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sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Mini-reflexão sobre a condição de professor - Paulo Roberto de Almeida

 Mini-reflexão sobre a condição de professor 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

  

Venho de uma família muito pobre, tanto materialmente, quanto educacionalmente. Meus avós, imigrantes europeus mais de um século atrás, vindos ao Brasil para trabalhar nas fazendas de café, de São Paulo ou do sul de Minas, eram perfeitamente analfabetos, e assim permaneceram até o fim de suas vidas. Meus pais tiveram uma educação primária interrompida pela necessidade de trabalhar, e assim não tinham nenhum certificado de ensino, embora soubessem ler e escrever; o fato é que não havia livros em minha casa. Eu mesmo tive de começar a trabalhar muito cedo, mas muito cedo mesmo, para ajudar numa casa que se equilibrava entre a penúria e a pobreza. Enfim, as perspectivas de vida não eram muito promissoras na primeira infância, e o futuro profissional teria sido provavelmente construído a partir de um domínio vinculado a alguma atividade ou ocupação manual. 

O que fez a diferença, no caso creio que absoluta, foi a existência, no nosso modesto bairro do sul da cidade de São Paulo, antes chamado de “chácara Itaim”, depois de Itaim Bibi, caracterizado por ruas de terra e muitos terrenos baldios, de uma biblioteca pública infantil, recentemente aberta em torno de meus cinco anos, ou seja, em meados dos anos 1950. Comecei a frequentar a biblioteca Anne Frank dois anos antes de aprender a ler, o que se refletia em atividades puramente reativas, jogos, revistas infantis pelas ilustrações e, o que me dava mais prazer, os filmes que eram passados regularmente: Os Três Patetas, Gordo e Magro, Roy Rogers, Tarzan, Oscarito e Grande Otelo, Zorro, e sobretudo os desenhos animados dos anos 1950, Looney Tunes, Disney e outros. Foram momentos de felicidade na primeira infância, em meio à vida austera da pequena casa em construção numa pequena rua do final da Avenida Imperial (futura Av. Horácio Lafer), abaixo da Avenida Iguatemi (futura Av. Faria Lima).

Assim que aprendi a ler, na tardia idade de sete anos, passei a ler todos os livros, ou quase todos, que chamavam minha insaciável atenção. A enorme felicidade era constituída pelo fato de que os livros se espalhavam pelas paredes de uma enorme sala de leitura, sendo que uma outra sala adjacente, eles estavam em estantes de ferro. Eu podia então percorrer todas as estantes, e a única recomendação das bibliotecárias era que não repuséssemos os livros nas estantes, mas os deixássemos numa mesa, para serem guardados por elas. Já adulto, e contando com um daqueles primeiros computadores portáteis, percorri novamente aquelas estantes e anotei febrilmente títulos e autores que preencheram minha infância: infelizmente, essa notação se perdeu, e quando voltei à biblioteca, muitos anos depois, tudo tinha sido renovado, e “meus livros” desapareceram. Lembro-me de Monteiro Lobato, evidentemente, praticamente todos os infantis (embora eu também lançasse os olhos sobre os “de adultos”, que não chegaram a me atrair antes da adolescência), mais aqueles de coleções seriadas: Emilio Salgari, Karl May (Winnetou), contos árabes de Malba Tahan e dezenas de outros que vou rememorar no devido tempo. Alguns desses já seriam leituras de adolescentes, e foram “enfrentados” já perto dos onze ou doze anos, quando passei a ter aulas integrais, no Ginásio Vocacional Oswaldo Aranha, entre 1962 e 1965. 

Até então, ou seja, quatro anos de primário e um de “admissão”, eram em regime parcial, estudos matinais, sendo que parte da tarde era tomada por trabalho (pegador de bola de tênis em clube, ou empacotador de supermercado, por exemplo), ao lado da biblioteca e partidas de futebol ou outras brincadeiras na rua de terra. O que era excepcional na biblioteca é que quando ela fechava, em torno das 18hs, eu podia levar dois ou três livros para ler em casa, um a possibilidade a que inapelavelmente eu recorria de modo sistemático. Passava então parte da noite lendo esses livros na cama, até que a ordem materna vinha para apagar a luz, por necessidade de economia. Ao sair do ginásio e ingressar no colegial noturno, curso “clássico”, comecei a trabalhar regularmente durante o dia, como “office-boy” numa empresa estrangeira do centro de São Paulo, e aproveitava as saídas a trabalho para ingressar rapidamente nas bibliotecas disponíveis: a Municipal Mário de Andrade, a da Faculdade de Direito da USP, no Largo de S. Francisco, a da Confederação Nacional do Comércio, no Vale do Anhangabaú e a mais longínqua da USIA, junto ao Consulado americano na Avenida Paulista. Havia ainda a mal localizada da “associação cultural” Brasil-Estados Unidos, numa paralela da Av. 9 de Julho e devo estar esquecendo algumas outras. Em todas elas, eu me inscrevi para retirar livros e ler em casa, ou nas viagens de ônibus, a caminho do trabalho. 

Ao preparar-me para os vestibulares na USP – não para Direito, como desejava a família, mas para o curso de Ciências Sociais, de cujos professores eu já tinha lido os livros mais importantes –, eu comecei a dar aulas gratuitas para candidatos à universidade, sem que eu disponha agora das referências exatas dessa atividade, para especificar tempo e lugar: apenas me lembro que era em uma sala de colégio. Meu ingresso em Ciências Sociais da USP se deu naquele ambiente conturbado da “batalha da Maria Antônia”, quando, em outubro de 1968, a “extrema-direita” do Mackenzie atacou, de maneira selvagem, a “esquerda” da Fefelech, a conhecida Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP; fomos rapidamente deslocados para os “barracões” da Cidade Universitária, onde comecei os estudos no início de 1969. As boas perspectivas de estudar com os grandes professores do curso, os mestres da Escola Paulista de Sociologia – Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardos, Octavio Ianni, entre outros – foram brutalmente cortadas pouco depois, quando esses e muitos outros professores foram compulsoriamente aposentados pelo Ato-5 da ditadura militar, contra a qual eu já vinha protestando nas ruas desde os tempos do colegial. Sem pretender estender muito este relato prévio à minha carreira de professor, apenas confirmo que, a partir desse momento, decidi sair do Brasil, não apenas por qualquer desilusão com respeito à “cassação” dos meus professores, mas também em consideração a questões de minha própria segurança pessoal, uma vez que estava vinculado a grupos de resistência à ditadura militar (no espaço de pouco mais de um ano passei por três deles, em razão dos sucessivos fracionamentos desses grupos, já praticamente acuados pela repressão brutal). 

Os quase sete anos passados em autoexílio na Europa – retomada da graduação em Ciências Sociais, mestrado em Economia e início de um doutoramento, ainda em Ciências Sociais – me confirmaram num futuro profissional decididamente acadêmico, o que me decidi a iniciar ainda antes de terminar o doutoramento. A volta ao Brasil trouxe, porém, uma surpresa: imediatamente após ter iniciado minha carreira de professor, na área da Sociologia e da História Econômica, fui surpreendido pela abertura de concurso direto para a carreira diplomática, em meados de 1977, o que representou uma decisão de surpresa e não prevista. O ingresso na diplomacia for relativamente fácil, dada minha carga de leituras acumuladas, mas nunca abandonei a atividade paralela do magistério superior, o que finalmente empreendi assim que retornei de meus dois primeiros postos no exterior, com o doutorado concluído.

E assim foi feito, durante toda a duração da carreira diplomática, que agora decidi encerrar, praticamente de forma contínua, com as interrupções inevitáveis por saídas a serviço, mas com alguma atividade acadêmica nesses postos do exterior, ainda que de maneira ad hoc, ou temporária. Posso dizer que fui um professor que “esteve” diplomata durante quatro décadas, tanto é que colegas e chanceleres do Itamaraty costumavam me chamar de “professor”, não exatamente pelo cargo do momento, conselheiro ou ministro. Mesmo como embaixador (ou ministro de primeira classe), nunca objetei, até pedi, que me chamassem de professor, pois é esta minha verdadeira natureza, a primeira se ouso dizer. 

Concluo pela pergunta mais óbvia: por que, tendo uma carreira de relativo prestígio como a diplomacia, praticamente tranquila e satisfatória – inclusive no plano intelectual, pois este é o meu critério principal em qualquer atividade assumida –, decidi empreender e dar continuidade a uma segunda (talvez primeira) carreira que me impôs certo sacrifício pessoal e familiar, tendo em vista aulas noturnas, ocupação com preparação de matérias, correção de provas, orientação de alunos, participação em bancas, aceitação de convites para seminários (vários implicando viagens fora de Brasília) e diversos outros encargos decorrentes desse desafio voluntariamente assumido e perseguido por todos os anos, em paralelo à profissão principal, igualmente exigente (viagens em fins de semana, ausência em conferências e reuniões internacionais, etc.) e finalmente mais remuneradora? 

Se ouso responder pela postura mais simples, eu diria apenas que atendi a um apelo interno, aquele despertado em mim ainda quando criança ou adolescente, ao perceber que o aprendizado, o conhecimento, a capacitação pessoal era a única maneira de superar a antiga condição de pobreza e de ausência inicial de perspectivas mais promissoras de vida. Numa resposta mais elaborada, talvez autocongratulatória, seria o desejo consciente de devolver à sociedade, em geral, a brasileira em particular, tudo aquilo que recebi dessa sociedade nos primeiros ciclos de ensino e até o universitário (parcialmente pago, quando na Europa). Mas essa devolução não precisa de intermediários, de escolas ou faculdades, pois faço isso por minha própria conta, desde quando decidi iniciar o trabalho de ensino e orientação voluntária de alunos, via ferramentas sociais; as primeiras foram gratuitas, no Geocities ou algumas outras, depois paguei meu domínio para montar meu próprio site, no qual colocava à disposição de todos meus trabalhos sobre Mercosul, integração e os temas mais diversos de relações internacionais, política externa e história diplomática. 

O fato é que desde o final dos anos 1990 e criei meu próprio espaço de ensino, de comunicação, de divulgação e de interação com alunos e colegas acadêmicos, o que nunca mais cessou, apenas aumentou, desde então, por meio do site (www.pralmeida.org), de vários blogs (até afunilar no Diplomatizzando) e das outras ferramentas disponíveis. Em todos esses espaços de comunicação social, por meio da participação em inúmeros eventos em minhas áreas de especialização, tenho exercido minha primeira “profissão” – que eu diria que é apenas dedicação – de professor, ou de mestre, o que for melhor. 

Gostaria, neste momento, de agradecer a todos os meus alunos, sobretudo aqueles mais questionadores ou contestadores, pois foram eles que me obrigaram a aperfeiçoar meus argumentos, a duplicar minhas leituras, a preparar melhor as minhas aulas, textos e trabalhos diversos. Sou sinceramente agradecido, pois que são esses alunos que legitimam e testam a qualidade de minhas aulas e trabalhos, sem que eu dependa de qualquer cargo ou instituição para tal desempenho, pois que poderiam simplesmente, largar tudo isso e concentrar-me apenas na carreira diplomática, quaisquer que fossem as condições que enfrentei nesta última (supostamente a primeira), e elas foram em diversas ocasiões bastante desafiantes. Com efeito, não é segredo para os mais bem informados que, dada minha natureza contestadora, ou contrarianista – eu apenas falaria de uma postura de ceticismo sadio –, cheguei a enfrentar algumas “contrariedades” na carreira, geralmente em decorrência de publicações fora da “verdade oficial”, ou diretamente contrárias às posições do momento, o que resultou em algumas “punições” (telegramas relembrando as normas de discrição) por não respeitar os pedidos de autorização superior para publicar artigos (que nunca vinham, por sinal) e até num longo ostracismo, durante toda gestão lulopetista no Itamaraty. No horroroso governo atual fui exonerado do cargo que ocupava (para grande alívio da minha parte), e sofri retaliações financeiras, por atos que eu não hesitaria em classificar como assédio moral. 

Estou bem na carreira de professor e nela continuarei enquanto minhas forças e capacidade intelectual assim o permitirem, ou enquanto for requisitado bilateralmente por estudantes, pesquisadores ou colegas professores. Tenho tido bastante satisfação a partir dessas atividades, o que pode ser confirmado pelo volume da produção intelectual acumulada (enquanto escreve, constato que estou no trabalho n. 3.997, ao lado de mais de 1.400 já publicados, nos seus vários formatos), e pelos livros publicados, vários livremente disponíveis a partir de meu blog ou site. Meus trabalhos falam por si próprios, mas minhas aulas e o julgamento que se possa ter sobre elas dependem dos alunos que tive e que ainda terei. A palavra está com eles.

Muito obrigado a todos, o grande abraço acadêmico...

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 3997: 15 outubro 2021, 5 p.


sábado, 10 de julho de 2021

Mini-reflexão sobre o problema estrutural brasileiro - Paulo Roberto de Almeida

 Mini-reflexão sobre o problema estrutural brasileiro

Paulo Roberto de Almeida


O Brasil se encontra atualmente (mas desde vários anos) ante impasses muito graves, em todos os setores.

O governo, hoje, é exercido por uma facção de novos bárbaros com o apoio da milicada. Desculpem os orgulhosos representantes das FFAA, mas eu os considero hoje apenas isto: uma milicada!

Alguns acham que a chave do problema brasileiro estaria em rever o papel das FFAA.

Esqueçam, pois isso não vai acontecer. Melhor seria se concentrar em diminuir as enormes deformações do sistema político e fazer uma reforma tributária racional. 

Mas infelizmente nada disso vai ocorrer tampouco. É evidente! Não preciso dar exemplos: fazem mais de 20 anos que se discute reforma tributária, em reduzir o “custo Brasil” (que é, na verdade, o custo do Estado brasileiro), e nada disso se faz, pois que a sociedade, as elites governantes, dirigentes e dominantes se revelam incapazes de se entenderem entre si. Elas apenas partilham um consenso implícito, até inconsciente: vamos deixar como está, pois se mexer estraga.

Ou seja, todos os beneficiários do apodrecido sistema atual pretendem continuar a viver à larga, à custa dos empresários e trabalhadores do setor privado.

Alguma conclusão do que acabo de dizer?

Apenas uma: continuaremos afundando, mas lentamente. Apenas isto.

É disso que as nossas elites são capazes, inclusive o PT e a maior parte das esquerdas. 

Direita? Não existe: apenas reacionários, ignorantes e saudosistas do regime militar, sobretudo grande parte da milicada.

Liberais? Eles são um punhado muito confuso de pessoas que não tem o menor impacto sobre a sociedade.

Quando falo de elites, não me refiro, portanto, apenas ao Grande Capital, mas ao conjunto das forças políticas, das centrais sindicais ao mais humilde vereador do interior, passando pelas corporações de Estado e pelas forças de “segurança” (não são de defesa, pois o Brasil não tem ameaças externas, só internas).

Esta é a realidade: todos os inimigos de uma sociedade sadia estão aqui dentro, somos nós mesmos, inclusive os altos magistrados que pontificam na defesa da “democracia” e que defendem em primeiro lugar seus muitos privilégios, típicos da aristocracia de Antigo Regime (aliás, até melhores).

De uma forma geral, a hipocrisia corre solta, da extrema-direita à extrema-esquerda: todos conjugados em manter a situação atual, mesmo quando dizem que pretendem mudar, para melhorar a situação do povo humilde. Mentira!

O que pretendem é chegar ao poder!


Resumindo: nosso problema estrutural é que não chegamos ainda a um mínimo entendimento sobre um diagnóstico adequado sobre as origens de nossa condição pré-falimentar. Mas mesmo que chegássemos, não teríamos forças suficientes para alterar a situação, pois muitos interesses estão em jogo, e a força conjugada, ainda que não coordenada, dos setores conservadores impediria que as reformas se façam. 

Esse é o impasse atual da nação? Sim!

Mas não há nada de surpreendente nisso, ou de historicamente inédito: outras nações, relativamente recentes, ou mesmo antigas civilizações, já passaram por isso. Só me permito relembrar dois casos, altamente emblemáticos no itinerário dos declínios estruturais: o antigo Império do Meio e a nossa vizinha Argentina.

Agora parece que chegou a nossa vez.

Mas o país não vai acabar: apenas continuar medíocre por mais algum tempo. Quanto tempo? Difícil dizer: enquanto não tivermos consciência de nossos erros, adquirir conhecimento para transformar nossos hábitos declinistas, ou não ocorrer algum desastre maior (quando tudo se precipita, do pior e do possível).

A China mergulhou numa decadência de mais de um século e hoje renasce vigorosa, embora confirmando os seus velhos traços básicos, nunca desfeitos, de “despotismo imperial”. 

A Rússia mergulhou, em 1917, num vórtice de violência inominável ainda pior que no antigo regime dos czares, para retornar imperfeitamente para uma democracia de fachada que é apenas um neoczarismo.

A Argentina continua sequestrada e dominada por dois cadáveres insepultos.

E o Brasil? 

Um caso historicamente único que nunca eliminou na Independência o peso das deformações coloniais (sobretudo o tráfico e a não-educação), que nunca eliminou no Império (nem na Abolição ou na República) o peso da escravidão, do racismo e da discriminação, que nunca eliminou na industrialização o peso do estatismo, do protecionismo e do dirigismo, que nunca eliminou na redemocratização o autoritarismo inerente à corporação militar, e que continua a não resolver, ainda hoje, os problemas da não-educação e o das desigualdades sociais, estas derivadas daquela (em grande medida, mas não exclusivamente).

Vamos melhorar? Certamente, mas não esperem para já ou no horizonte previsível.

Tudo tem um tempo, tudo tem um preço.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 10/07/2021


domingo, 21 de fevereiro de 2021

Mini-reflexão sobre alguns dos momentos decisivos na vida da nação - Paulo Roberto de Almeida

 Mini-reflexão sobre alguns dos momentos decisivos na vida da nação 

Paulo Roberto de Almeida


A ampliação do número de armas livremente disponíveis no Brasil terá um efeito persistente no aumento dos homicídios e dos crimes violentos de maneira geral. 

O país se tornará inevitavelmente mais “mortal” no longo prazo. 

Este será o legado maldito de Bolsonaro: uma sociedade infelizmente mais violenta e muito mais conflitiva do que poderia ser, na ausência dessas medidas alucinadas e alucinantes (com a leniência das FFAA, que perdem, assim, parte de seu monopólio legítimo do uso da força).

Esta será sua “marca” histórica, tão negativa, na longa duração, quanto a preservação do tráfico na Independência, quanto a extrema relutância em abolir a escravatura, tão danosa para o conjunto da sociedade e para o destino da nação quanto a incapacidade das elites em distribuir terras na Lei Agrária de 1850, ou em criar uma educação pública de massas de qualidade quando se instalou a República. 

Já estamos na sexta República e na sétima Constituição (oitava, se contarmos com as emendas de 1969), e ainda não logramos estabilizar institucionalmente o país.


Certas “decisões”, convenientes no curto prazo para seus proponentes, atendendo a interesses geralmente mesquinhos, possuem um “lasting effect”, que se amplia desmesuradamente por gerações sucessivas, impactando a trajetória futura da nação, se outro fosse o caminho adotado numa determinada bifurcação histórica.

O Brasil foi pródigo, no passado, em ações e omissões especialmente negativas do ponto de vista da construção de uma nação próspera e dotada de instituições sólidas.

Aparentemente, ele continuará a se arrastar penosamente em direção a um futuro incerto, de desigualdades estruturais e de injustiças sociais, porque suas elites dirigentes foram incapazes de diagnosticar e de equacionar os problemas mais elementares de todas as sociedades: infelizmente não soubemos sequer resolver o básico de uma sociedade sadia e ainda estamos longe de criar um Estado de Direito e uma nação de bem-estar social.


Chegaremos aos 200 anos de criação de um Estado nacional soberano com um balanço talvez, ou apenas, razoável no plano material, mas reconhecidamente frustrante no plano social e crescentemente miserável nas dimensões ética e moral, quando olhamos para aqueles que representam a nação no contexto internacional. 

Termino por uma confissão vinculada à minha carreira profissional nas últimas quatro décadas: sinto profunda vergonha pela imagem que esses irresponsáveis do poder atual projetam do Brasil no mundo.


Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 21/02/2021


domingo, 7 de fevereiro de 2021

Mini-reflexão sobre a alternância no poder - Paulo Roberto de Almeida

 Mini-reflexão sobre a alternância no poder (mais do que nunca necessária)

Paulo Roberto de Almeida

Na democracia vale a alternância; o velho método do ensaio e erro, no sentido popperiano do conceito.

Aos que dizem, “qualquer um, menos o PT”, eu agregaria: “desde que não seja o Bolsovirus”. 

Ele, simplesmente, consegue ser pior, muito pior do que o PT: mais vulgar, mais indecente, mais autoritário, e ativamente comprometido com o que há de mais reacionário na cultura, na política, nos costumes; um saudosista explícito da ditadura militar, despreza a vida e os DH, corrupto, falso e mentiroso, capaz de elogiar torturador e dizer que o regime militar “matou pouco”.

De toda forma, 2022 não será como 2018, marcado por circunstâncias excepcionais, que não mais existirão. 

Qualquer um seria capaz de vencer o degenerado, que já terá um alto índice de rejeição. Desde que as oposições não sejam burras (como frequentemente o são, geralmente nas esquerdas).

Fator decisivo será — como sempre foi, em qualquer eleição — o comportamento dessa ameba gigante que é a colusão (mais do que uma coalizão formal) entre os senhores do poder — vagamente associado ao Centrão — e os senhores do capital: ambos parecem preferir antes um presidente fraco, até mesmo medíocre, do qual podem extrair ganhos, vantagens e prebendas, do que um presidente forte, esclarecido, que tenha ideias próprias, e sobretudo que queira fazer reformas muito amplas, que coloquem em jogo seus privilégios mesquinhos (e aqui entram inclusive os mandarins do Estado, entre os quais eu me incluo).


O que mais horroriza essas medíocres elites brasileiras — desde sempre, e aqui incluo traficantes de escravos desde a era colonial, escravocratas durante todo o regime imperial, oligarquias diversas na República— é a perspectiva de que chegue alguém disposto a mudar as situações estabelecidas e faça reformas muito ousadas, que mexam com os mecanismos que transferem recursos de toda a sociedade, via Estado, para seus grupos e setores de interesse (e aqui eu coloco também os já citados mandarins do Estado, nos quais eu destaco os magistrados, o mais próximo que temos de aristocratas do Ancien Régime). São elites Lampedusa, segundo a velha e desgastada imagem.

Nessas condições, pedir o surgimento de um estadista, no Brasil, talvez seja pedir muito, a uma sociedade que se acomodou na mediocridade, e que por isso sofre agora de um lento e incontornável declínio. Esse processo tem dois marcos, dois pilares, dois fundamentos até aqui resistentes a qualquer correção, ambos históricos e tradicionais na formação social do Brasil: a má qualidade da educação de massa e a corrupção política, até aqui impermeáveis aos esforços de mudança. 

Concluindo: na impossibilidade prática de se superar esses tremendos desafios, que pelo menos se substituam os medíocres no poder. Além de reacionários, eles são perversos, no limite da sociopatia.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 7/02/2021


sábado, 2 de janeiro de 2021

Mini-reflexão sobre o que é verdadeiramente estratégico na vida da nação – Paulo Roberto de Almeida

Mini-reflexão sobre o que é verdadeiramente estratégico na vida da nação 

Paulo Roberto de Almeida


Intelectuais e acadêmicos em geral, militares em especial, adoram falar que carecemos de algum “projeto nacional” (qualquer um, desde que seja grande, ambicioso, magnífico, o que normalmente requer dois PIBs, além do que temos).

Para isso, eles apontam a necessidade de algum tipo de “planejamento estratégico”, e nisso eles se esmeram com todo o ardor de suas capacidades, todo o fervor dos verdadeiros crentes na ideologia natural, e obsessional, do Brasil, que é o desenvolvimento nacional (atenção, o “nacional” é extremamente relevante, não pode faltar nesses planos, e o seu conceito implícito já revela todo um universo mental de pré-disposições patrioteiras).

Não importa agora que o chamado “desenvolvimentismo” seja a doença infantil da ideologia do desenvolvimento e que essa doença tenha contaminado boa parte dos líderes políticos civis, militares e proporção razoável dos acadêmicos.


Pois bem, já tem muita gente engajada em suas planilhas e estudos de viabilidade, traçando o futuro da nação com os tais “projetos nacionais” e fazendo os exercícios de “planejamento estratégico” que lhes são coetâneos e indispensáveis. 

No plano institucional, já existe a SAE da PR, que deveria cuidar, pelo menos em teoria, da soberania da nação e da sua defesa contra ameaças externas, o que implica, justamente, algum planejamento estratégico em relações internacionais, em política externa e em áreas específicas de desenvolvimento que aparecem como absolutamente cruciais para o avanço da nação e a construção de seu bem-estar. 

Os nacionalistas militares e os acadêmicos desenvolvimentistas acreditam que isso passa por políticas de defesa, de desenvolvimento industrial e tecnológico, dessas coisas grandiosas e estupidamente caras. Acho que já eles estão ERRADOS! A realização desses projetos ambiciosos custaria duas vezes o PIB que já não temos, pois parece que estamos andando para trás, estagnando, ou pelo menos crescendo de maneira muito lenta, de forma desequilibrada e socialmente injusta.


O caminho passa pela educação universal de qualidade nos dois primeiros ciclos e pela educação técnico-profissional. Ele começa pela professorinha de aldeia, não pelos militares do Forte Apache ou pelos mandarins corporativos da Esplanada dos ministérios, e menos ainda pelos nossos aristocratas de Ancien Régime, que são os altos magistrados e os membros do Judiciário e do Legislativo de forma geral.


Ele também passa pelo fim da corrupção política em TODAS as suas formas. Mas isso já é bem mais difícil de conseguir. 

Uma das coisas mais difíceis de se obter é a de convencer os integrantes de nossa Nomenklatura, entre eles os milicos, que eles estão errados, que eles querem começar a construir a casa pelo teto, pela superestrutura, e não pelas fundações, que é o ensino universal e compulsório de boa qualidade — e, portanto, estatal, o que não significa que tenha de ser pelo Estado central —, o que NUNCA conseguimos fazer no Brasil, desde pelo menos os duzentos anos em que mandamos em nós mesmos.

Um dia chega...


Paulo Roberto de Almeida 

Brasília, 2/01/2021


Mini-reflexão sobre alguns dos impasses de nossa época - Paulo Roberto de Almeida

 Mini-reflexão sobre alguns dos impasses de nossa época 

Paulo Roberto de Almeida


A construção de realidades alternativas é tudo o que pregam alguns sofistas conservadores ou “tradicionalistas” e o que praticam líderes políticos como Modi, Erdogan, Trump, Orban, Bolsonaro. 

É o caminho da estagnação, do retrocesso, da mediocridade, independentemente das reformas e das mudanças que possam ser feitas.

Parece que é também o que escolhemos para o Brasil: sejam bem-vindos ao impasse.

A pergunta que se deve fazer é a seguinte: tal adesão significa a construção de uma sociedade mais justa, mais avançada, socialmente inclusiva, culturalmente sofisticada, plenamente democrátice e respeitadora dos direitos humanos e das liberdades em geral? 

Ou apenas de mais sectarismo, de mais divisão social e política, mais enfrentamentos entre tribos rivais de fundamentalismos desagregadores, de seguimento cego de algum líder salvacionista, geralmente autocrático e propenso a satisfazer desejos primários das massas, em lugar de estimular o crescimento semi-anárquico de todas as iniciativas individuais, na plena liberdade de uma sociedade menos regulada por burocratas estatais, bem mais entregue à livre iniciativa das vontades pessoais?

A despeito da longa frase e das afirmações já explícitas, eu fiz uma pergunta: que nação queremos ser, que tipo de sociedade queremos construir?

Uma de condutores ou de conduzidos?

Uma de cidadãos ou de súditos?

Uma de dependentes do Estado ou de seres livres?

Dependendo das constatações que se façam, pode ser que tenhamos adotado o caminho errado...

Não querendo decepcionar ninguém, despeço-me com uma nota de otimismo: no meio de tanta desgraça atualmente, pode ser que surja alguma luz no fim do túnel. 

Pode não vir naturalmente, pela luz do sol ou pela claridade que se instala depois de algum tempo.

Mas também pode ser porque alguém acendeu alguma luz, ainda que artificial e bruxuleante. Cabe aproveitar mínimas oportunidades e possibilidades.

A flecha do tempo humano nunca está pré-determinada em sua direção. A própria seleção “natural” para a humanidade, neste estágio de seu desenvolvimento, é bem mais cultural do que biológica. 

É o admirável mundo novo, que também é desafiador. Mas cabe olhar para a frente, a despeito de meia dúzia de conservadores regressistas - e anti-iluministas- que querem fazer rodar para trás a roda da história. 


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 2/01/2021


Mini-reflexão sobre a opção pelo declínio - Paulo Roberto de Almeida

 Mini-reflexão sobre a opção pelo declínio

Paulo Roberto de Almeida 

Quando sociedades resolvem se suicidar, elas fazem um pouco como Argentina e Brasil, independentemente que seja pela via da “esquerda” ou da “direita”, o que não tem nenhuma importância nesses casos de nações que resolvem entregar seus destinos respectivos a líderes supostamente salvacionistas que, paradoxalmente, só aprofundam o processo de decadência. 

O Brasil, com características próprias, exibe o mesmo itinerário que conduziu a Argentina a mais de 80 anos de declínio continuo e, o que é pior, evitável mas incontornável: o caminho das não-reformas, o da entrega de seus respectivos destinos a elites medíocres, a preservação da não-educação, do desprezo pela cultura sofisticada, a continuidade da corrupção política e também nos meios empresariais, enfim, a preservação de um ambiente de negócios que é totalmente anti-empreendedor e nefasto para o investimento estrangeiro e para a inserção global. 

Sinto dizer, mas o Brasil é um país totalmente preparado para não crescer, para vegetar na mediocridade imobilista durante certo tempo mais. Quanto tempo? Impossível dizer, mas o suficiente para deixar uma ou duas gerações acostumadas à mediocridade, assim como ocorreu, e ainda ocorre, com a Argentina, e isso independentemente de serem introduzidos sinais exteriores, e superficiais, de “modernidade”.

Na verdade, o Brasil se arrasta letargicamente, há duzentos anos em direção a um futuro medíocre: delongado na extinção do tráfico escravo e da própria escravidão, retardado na construção de um sistema de educação de massas de boa qualidade, nunca fez reforma agrária de verdade, e tampouco empreendeu uma revolução industrial — nossa industrialização se fez aos saltos, oportunistas e descontínuos, sem conexões com cadeias de valor internacionais, o que também é devido a nosso nacionalismo entranhado e ao nosso persistente protecionismo que só serve a empresários rentistas – e nunca soube corrigir as taras sempre presentes do mandonismo e do patrimonialismo.

Como querem, agora, que o Brasil seja uma nação próspera e um país desenvolvido? Vai ser difícil, na ausência de um diagnóstico correto de nossos males e de uma disposição clara para adotar as prescrições adequadas em função da realidade e para empreender as reformas necessárias. Para isso seria preciso ter uma visão clara dos desafios e coragem para superá-los, o que requer estadistas, não líderança medíocres como as que temos atualmente.

Sinto ter de anunciar: bem-vindos a um horizonte de declínio e de conformidade com a estagnação secular. Já aconteceu antes, com outras nações; agora é a nossa vez.


Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 2/01/2021


quinta-feira, 16 de maio de 2019

Mini-reflexão sobre ineptos e corruptos, da esquerda e da direita - Paulo Roberto de Almeida

Em lugar de resolver os problemas do Brasil, a Bolsofamíglia fica falando em "armas nucleares".
Sou um crítico aberto desse governicho, e minha posição não tem nada a ver com ideologia, com o fato de eles serem (ou se pretenderem) de direita, ou de extrema-direita (embora sejam apenas idiotas, pois não têm nenhuma noção doutrinal do que seja o conservadorismo, no caso deles, são mesmo reacionários sem qualquer noção do que seja isso).
Eu já era um crítico feroz do lulopetismo, e não porque fossem de esquerda, uma posição política tão legítima quanto ser de direita.
Eu criticava o lulopetismo por duas características básicas desse regime destruidor das instituições: eles eram absolutamente ineptos em matérias econômicas e administrativas e IMENSAMENTE CORRUPTOS, sendo que o chefão é um mafioso completo (sem a ética da Mafia), que merece 200 anos de cadeia, por tudo o que roubou e permitiu que roubassem.
Eu critico o bolsonarismo, por ele ser absolutamente INEPTO, ainda mais inepto do que o PT – não, ainda, em política econômica, pois não deu tempo para o "Posto Ipiranga" realizar as maravilhas prometidas em campanha, como privatizações em massa, coisas que o PT nunca faria –, não exatamente da mesma forma, mas pior em quase todas as áreas, sobretudo em educação, a maior tragédia nacional, e que continua sendo uma tragédia tragi-cômica, se me permitem. Não estou seguro ainda quanto à corrupção, embora o que já se conheça da Bolsofamiglia augura grandes escândalos pela frente, nada de muito diferente do que fazem os demais políticos no seu modo artesanal de produção da corrupção (diferente, portanto, do PT, que tinha um modo industrial de produção de corrupção), mas talvez tão grande quanto outros personagens notórios da corrupção política. 
Como já disse alguém, esse pessoal perdeu a noção. Mas desconfio que, nos meses pela frente, eles não vão adquirir nenhuma noção racional do que seja administrar um país. Vão ficar brigando contra inimigos e aliados pelas redes sociais e pelas declarações improvisadas nos microfones dos jornalistas (aliás, hostilizados por eles, como ignaros que são).
Estamos entregues a um bando de bárbaros, no núcleo central, embora cercado por blocos e grupos de racionalidade que são os militares, a equipe econômica e alguns outros personagens aqui e ali. Mas a tropa do bolsonarismo é muito rústica, inepta mesmo, o que se manifesta na Educação, nos DDHH, nas relações exteriores e mais aqui e ali.
Vamos em frente, tentando sair do pântano...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 16 de maio de 2019

sexta-feira, 1 de março de 2019

Mini-reflexão sobre os tempos que correm no Brasil

Deterioração muito rápida da qualidade das políticas públicas é algo extremamente preocupante, pois sinaliza que os dirigentes não têm consciência dos problemas nacionais e não têm a menor ideia de como resolvê-los. A inconsciência, as hesitações, a submissão aos twitaços de pequenas minorias militantes (e delirantes) são sinais extremamente preocupantes de desgoverno. Lideranças racionais deveriam começar a se consultar entre si. O que se viu em menos de dois meses pode se converter em um gigantesco refluxo da maré, que também pode conduzir para uma direção completamente errada e indesejável. 
O Brasil não sabe o que quer?
É muito provável!
Mas a culpa não é do povo.
Elites muito medíocres resultam nesse quadro desolador.
Vou acionar o modo resistência.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1/03/2019

Addendum 1: A intolerância com opiniões alheias é o traço mais evidente de personalidades autoritárias.
Addendum 2: A censura para trás merece algum prêmio George UnOrwell, ainda a ser inventado.

domingo, 23 de dezembro de 2018

Novos e velhos desafios ao ceticismo sadio e ao contrarianismo - Paulo Roberto de Almeida

Novos e velhos desafios ao ceticismo sadio e ao contrarianismo

Paulo Roberto de Almeida
 [Objetivo: declaração à praça; finalidade: alerta preventivo] 

Em 2003, convidado para ser o diretor de estudos do programa de mestrado da academia diplomática brasileira, o Instituto Rio Branco, fui vetado pelo novo poder recentemente estabelecido no Brasil: uma tropa de true believerscomposta por sindicalistas mafiosos, guerrilheiros reciclados neobolcheviques, diplomatas coniventes e colaboradores oportunistas.
Em 2004, colocado num completo ostracismo pelos novos donos do poder no Itamaraty, dei início ao meu quilombo de resistência intelectual, sob a forma deste blog Diplomatizzando, no qual ainda estou, com o mesmo espírito que me animou desde o início: postar coisas inteligentes para pessoas inteligentes, respeitosas da diversidade de pensamento, da liberdade de opinião e do ceticismo sadio em relação ao senso comum, às idées reçues(preconceitos estabelecidos e verdades reveladas), sem esquecer uma pequena ponta de contrarianismo.
Ao longo desses anos todos, navegando na maior parte do tempo contra a corrente, continuei sustentando as mesmas opiniões e atitudes, ainda que ao preço de grandes sacrifícios pessoais e familiares. Persisti, sustentado por valores e princípios invariavelmente comprometidos com a inteligência e a honestidade intelectual.
Marx tinha certa razão quando disse, num texto simplista sobre a ideologia, que as ideias das classes dominantes são as ideias dominantes. Concordo, mas eu mudaria algo pelo meio da frase: as ideias dos grupos que dominam o Estado, ou pelo menos o governo, pretendem se tornar as ideias dominantes, por indução discreta ou imposição arrogante daqueles que ocupam o poder. No que me concerne, nunca me dobrei a isso.
Em 2019, continuarei animado pelos mesmos propósitos e objetivos.
Boas ideias acabam prevalecendo no longo prazo.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 23 de dezembro de 2018

sábado, 8 de outubro de 2016

Mini-reflexão sobre o significado da satisfação intelectual como objetivo de vida

O prazer intelectual como objetivo de vida

Paulo Roberto de Almeida
 [Mini-reflexão sobre minhas preferências em matéria de hobby e conduta.] 

Eu venho de uma família bem mais pobre do que a condição social de grande parte dos brasileiros da atualidade: meus pais não tinham sequer primário completo, sem qualquer profissão definida, pois meu pai era motorista e minha mãe lavava roupa para fora para o sustento da família. Eu também passei a trabalhar desde muito cedo na vida. A grande diferença em minha vida e formação foi a de que eu residia próximo a uma biblioteca infantil, que comecei a frequentar ainda antes de aprender a ler. Foi o que me permitiu ascender na vida por meus próprios esforços, estudando em escola pública e trabalhando desde criança, e por isso mesmo estudando de noite, lendo no ônibus ou em qualquer lugar. Eu me fiz por minhas leituras e por meu trabalho, mas nunca pensei em ganhar dinheiro ou ficar rico, e sim em ter prazer intelectual pela leitura, e através do estudo, que resumem todos os meus objetivos de vida.
O que se puder fazer para estimular o gosto, e mesmo a necessidade da leitura, constante, regular, intensa, dos bons livros, nos jovens, nos nossos filhos e netos, é um empreendimento meritório em si, e digno de ser levado adiante, em quaisquer circunstâncias, em qualquer tempo e lugar. Não tenho nenhuma outra recomendação a fazer senão esta, muito simples na verdade: o estímulo ao estudo, à leitura, a reflexão própria, a produção intelectual, a promoção do saber, pelo saber em si, não necessariamente por qualquer outro objetivo. 
Ajudou-me, nessa trajetória individual de ascensão social, que pode ser considerada exitosa -- uma vez que hoje faço parte de um grupo considerado de elite dentro do funcionalismo público, o dos diplomatas -- justamente o fato de ter podido, por mérito e esforço próprios, ingressar por concurso, ou por seleção pelo talento, a profissões, na academia e na diplomacia, que me são amplamente gratificantes, no plano puramente intelectual, do ponto de vista do que mais prezo na vida, e que nunca foi o dinheiro, a riqueza ou o conforto material, e sim o prazer intelectual, a satisfação espiritual, a realização pessoal, que é a de viver num mundo de livros, de saber, de conhecimento, para mim, se possível ajudando outros a ter o mesmo tipo de perspectiva na vida.
Contribuiu também enormemente para isso o fato de ter encontrado alguém, Carmen Lícia, minha mulher, que também mantém, e exerce intensamente, o mesmo gosto pela leitura, pelas viagens, pelas descobertas intelectuais, pelo prazer de ter conhecimento das coisas. Fui gratificado por essa circunstância, que se não é excepcional, no sentido de ser exclusiva, constitui pelo menos uma condição essencial para uma vida de satisfação intelectual.

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 8 de outubro de 2016

PS.: Se, um dia, eu resolver escrever minhas memórias (eu não tenho muito o que contar no plano das atividades públicas), elas serão basicamente intelectuais, ou seja, falando de livros, de ideias, de teorias, de conhecimento, e das ideologias, das falsas ideias e dos equívocos conceituais que muito fizeram por afundar o Brasil (e boa parte da América Latina), nestas décadas e décadas de frustração com a roubalheira, a incompetência, o atraso, a desigualdade, a miséria intelectual de nosso continente.