente o ponto que constitui o objeto destas minhas reflexões pouco sistemáticas: em última instância, a proposta dos afro-brasileiros, se implementada como programa político, redundaria na substituição da velha discriminação racial contra negros e mulatos, combatida por gerações inteiras da causa negra brasileira, por um novo tipo de apartheid, a exemplo daquele que se constituiu nos Estados Unidos depois da abolição da escravidão. Ele significa, sinteticamente falando, a separação e a promoção de atitudes, comportamentos e práticas sociais exclusivamente reservados às populações de origem negra, com todas as suas implicações negativas para a integração ampliada das diversas componentes do povo brasileiro.

Antes, contudo, que se queira ver nos propósitos do autor algum elemento de racismo antinegro ou de descaracterização da luta antidiscriminação conduzida por muitos movimentos militantes da causa negra, gostaria de deixar bem claro minha posição de partida. Creio, como muitos outros sociólogos ou simples cidadãos, que o mito da “democracia racial” brasileira é exatamente isso, um mito, mascarando as muitas práticas não institucionais de discriminação de fato que, ainda hoje, dificultam a afirmação econômica, a ascensão social e a auto-estima psicológica dos negros e mestiços do Brasil. São bastante conhecidos os problemas que afetam negros e mulatos no Brasil: menor escolarização, renda inferior e chances reduzidas de mobilidade ascensional, seja no emprego, seja em outros canais de inclusividade social. A pobreza que atinge os negros e outras camadas mestiças não é simplesmente pobreza, mas vem acoplada a outros problemas que alguns sociólogos chamam de “ciclo cumulativo de desvantagens”.

Feito o diagnóstico sumário e bem estabelecida a justificativa para uma política (ou políticas setoriais) de promoção ativa desses segmentos — às quais sou amplamente favorável, geralmente num sentido não diretamente discriminatório, mas incidindo de forma preferencial, e concentrada, nas populações pobres — a questão que pretendo colocar neste pequeno ensaio é esta aqui: em que a ideologia afro-brasileira pode contribuir para a superação dessas desvantagens cumulativas que penalizam obviamente com maior acuidade aqueles que são objeto de sua atenção?

4. As conseqüências ideológicas do “afro-brasileirismo”: o novo apartheid
Quando utilizo o conceito de ideologia para referir-me ao programa político “afro-brasileiro” pretendo denotar exatamente essa característica básica do termo: trata-se de uma importação acrítica, mais ou menos clandestina — pois que não reconhecida de forma cabal, e sem o pagamento do devido copyright —, de um conceito racial-geográfico pronto e acabado e que se refere a uma experiência histórica e social alheia às realidades brasileiras, qual seja a dos Estados Unidos. Como pretendo discutir, subsistem problemas enormes, e não apenas de ordem epistemológica, à incorporação ingênua desse conceito ao universo racial, social e político brasileiro.

O que seria um afro-brasileiro? Trata-se tão simplesmente de um brasileiro dotado de ascendência africana? Certamente, mas em que sentido esse brasileiro negro, da era contemporânea, continua sendo africano? Provavelmente tanto quanto eu, neto de imigrantes portugueses e italianos, continuo sendo europeu, ou seja: nada, ou quase nada. Sou tão “europeu” quanto meu concidadão negro é “africano”, ou seja muito pouco, apenas por vagas identidades ancestrais que nos definem muito pouco em nossa atual identidade. Quero crer que somos ambos apenas e tão somente brasileiros.

Em outros termos, não apenas é difícil, mas afigura-se impossível definir grupos humanos mediante uma origem indistintamente “continental”, uma vez que pessoas e núcleos familiares se afiliam a determinados grupos humanos com identidades mais restritas do que o âmbito geográfico continental. Mormente no caso dos atuais brasileiros negros, trazidos ao Brasil como escravos em lotes individuais (em alguns casos do mesmo grupo de origem), suas tribos e etnias de origem perderam-se irremediavelmente, logo em seguida, na terrível mistura humana realizada pelos escravagistas e depois pela sociedade de “acolhimento”. Assim como parece difícil, no Brasil contemporâneo, falar de “eurobrasileiros” ou “ásiobrasileiros”, seria virtualmente impossível, nas condições ainda mais desestruturadoras da “imigração” africana, justificar a existência dessa categoria recriada de “afro-brasileiros”.

A rigor, pretendendo atribuir uma origem geográfica a todos os outros imigrantes voluntários, poderíamos falar de “ítalo-brasileiros”, ou “nipo-brasileiros”, por exemplo, pois eles possuem características sociais e culturais similares, identificando-se pela língua ou pelos costumes comuns, inclusive religiosos e alimentares. Ora, tal não ocorre com os supostos “afro-brasileiros” — ou ocorreria em escala muito menor, apenas no caso de certos grupos lingüísticos e religiosos concentrados na Bahia, identificados com a religião islâmica —, uma vez que eles são o resultado da mais trágica e desumana “emigração” conhecida em toda a história da humanidade, processo ocorrido ao longo de séculos e séculos de transferência forçada de lotes inteiros de indivíduos, arrancados de grupos de origem que poderiam ser bantos, ovambos, ibos, haussas ou quaisquer outros capturados pelos mercadores. Contrariamente aos imigrantes voluntários, eles não tiveram condições de preservar — salvo casos extremamente restritos — línguas ou costumes de origem, que de resto se espalhavam por várias regiões africanas. Um história sem dúvida alguma trágica, mas esta é a herança de vários séculos de escravismo e de colonização do Novo Mundo.

Não se trata, assim, de uma realidade brasileira, pois esta é uma história universal. Ou seja, não existem afro-brasileiros, assim como não existem afroamericanos ou afroqualquer outra nacionalidade que se queira. Existem negros, ou mestiços, americanos, brasileiros, colombianos, venezuelanos, cubanos, e vários outros mais, em resumo, cidadãos negros ou mulatos que se tornaram cidadãos de seus atuais estados nacionais. Se isto é um fato, como se justifica o aparecimento e consolidação dessa ideologia racialista?

Segundo minha interpretação, essa construção ideológica apenas surge como resultado da situação peculiar dos negros americanos, submetidos durante décadas e décadas a uma situação de apartheid de fato e de direito que os converteu em cidadãos de uma categoria à parte nos Estados Unidos. Eles já não eram africanos, a qualquer título — tanto porque o tráfico foi precocemente substituído pela “criação” de escravos —, mas não possuíam os direitos e franquias dos demais americanos, de origem branca e européia. A situação se agravou, paradoxalmente, depois da guerra civil, uma vez que a segregação foi sendo lentamente construída ao longo do último terço do século 19 e início do século 20 (aqui com o consentimento e o estímulo do governo federal e da Suprema Corte). A evolução terminológica acompanhou a tomada de consciência do problema negro nos Estados Unidos: eles primeiro foram “negros”, no sentido mais pejorativo do termo, isto é niggers, depois se converteram, numa conotação menos agressiva, em colored ou black people, para serem finalmente enquadrados, até com o seu consentimento, nessa categoria aparentemente inocente de African Americans.

Este o termo oficial — falso, hipócrita, de fato irreal e historicamente não fundamentado — sob o qual são atualmente identificados os negros americanos, aliás bem mais negros do que no Brasil, pois que não dispondo do mesmo “estoque” (inicial ou produzido) de mestiços e mulatos e dos “fluxos e refluxos” de outras categorias intermediárias. Compreende-se sua utilização, nos Estados Unidos, num sentido parcialmente ideológico, pois que servindo para fundamentar uma luta pela afirmação de direitos civis e, concomitantemente, pela promoção da igualdade de chances nos mercados laboral e educacional, luta sustentada tradicionalmente pela Associação Nacional para o Avanço do Povo de Cor (NAACP). Menos compreensível parece ser a introdução no Brasil, de forma consciente, de um conceito de separação, não de inclusão, que seria supostamente o objetivo maior de todos as categorias de brasileiros.

Aparentemente, porém, os negros brasileiros não desejam ser simplesmente brasileiros, mas sim esta outra condição, irreal e construída, de “afro-brasileiros”. Que tipo de conseqüência poderia ter esta atitude para a (des)construção da nação brasileira?

5. A revolução cultural em marcha: a valorização das diferenças
Transcrevo novamente, para comentar, a frase destacada em epígrafe, retirada de um dos discursos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, certamente preparada por um militante da chamada “causa negra” para apoiar as políticas de promoção de direitos das minorias e de grupos sociais desfavorecidos, adotadas conscientemente pelo governo: “Faço questão de me comprometer, igualmente, com o combate às discriminações. Adotaremos políticas afirmativas para garantir direitos iguais a todos, sem distinção de gênero, etnia, raça, condição física, crença religiosa ou opção sexual. Queremos eliminar as desigualdades, valorizando as diferenças.”

Minha opinião é a de que “garantia de direitos iguais” deve existir, em princípio, via criação de condições ou oportunidades iguais para todos, o que se dá geralmente por meio da educação (essencialmente nos dois primeiros ciclos de ensino e na vertente técnico-profissional). Políticas afirmativas são, por definição, discriminatórias em sua essência e intenção, o que acarreta o risco de criar novas formas de apartheid social ou racial, num país que deveria eliminar as desigualdades eliminando também as diferenças, por meio da miscigenação ativa, não via exaltação de valores étnicos ou raciais exclusivos (e portanto excludentes).

Antevejo um sério problema “político” em relação ao que acabo de expor, isto é, a promoção de uma política de “miscigenação ativa”, que entendo ser a única solução efetiva para os males – não só no Brasil, mas em todo mundo – da discriminação e do racismo: os militantes da “causa negra” me acusarão de tentativa de “branqueamento”, quando não do “crime de etnocídio”, ao pretender eliminar o problema via mistura racial. Eu responderia de imediato que é isso mesmo, pretendo não apenas “acabar” com a “raça negra” – mesmo não concordando com tal caracterização – mas também com a “raça branca” (e a “asiática”, e a “médio-oriental”) e outras tantas mais que podem existir neste país tão variado, e instintivamente tão integrado, como é o Brasil. A eliminação das diferenças de “raça” – essa palavra tão enganosa e deformadora, mas ainda assim tão útil do ponto de vista daqueles que se colocam do ponto de vista das diferenças, que não é o meu – é a única forma efetiva de se cortar pela raiz qualquer sentimento de rejeição em face da “alteridade”, pelo simples motivo de que não haveria mais, pelo menos idealmente, nenhum tipo de “alteridade” estritamente definida.

Creio mesmo que o Brasil encontra-se muito mais perto de realizar esse ideal da miscigenação “hegemônica” antes que qualquer outro povo do mundo. Os EUA poderão ser, talvez, e de certa forma já são, o primeiro país “multinacional” do planeta, haja vista a constante imigração e o afluxo ininterrupto dos mais diversos povos naquele país continente. Mas eles demorarão um certo tempo, se é que conseguirão de verdade chegar à condição desejável, para atingir a etapa que reputo indispensável e necessária de ser ou constituir progressivamente uma sociedade verdadeiramente “multirracial”. Acho que o Brasil encontra-se mais perto desse ideal, ainda que sua “inclusividade nacional” seja bem inferior à dos EUA. Não importa: o relevante é a atitude mental e o comportamento social subjacentes à esse ideal de miscigenação, e nisso o Brasil parece imbatível.

O único obstáculo a esse estado de “abolição de fronteiras étnicas” – uma imensa revolução no caminho de um gênero humano potencialmente “globalizado” – é representado, precisamente, pela ideologia das “diferenças”. Por que a “diferença” teria de ser um valor em si, independentemente e à parte da diversidade cultural entre povos distintos, o que é um fato da história? O perigo que vejo nesse “culto das diferenças”, em especial em se tratando de grupos étnicos, é justamente o da separação, o do apartheid.

Registre-se, aliás, que não vejo a promoção das “diferenças” como iniciativa política de qualquer outro grupo racial ou étnico no Brasil, à exceção dos próprios negros ou “afrodescendentes”. Atribuo essa especificidade “política” à história de discriminação social e mesmo de racismo aberto ou velado que reconheço ter existido e que ainda existe no Brasil. Compreendo sua existência, mas não creio, sinceramente, que ela seja boa, desejável ou até mesmo funcional do ponto de vista das políticas de promoção ativa de inclusão social, de igualdade de fato, racial e cultural, e do ponto de vista da construção de uma “nacionalidade brasileira” inclusiva e abrangente.

A ideologia afro-brasileira representa a negação de tudo o que representamos como nação e como povo. Não creio que os afrodescendentes brasileiros estarão mais bem servidos, do ponto de vista cultural, material ou mesmo espiritual, com uma ideologia grupal que exalta a diferença e promove a separação. Acredito mesmo que os militantes da causa negra não deveriam jactar-se de defender a causa de uma ideologia importada, que não tem nada a ver com a realidade brasileira e que resultaria, afinal de contas, numa construção artificial do ponto de vista da história e da psicologia social dos negros.

As discriminações devem ser efetivamente combatidas, não pela criação de novas formas de discriminação, tanto mais patéticas quanto voluntariamente adotadas, em nome de uma ideologia importada que não visa, de fato, promover a inclusão social, mas o desenvolvimento separado e combinado dos vários grupos étnicos em que se divide, até aqui, a população nacional de grandes países multi-étnicos como o Brasil e os EUA. Uma sociedade verdadeiramente integrada, como pode chegar a ser a sociedade brasileira em futuro não muito distante – se não socialmente, mas pelo menos do ponto de vista “racial” –, representa uma sociedade na qual não apenas as discriminações de fato sejam uma relíquia do passado mas também uma formação social na qual o racismo se torne uma hipótese inexistente até do ponto de vista teórico, pela impossibilidade prática de qualquer tipo de “separação racial”.

Isto é o que eu penso, de verdade. Se ouso parodiar o líder negro Martin Luther King, incansável batalhador das causas cívicas (e não da causa racial) nos EUA, eu diria, simplesmente: “eu tive um sonho…”

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