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domingo, 13 de fevereiro de 2022

Sobre os mitos que mobilizam a corporação diplomática - Paulo Roberto de Almeida

Sobre os mitos que mobilizam a corporação diplomática

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

 

 

Toda sociedade tem os seus mitos fundadores, verdadeiros ou falsos, não importa, eles mobilizam a sociedade num conjunto de crenças que se incorporam aos demais elementos que compõem a identidade nacional: língua, religião, cultura, história comum, território identificado ao povo que o habita, etc.

Corporações dentro de uma sociedade também podem ter os seus mitos fundadores, e as mais importantes são as corporações de Estado, pois este é o núcleo organizador da vida em sociedade e o agente comum para o relacionamento com outras sociedades, nações, Estados. 

Dentre as mais importantes corporações de Estado estão os soldados, garantidores da ordem interna e da defesa externa, e os diplomatas, representantes da nação e do Estado na interface com o vasto mundo que cerca toda e qualquer sociedade.

O Brasil, manifestamente, não é um império, ou seja, um agregado de nações e sociedades submetidas a uma ordem comum. O Brasil é um Estado-nação como são dezenas, duas centenas de outros Estados nacionais que foram se constituindo, nascendo e aparecendo no contexto mundial nos últimos quatro séculos, e que hoje constitui a forma predominante da comunidade internacional organizada em torno de certos princípios comuns, que são os da Carta da ONU. 

Isso não impede a existência continuada, mesmo informal, de impérios, de fato ou de direito, sabendo que os impérios foram uma forma comum de organização, até predominante, das muitas sociedades que existiram e ainda existem ao longo do tempo. Mas hoje o que temos são Estados-nacionais convivendo pacificamente entre si ou de forma mais conflituosa, o que de certa forma reflete o caráter imperial de alguns deles.

 

Um parêntese sobre a corporação militar

Não vou me ocupar disso agora, mas tentar voltar aos mitos fundadores de nossas corporações de Estado. Da corporação militar não preciso falar muito, senão de dois mitos fundadores que estão no âmago de seu papel legitimador na história nacional. Primeiro, a tal ideia de que as FFAA, o Exército em especial, se forjou nas lutas contra os invasores holandeses no século XVII, em especial na batalha de Guararapes, onde estariam as três principais vertentes do povo brasileiro: o colonizador branco português, os indígenas, autóctones no território, e os africanos importados, que lutaram livremente em prol da nova nação que surgia. É um mito e uma mentira, mas o Exército faz questão de manter. 

A outra fabulação em torno da corporação militar é o seu papel contemporizador em momentos de crise na sociedade, assumindo pretensamente o papel de Poder Moderador que terminou com o desaparecimento da ordem monárquica (que eles mesmos liquidaram, de forma bastante atabalhoada por sinal). As FFAA, o Exército especialmente, foram militaristas (o que é até “normal”, em função da sua natureza intrínseca), mas sobretudo intervencionistas e autoritários ao longo de toda a nossa história republicana (pois praticamente não tínhamos FFAA antes da Guerra do Paraguai). Nem sempre foi para um saudável debate democrático em torno de nossa organização política, e sim para impor certa concepção do mundo, de forma improvisada nos anos 1920, quando começaram suas intervenções, de forma mais deliberada a partir dos anos 1930; daí resultaram as duas ditaduras que modernizaram e que também infelicitaram a nação duas vezes no século XX: o Estado Novo (1937-45) e o regime militar (1964-85). Duas experiências autocráticas de fato modernizadoras, mas também deformadoras de uma boa organização política com uma economia livremente empreendedora, o que de fato nunca tivemos. Mas deixemos isso de lado.

 

Os mitos fundadores da corporação diplomática

Deixando de lado o mito fundador sobre a excelência de nossa primeira diplomacia — a do Império, relativamente de boa qualidade, nem sempre para boas causas, como a defesa do tráfico e da escravidão — e, sobretudo, o mito do Barão, pai fundador e paradigma insuperável para todo o sempre, vamos aos mitos mais recentes, na verdade balizas fundamentais da postura da corporação no período contemporâneo: a Política Externa Independente, a tese sobre o “congelamento do poder mundial” e a ideologia do desenvolvimento, que combina elementos das teorias cepalianas e da teoria da dependência.

A Política Externa Independente é uma tautologia, só “justificada” pela conjuntura da Guerra Fria e pela adesão incontida de nossas lideranças políticas e militares ao “império Ocidental”, com os EUA à frente. Parece ter sido uma grande invenção, mas mobilizou os corações e mentes dos jovens diplomatas que estiveram na condução da diplomacia e de boa parte da política externa nos 30 anos seguintes. Não vou comentar mais sobre isso devido à clara obviedade do slogan: como ou porque uma boa política externa não haveria de ser “independente”. Passons, donc.

A tal “tese” sobre o “congelamento do poder mundial” surgiu mais ou menos na mesma época e denota uma constatação evidente — aliás em todas as épocas e lugares —, a de que grandes potências exercem preeminência sobre outras nações e sobre o “sistema” mundial, mas também é de uma evidente falsidade: em nenhum momento os impérios conseguem “congelar” todas as possibilidades de crescimento ou de desenvolvimento autônomo de sociedades ou nações normalmente constituídas: mesmo entre eles, os mais poderosos, o poder nunca está congelado, menos ainda no que concerne Estados-nacionais formalmente independentes (ainda que teoricamente “dependentes” de um império predominante em sua região).

A famosa “teoria da dependência” também é de uma platitude exemplar, e derivada em parte da “tese” do congelamento, e por outro lado das doutrinas cepalianas sobre o desenvolvimento econômico, uma espécie de keynesianismo adaptado às necessidades de países “dependentes”, como os da América Latina. O que ela diz, em sua essência? Que mesmo na situação de dependência existem espaços ou interstícios que possibilitam o progresso, a industrialização e os avanços. Nada mais do que um marxismo light acoplado às noções cepalianas então em voga.

O mito fundador mais consistente na corporação diplomática é obviamente a do seu papel eminentemente mobilizador do desenvolvimento econômico da nação pela via da autonomia na política externa — o que é, como já dissemos, uma obviedade e uma tautologia — e pela possibilidade de se ter espaços de políticas públicas para a formulação de programas e projetos nacionais de desenvolvimento (que por acaso se confundem com as determinações das classes dominante e das elites dirigentes na formulação e execução das principais políticas públicas, especialmente na área econômica e na política externa). Essa é a história da ideologia do desenvolvimento nacional dos últimos 80 anos, tanto mais forte na consciência nacional quanto mais incapaz ela foi de realmente construir o desenvolvimento nacional.

Mas eu vou discutir essa nossa obsessão frustrada — pois é evidente que o Brasil falhou nesse projeto— numa próxima oportunidade. Acredito que um bom começo de enveredar numa nova fase do desenvolvimento nacional começa pelo esclarecimento — talvez desmantelamento— de alguns dos mitos do nosso passado.

Não tenho certeza de que uma nova “doutrina” para esse tal desenvolvimento sairá das próprias hostes da corporação diplomática, e isto por uma razão muito simples: ao lado, e acima, dos dois “valores” básicos impostos e entranhados nessa corporação desde o início da carreira, as famosas consignas de “hierarquia e disciplina”, está uma característica também presente nessa corporação: o CONFORMISMO. Mas disso, eu também tratarei oportunamente.

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4080: 13 fevereiro 2022, 4 p.

 


sábado, 11 de abril de 2020

De volta a uma "praga" dos estudantes em TCC, ou dissertações e teses: a do "marco teórico"- Paulo Roberto de Almeida

Alguém me escreve para me perguntar sobre o tal de "marco teórico" para um trabalho acadêmico. Lembro de uma antiga diatribe que já fiz contra esse terrorismo intelectual.

Falácias acadêmicas, 3: o mito do marco teórico

Paulo Roberto de Almeida
Buenos Aires-Brasília, 30 setembro 2008

1. Tente entender...
Veja, caro leitor, se você consegue entender este filósofo francês, muito lido e muito citado em certos círculos acadêmicos:

“Assim, por um lado, a repetição é isso, sem o que não haveria verdade: a verdade do ente sob a forma inteligível da idealidade descobre no eîdos o que pode se repetir, sendo o mesmo, o claro, o estável, o identificável em sua igualdade a si. E apenas o eîdos pode dar lugar à repetição como anamnésia ou maêutica, dialética ou diática. Aqui a repetição se dá como repetição de vida. A tautologia é a vida, só saindo de si para voltar a entrar em si. Mantendo-se junto a si na mnéme, no lógos e na phoné. Mas, por outro lado, a repetição é o próprio movimento da não-verdade: a presença do ente perde-se nele, dispersa-se, multiplica-se por mimemas, ícones, fantasmas, simulacros etc.” (J. Derrida, A Farmácia de Platão. SP: Iluminuras, 2005, p. 122).

Entendeu, leitor? Provavelmente não, mas não se preocupe, eu também não entendi nada, mas não me preocupo mais com isto: há muito tempo desisti de tentar entender esses filósofos franceses, que converteram em hábito – praticamente uma profissão – os atos de escrever difícil e de falar complicado, apenas para épater la galerie e impressionar o distinto público, no que eles foram, aparentemente, bem-sucedidos (alguns ficaram ricos e famosos com toda essa empulhação). Aliás, acredito que esse autor não estava querendo explicar absolutamente nada a ninguém: estava apenas gozando da cara de eventuais alunos e de leitores desprevenidos. No que me concerne, não me deixo impressionar por falcatruas intelectuais.
Agora, considere este outro filósofo francês, ainda mais lido e mais citado nos mesmos meios (provavelmente não pelas boas ou corretas razões), e que se converteu em verdadeiro paradigma das ditas ciências sociais, quando ele, na verdade, é apenas um comentarista filosófico da história (o que não o impediu de monopolizar várias áreas das ciências humanas, impregnando todo o discurso acadêmico durante mais de uma geração): 

 “Deveríamos fazer uma tentativa de estudar o poder não a partir dos termos primitivos da relação de poder, mas a partir da relação de poder em si, na medida que ela mesma determina os elementos sobre os quais se estabelece: em lugar de pensar em indivíduos ideais aos quais se pede que cedam algo de si mesmos ou de seus poderes para serem submetidos, deveríamos indagar como as relações de dominação podem por si mesmas construir os indivíduos. Da mesma forma, em vez de investigar a única forma, o ponto central ao qual todas as formas de poder derivam como conseqüência ou como desenvolvimento, deveríamos abordar sua multiplicidade, suas diferenças, suas especificidades, sua reversibilidade: estudá-las, portanto, como relações de força que se entrecruzam, se excluem mutuamente, convergem ou, ao contrário, se opõem e tendem a se anular. Em resumo, em lugar de considerar a lei uma manifestação do poder, nos seria talvez mais útil tentar descobrir as diferentes técnicas de coerção que coloca a lei em funcionamento.” (Michel Foucault, trecho do Résumé des Cours; Paris: Collège de France, 1989) 

Bem mais compreensível, não é mesmo, caro leitor? Você acha que poderia “trabalhar” com ele, por exemplo, para sustentar a argumentação teórica de algum ensaio acadêmico, talvez “encomendado” ou sugerido pelo seu professor orientador?
Textos como este, de Michel Foucault – sem falar de outros, mais enfadonhos ou mais excitantes, de Pierre Bourdieu, de Jürgen Habermas e de vários outros encore – têm sido usados de modo recorrente na academia, provavelmente mais para torturar alunos (ainda que de forma involuntária) do que para ensinar-lhes algo, de verdade. Textos como esses, escolhidos por professores de metodologia – por vezes, apenas trechos selecionados desse tipo de texto, oferecidos aos alunos por professores das disciplinas setoriais de ciências humanas – têm a função de servir de suposto suporte teórico para a confecção de trabalhos acadêmicos: monografias, dissertações, talvez até mesmo teses doutorais.
Pessoalmente, não tenho nada contra Bourdieu, Foucault, Habermas, Derrida e outras sumidades do mundo acadêmico (enfim, os dois primeiros até podem ser leituras agradáveis, mas os dois últimos são simplesmente aborrecidamente prolixos, ou francamente ilegíveis). Apenas acho que estes e outros autores do mesmo naipe são usados indevidamente por professores acomodados à bibliografia convencional e que não se preocupam em buscar explicações mais convincentes aos problemas-temas do trabalho de seus orientandos. Eles recorrem assim às “vacas sagradas” consagradas da conjuntura acadêmica dominante, como uma espécie de solução de facilidade – para eles, obviamente – ao mesmo tempo em que jogam os estudantes numa camisa de força conceitual que pode servir para muitas coisas, menos para o enriquecimento intelectual destes últimos. 

2. A praga do marco teórico 
A primeira responsabilidade do trabalhador acadêmico está constituída pela honestidade intelectual, o que implica a consideração de todos os elementos possíveis de serem usados numa análise abrangente de qualquer problema social, não apenas daqueles que correspondem às suas preferências políticas ou simpatias filosóficas do momento. Considero este critério o mais relevante no trabalho científico, aliás, o único relevante no campo das ciências humanas ou sociais, e é em torno dele que eu gostaria de formular estes comentários a mais uma das falácias acadêmicas. 
De minha parte, em meus trabalhos de investigação histórica (estritamente factual), de observação política (e, portanto, algo subjetiva) e de análise sociológica (que, gostaria fosse a mais objetiva possível), não tenho por hábito preocupar-me além da conta (talvez mesmo nada) com a teoria, qualquer que seja ela. Não creio, sinceramente, que ela seja indispensável no (e ao) desenvolvimento de todos os tipos possíveis de trabalho intelectual.  Vou ser claro: em nossos trabalhos de elaboração intelectual, todos nós “partimos” de alguma teoria, mesmo de forma inconsciente. Mas isso não tem nada a ver (ou, pelo menos, não deveria ter) com a “necessidade” de expor sua teoria previamente ao trabalho com os fatos. Prefiro deixar que os fatos falem por si, e se alguém quiser, depois, aplicar alguma teoria a eles, que o faça por sua própria conta e risco. Eu não vou me preocupar em desenvolver nenhuma nova teoria para tentar encaixar, ou amoldar, os fatos dentro dessa nova camisa de força conceitual. Podem me acusar de radical anti-teórico, mas é assim que vejo o mundo> desculpem-me os muito acadêmicos, mas estou me lixando para suas preocupações 
Esta é também uma das razões pelas quais eu praticamente passo por cima dos capítulos teóricos nas dissertações e teses para cuja avaliação eu sou convidado. Acho que os professores “torturam” os seus alunos, obrigando-os a encontrar o famoso “quadro teórico” da sua pesquisa, quando os pobres alunos mal dão conta do emaranhado de fatos brutos que devem processar. Mas isso é uma outra discussão que farei em outra oportunidade. Para confirmar quão comum é esse tipo de atitude, permito-me transcrever aqui uma das muitas mensagens que recebo de alunos quase desesperados com essa “obrigação”. Esta é uma das mais recentes (11/09/2008, at 08:49, xxx wrote:): 

“…sou acadêmica do curso de Relações Internacionais da Universidade xxx, estou no sétimo período já fazendo o meu projeto de monografia. O meu tema é: Política Externa do Governo Lula (2003-2008) o acordo IBAS ( Índia, Brasil e África do Sul ) como instrumento de cooperação via Sul-Sul. Venho através deste lhe solicitar um auxílio de materiais sobre este assunto, estou com dúvida também de qual teoria das Relações Internacionais eu posso usar, porque meu professor me indicou Teoria da Interdependência, outros já me indicaram Intergovernamentalismo (o qual ainda não encontrei material o suficiente) e até mesmo o Institucionalismo, então não sei realmente o que aplicar, uma vez que quero trabalhar o que levou esses países a cooperarem, quero verificar se realmente esse acordo está contribuindo para uma maior inserção destes países emergentes em âmbito internacional. Espero ter sido clara o suficiente e que você com toda sua experiência possa me fornecer um auxílio. Desde já muito obrigada pela sua presteza e tenho certeza que seu auxílio contribuirá muito com minha formação. Grata mais uma vez, xxx”

O que é que eu respondi a este aluno desesperado? Isto:

PRA: “Vou ser bastante franco com você, xxx. Uma iniciativa concreta de diplomacia, neste caso a decisão do governo Lula de empreender um programa reforçado de cooperação com dois outros países considerados ‘parceiros estratégicos’, não precisa ter nenhuma justificativa teórica, nem se sustentar em nenhum quadro conceitual vigente, para existir e se desenvolver de fato. Essa ‘ditadura do marco teórico’, que professores exigem de alunos que iniciam um trabalho acadêmico, é um verdadeiro absurdo, uma camisa de força que não encontra respaldo em nenhuma regra acadêmica, ou formalização conceitual. Se trata de uma exigência que se justifica por ela mesma, e que, portanto, é irracional, e se a exigência é incontornável ela se torna estúpida. Não possuo e não conheço nenhuma teoria que possa sustentar o IBAS, e não dou a mínima importância para isso. Uma iniciativa diplomática não precisa passar pelo moedor de carne dos rituais acadêmicos para existir e, portanto, pode ser perfeitamente dispensável o tal de marco teórico. Pode dizer isto ao seu professor; eu recomendo que você faça um trabalho intelectualmente honesto sobre o IBAS, considerando todos os elementos factuais de que você dispõe, sem precisar rechear o assunto com qualquer penduricalho acadêmico que possa existir.”

Também sou habitualmente convidado a emitir pareceres sobre artigos acadêmicos submetidos a revistas convencionais desse campo, o que se aproxima bastante do tipo de exercício a que sou convidado exercer quando desse tipo de consulta individual. Vejamos um exemplo recente desse tipo de consulta.

Pergunta: “O artigo é bem escrito? Baseia-se em pesquisa bem-feita, com utilização de fontes apropriadas? Suas conclusões são justificadas? Sua estrutura organizacional e argumentação são claras?”
PRA: Sim, o artigo é bem escrito; existe, talvez, certo pedantismo na análise, que não precisaria passar pelo famoso “marco teórico”, que o autor escolheu na obra de Derrida, a rigor irrelevante para se analisar o discurso de Xxxx sobre o terrorismo,  mas se trata, provavelmente, de ritual imposto por algum professor viciado em desconstrucionismo.
Pergunta: “O artigo dá uma contribuição para o seu campo de estudo? De que maneira pode ser considerado original?”
PRA: Não creio que se necessite recorrer a um pensador deliberada e voluntariamente obscuro, como Derrida, para explicar discursos políticos sobre o fenômeno do terrorismo, discursos que necessariamente carregam as ambigüidades de uma indefinição persistente e inevitável, em vista da complexidade do conceito e do fenômeno. Trata-se de um filósofo “obscurantista”, que busca, expressamente, uma linguagem pretensamente complicada, críptica, desnecessariamente prolixa e falsamente empolada, apenas para impressionar os incautos: ele será esquecido e remetido à lata de lixo da filosofia assim que os franceses recobrarem a razão. (...) Ele apenas satisfaz egos filosóficos ingenuamente encantados com filosofices inúteis de um pensador futuramente descartável.

Enfim, não pretendo deter a chave do conhecimento filosófico ou sair por aí atirando um ou outro philosophe em alguma lata de lixo, mas eu constato que muitos professores falam de um “marco teórico” como algo “indispensável” ao trabalho do mestrando ou doutorando. Com isso, eles conseguem tirar várias noites de sono do candidato, que adentra na selva selvaggia da bibliografia pertinente – geralmente restrita a poucos “barões” da teoria em ciências humanas, de extração francesa ou alemã – em busca de algum enquadramento teórico para o objeto escolhido. A maior parte dos pobres alunos sai dessa selva arranhada, com urticária metodológica e sérios problemas para retomar o fio da meada de seu objeto próprio.

3. O que é e o que não precisa ser o tal de marco teórico 
O marco teórico normalmente faz parte daquela seção metodológica que se segue à introdução nos trabalhos de candidatos. A discussão da metodologia a ser empregada na pesquisa compreende, por sua vez, algumas hipóteses de trabalho que normalmente se apóiam em alguma teoria disponível no supermercado acadêmico. A teoria certamente ajuda a pensar, mas ela não deve representar uma camisa de força, que obrigue o candidato a enquadrar o seu tema em alguns dos molhos prêt-à-porter que estão disponíveis nas estantes pertinentes do supermercado. 
Um candidato desprevenido, que pretenda, por exemplo, fazer uma dissertação sobre a informalidade laboral no Brasil, não precisa necessariamente se interrogar sobre o que o inefável Foucault teria a dizer sobre isso. Não creio, pessoalmente, que o “marco teórico” deva ser um monstro metafísico que ameace engolir o candidato se ele se sentir desconfortável com o tal de “enquadramento conceitual” do seu objeto: determinados temas, bem mais “pedestres” em sua concepção e desenvolvimento, podem dispensar essas filigranas teóricas. 
A metodologia é, sobretudo, uma ferramenta analítica utilizada para descrever e discutir o objeto escolhido e a teoria é uma espécie de fundamentação conceitual desse objeto, com algumas generalizações sobre o tema em espécie. Estudos de caso e pesquisa empírica são sempre bem-vindos, mesmo se eles não se encaixam em algum molde conceitual – o famoso “marco teórico” – que o professor acha que o candidato deva obrigatoriamente exibir. Na elaboração metodológica, o candidato deve eventualmente se propor algumas hipóteses de trabalho que serão, no decurso do trabalho, confirmadas ou desmentidas pelo tratamento oferecido ao tema escolhido. 
Mas essa “fundamentação teórica”, que os professores exigem dos candidatos, não precisa ser considerada um elemento absolutamente indispensável do trabalho acadêmico, pois nem sempre é o caso. Ou seja, o trabalho pode ser – este é um direito do candidato – simplesmente expositivo-descritivo, sem referência a qualquer autor famoso na comunidade acadêmica, posto que um determinado tema escolhido se presta, hipoteticamente, a uma descrição empírica de fatos da vida real. Ou, então o candidato pode ter decidido, por exemplo, fazer uma síntese da literatura existente a respeito do seu tema, sem maiores inovações teóricas. Por causa dessa obsessão com o marco teórico alguns alunos tropeçam feio nessa parte, e acabam escrevendo uma “metodologia” que tem pouco a ver, finalmente, com o conteúdo em si do trabalho. 
Resumindo: metodologia é simplesmente a forma como o autor organiza os seus dados, seus materiais primários, seus elementos empíricos, e até suas leituras, e os apresenta em seguida na discussão fundamentada da terceira parte, com análise crítica e um levantamento de outros problemas que tenha detectado em sua pesquisa. O autor pode, também, aproveitar essa parte para dizer como outros analistas do mesmo problema estudaram a questão, se concorda com eles, se utilizará métodos já empregados anteriormente, etc. 
Conseguindo cumprir essa etapa do ritual, o candidato se descobre então um feliz sobrevivente de uma navegação acadêmica que costuma fazer naufragar alguns outros colegas que seguem o mesmo caminho. Depois disso, basta escrever e, se não for pedir muito, sobreviver ao esforço acadêmico...

Buenos Aires-Brasília, 30 de setembro de 2008
1931. “Falácias acadêmicas, 3: o mito do marco teórico”, Buenos Aires-Brasília, 30 setembro 2008, 6 p. Da série programada, com algumas críticas a filósofos famosos. Espaço Acadêmico (ano VIII, n. 89. outubro 2008). Relação de Publicados n. 859.


domingo, 25 de fevereiro de 2018

12 mitos alimentares e de comportamento que a ciencia desmente


MITOS 

Ciência desmente 12 mitos populares

Crenças populares acabam se tornando verdade para uma parcela significativa da população

Opinião e Notícia, 25 fevereiro 2018


Ciência desmente 12 mitos populares


Essas falsas crenças sobre nutrição e hábitos de vida surgem de lendas ou má interpretações (Foto: Pixabay)
Em rápidas pesquisas pela internet podemos encontrar diferentes “dicas” de como se alimentar melhor. Por vezes, essas ajudas acabam se contradizendo. Essas falsas crenças sobre nutrição, hábitos de vida e saúde surgem de lendas ou má interpretações, ignorando os avanços científicos. Por isso, separamos 12 mitos que já foram desmentidos pela medicina.
1 – Usar micro-ondas dá câncer
O micro-ondas não tem a capacidade de causar câncer nas pessoas, assim como celulares e computadores também não. Além disso, o aparelho também não destrói os nutrientes dos alimentos, sendo ainda um método melhor do que outros métodos de cozimento.
“A comida em um forno de micro-ondas esquenta graças à agitação que as ondas produzem nas moléculas de água presentes em maior ou menor medida nos alimentos. Não se trata de radiação ionizante, por isso não tem um efeito capaz de provocar mutações no DNA celular”, explicou o médico Manuel Castro, especialista em medicina preventiva e saúde pública do Complexo Hospitalar Universitário de La Coruña, que fica na Espanha.
2 – A água oxigenada é boa para as feridas
A coceira gerada pela água oxigenada quando é jogada em cima de uma ferida aberta é um sinal de que o produto danifica as células da pele. Dessa forma, o Centro de Controle de Enfermidades dos Estados Unidos não aconselha a molhar a pele e membranas mucosas com água oxigenada.
“A água oxigenada, na verdade, é menos eficaz que outros antissépticos e pode ser agressiva para a pele. Embora ela seja interessante em alguns casos, atualmente o antisséptico preferido para ter em casa é a clorexidina”, afirmou a doutora em farmácia e nutricionista Marian García.
3 – A gravidez dura nove meses
Apesar da generalização na utilização da cifra de nove meses, a expressão está incorreta, pois, segundo a medicina, a gravidez costuma durar entre 37 e 40 semanas, o que poderia corresponder a “nove meses e uma semana”, conforme explicou o médico Manuel Castro, especialista em medicina preventiva e saúde pública do Complexo Hospitalar Universitário de La Coruña.
“Nem todas as semanas são realmente de gravidez, porque se começa a contar antes que ocorra a fecundação. A data de início é o primeiro dia da última menstruação da mãe. E − muito provavelmente − a concepção terá ocorrido entre duas e três semanas depois atrás dessa data, e isso sem considerar a regularidade dos ciclos de cada grávida”, apontou.
4 – Muito sal não é saudável
Estudos da Faculdade de Medicina da Universidade de Boston, nos Estados Unidos, mostram que uma dieta com pouco sódio não é tão benéfica para a saúde e nem auxilia na diminuição da pressão arterial.  “A chave está na ingestão de sódio, potássio e magnésio”, afirmou a dietista-nutricionista Elisa Escorihuela.
Segundo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), o ideal é que seja consumido menos de cinco gramas de sal por dia. Porém, Elisa Escorihuela também explica que não é o sal do saleiro o maior malfeitor. “Se achamos que devemos reduzir o consumo de sal de nossos saleiros, estamos enganados, o excesso que consumimos está nos alimentos pré-cozidos, aperitivos industrializados e molhos que compramos. O aconselhável é reduzir a zero os alimentos prontos e embalados”.
5 – Se você está acima do peso, não tem uma vida saudável
O sobrepeso é o oposto de se ter uma vida saudável. Porém, parte da população se exercita diariamente e mantém uma alimentação regular e, mesmo assim, precisa lidar com o excesso de peso. Segundo o dietista-nutricionista Àlex Pérez, do Centro de Atenção Primária de Vallcarca-Sant Gervasi, em Barcelona, diferentes motivos podem causar esse leve sobrepeso, desde um desajuste hormonal até a genética.
“Por isso também não podemos parar de pensar no fato de que realmente existe uma relação entre nosso peso e nosso estado de saúde. É preciso manter um peso adequado, comer de forma saudável e seguir um estilo de vida saudável”, apontou Elisa Escorihuela.
6 – Temos cinco sentidos
Os cinco sentidos clássicos – visão, audição, tato, olfato e paladar – já não são mais o suficiente para explicar a capacidade do seu humano de entender e perceber sobre o ambiente no qual está inserido. De acordo com o médico Manuel Castro, muitos outros sentidos podem ser adicionados a essa lista.
“Hoje são acrescentados alguns outros. Entre os mais claramente estabelecidos estão a termocepção ou termorrecepção (que é a sensação de calor ou sua ausência), o sentido do equilíbrio (que permite mover-se, acelerar ou frear sem perder nossa orgulhosa bipedestação), a propiocepção (por exemplo, saber onde está situada neste momento sua mão esquerda sem olhar para ela), a nocicepção ou sentido da dor. O próprio conceito de sentido é difuso. Se o entendemos como um sistema para receber informação sobre nosso próprio corpo e o mundo, poderíamos acrescentar o sentido do tempo, uma espécie de cronorrecepção, para não falar de sensações tão familiares como a fome ou a sede”.
7 – Fazer exames periódicos é bom para a saúde
Controlar a saúde através de exames médicos periódicos é bom, mas não há evidência científica que prove que o seu organismo vá se comportar melhor dessa forma, conforme explicou o médico de família Salvador Casado.
“Muita gente desconhece que cada exame diagnóstico tem efeitos colaterais ou indesejados, como ocorre com os remédios. Os exames são úteis quando solicitados por um médico que suspeite da existência de uma doença, mas quando são pedidos sem essa justificativa, são muito frequentes os falsos positivos ou falsos negativos que depois podem desembocar em condutas médicas que prejudicam a pessoa”, afirmou.
8 – O mel é um açúcar natural e melhor que o açúcar processado
Segundo Àlex Pérez, o “açúcar sempre é açúcar”, com o corpo não tendo a capacidade de distinguir a procedência da molécula. Por isso, é incorreto afirmar que o açúcar natural é menos agressivo do que o açúcar processado. “O abuso do mel pode ser tão prejudicial para nossa saúde quanto o do açúcar refinado”.
“O açúcar branco que se põe no café contém 100% de sacarose, enquanto o mel é uma mistura de frutose, glicose, sacarose e 18% de água, juntamente com uma pequena quantidade de vitaminas e minerais”. Segundo a OMS, os açúcares livres, que são aqueles presentes de forma natural, são alguns dos principais fatores que estão causando o aumento da obesidade e diabetes no mundo.
9 – Só ocorre a concussão cerebral quando há golpe
Quando recebemos um golpe na cabeça, o encéfalo pode se chocar com o crânio, o que causa a concussão. No entanto, caso façamos algum movimento muito brusco, o mesmo fenômeno pode ocorrer, pois a separação entre o encéfalo e o crânio é feita apenas por meninges e pelo líquido cefalorraquidiano.
“É uma alteração do estado mental após um trauma, que pode ocorrer devido a golpes diretos ou movimentos rápidos da cabeça ou de aceleração/desaceleração. Nesses casos, a proteção do liquido cefalorraquidiano não é suficiente e o cérebro bate contra o crânio, levando à concussão e a outras complicações sem que necessariamente tenha havido um golpe direto. Isto é particularmente importante em pessoas mais velhas, nas quais a relação continente-conteúdo (crânio-encéfalo) é maior por causa da a atrofia cerebral que aparece com a idade”, explicou o neurologista Azuquahe Pérez, do Hospital Geral de La Palma.
10 – Azeite é saudável e, por isso, não faz mal exagerar
Mesmo sendo composto principalmente de 99% de gordura, mesmo com ácidos graxos monoinsaturados que são saudáveis para o coração, não se pode afirmar que o azeite, em exagero, não faça mal.
“Não se pode dizer que ajuda a baixar de peso, porque essa ideia fica gravada na cabeça do consumidor e ele tende a abusar. Na verdade, ocorre justamente o contrário. Começa-se a notar um aumento de peso ao consumir de forma excessiva essa gordura, por mais saudável que seja”, afirmou a nutricionista Luisa Solano.
11 – Usamos apenas 10% do nosso cérebro
Um mito já desmentido em diferentes oportunidades, mas que sempre consegue ressurgir, se tornando verdade para algumas pessoas. Segundo o doutor Castro, usamos todo o nosso cérebro a maior parte do tempo, com uma porcentagem tão baixa só sendo registrada quando estamos em repouso completo.
“Se nos dizem que só usamos 10% de nosso cérebro em uma palestra motivacional, estão nos enganando. E se nos dizem isso em nosso ambiente de trabalho e se trata de um superior, provavelmente querem nos explorar”, destacou.
12 – Devemos dormir oito horas por dia
Na realidade, cada pessoa dorme horas diferentes sem que isso cause qualquer tipo de problemas. Além disso, as características do sono mudam com a idade. Porém, a ciência mostra que nos dias úteis acabamos dormindo menos do que deveríamos, enquanto dormimos um pouco mais nos dias de folga.
“Diversos estudos demonstraram que o tempo total do sono, sua eficiência e o sono profundo diminuem com o envelhecimento, enquanto o número de despertares noturnos e o tempo que se passa acordado durante a noite aumentam. Essas mudanças estão associadas a mudanças nos processos circadianos e homeostáticos que regulam o sono e também a mudanças fisiológicas e psicossociais próprias da idade”, explicou Azuquahe Pérez.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Amazonia internacionalizada: um mito estupido que parece nunca morrer - Daniel Buarque (G1)


12/08/2010 08h00 - Atualizado em 12/08/2010 12h46

Mapa da Amazônia dividida é mentira deliberada, diz diplomata brasileiro

Mapa adulterado da floresta circula na rede há uma década.
Governos dos EUA e do Brasil já investigaram e detectaram a montagem.

Daniel BuarqueDo G1, em São Paulo
O falso mapa de livro didático que circula desde o ano 2000 com boato sobre internacionalização da AmazôniaO falso mapa de livro didático que circula desde o ano 2000 com boato sobre internacionalização da Amazônia 
 
Na origem de um longo debate em que os brasileiros acham que os Estados Unidos querem invadir a Amazônia, e os americanos acham que o Brasil é paranoico está uma lenda urbana de mais de uma década, espalhada pela internet e reciclada periodicamente com popularidade surpreendente. Trata-se da história de que escolas dos EUA usam livros didáticos de geografia com um mapa da América do Sul adulterado, em que a região a amazônica aparece como “território internacional”. Por mais que a história já tenha sido desmentida oficialmente uma dúzia de vezes, muitos brasileiros ainda mencionam este caso sem saber exatamente se era verdade ou não, e até políticos brasileiros volta e meia pedem explicações oficiais do Ministério das Relações Exteriores sobre o assunto.
Desde as primeiras menções ao caso, ainda no ano 2000, representantes diplomáticos brasileiros nos Estados Unidos começaram a investigar as origens do que aparecia como mais um boato, uma lenda da internet. O diplomata Paulo Roberto de Almeida, que então trabalhava como ministro conselheiro na Embaixada do Brasil em Washington, averiguou rapidamente que a história circulava em listas universitárias de discussão, mas que suas bases factuais eram frágeis, praticamente inexistentes. Logo em seguida, ao pesquisar em bases de dados e examinar os materiais disponíveis, concluiu por uma montagem feita no próprio Brasil.”"Esta 'notícia' aparentemente tão alarmante não tem base", diz, em um longo dossiê que publicou sobre os boatos. "Posso, sem hesitar, afirmar que os Estados Unidos não querem amputar um pedaço da nossa geografia nas escolas do país e que os supostos mapas simplesmente não existem."
Em entrevista concedida nesta semana ao G1, direto de Shangai, na China, Almeida confirma o que já tinha constatado anos atrás: reiterou que os boatos lançados a esse respeito sempre foram nacionais, criados inteiramente no Brasil. Segundo ele, os americanos nunca tiveram nada a ver com o caso e, de certa forma, foram vítimas dele, tanto quanto os milhares de brasileiros enganados. “É preciso deixar claro que o mapa não é uma questão estrangeira. Ele foi feito por brasileiros e para brasileiros”, disse. “É uma construção, uma mentira deliberada”, completou. Segundo ele, que investigou o caso enquanto viveu nos Estados Unidos, é possível traçar a origem desses rumores a grupos de extrema direita militar no Brasil, interessados em preservar a soberania brasileira sobre a Amazônia, "supostamente ameaçada por alguma invasão estrangeira. Neste caso, recorreram à fraude deliberada para reforçar seu intento", explicou. Curiosamente, disse, a causa acabou abraçada pela extrema esquerda antiamericana, e a histórica cresceu com a ajuda da internet.
É preciso deixar claro que o mapa não é uma questão estrangeira. Ele foi feito por brasileiros e para brasileiros. É uma construção, uma mentira deliberada"
Paulo R. de Almeida, diplomata brasileiro
Almeida é doutor em Ciências Sociais, mestre em Planejamento Econômico e diplomata, autor de mais de uma dúzia de livros sobre o Brasil e relações internacionais, como "Os primeiros anos do século XXI: o Brasil e as relações internacionais contemporâneas". Em sua página pessoal na internet, ele reproduz seu dossiê sobre o caso, trazendo inclusive trechos da comunicação formal do então embaixador Rubens Antonio Barbosa negando a existência do mapa, que havia sido publicada no boletim da "Ciência Hoje" em maio do mesmo ano. A carta do embaixador, de junho de 2000, acusa um site brasileiro de criar a história. "Tudo parece ter originado, não de uma suposta 'conspiração americana' de desmembrar a floresta tropical amazônica, mas de desinformação 'made in Brazil' por setores ainda não identificados."
Repercussão
A negativa oficial não foi suficiente, e o caso continuou crescendo e chegou até mesmo ao Congresso Brasileiro. Primeiro foi a Câmara de Deputados, que em junho de 2000 fez um requerimento formal pedindo ao ministro das Relações Exteriores, Luiz Felipe Lampreia, informações a respeito da "matéria veiculada na internet na qual o Brasil aparece em mapas dividido." Depois disso, em 2001, foi no Senado. A página na internet do Senado traz um pronunciamento do senador Mozarildo Cavalcanti, do PFL de Roraima, de 29 de novembro de 2001, em que chama a internacionalização da Amazônia de "processo inteligentemente armado para anestesiar as camadas formadoras de opinião e evitar reação". Depois de ler todo o texto da denúncia que circulava pela internet, o senador apelou ao ministro das Relações Exteriores para que investigasse a fundo o assunto o "atentado à soberania do país".
A ideia é tão hilária que me sinto bobo de falar sobre ela."
Anthony Harrington, ex-embaixador dos EUA no Brasil
Segundo o diplomata brasileiro ouvido pelo G1, o mapa se transformou em um refúgio para quem busca teorias da conspiração. "Quem quer acreditar, acredita em qualquer coisa", disse Paulo R. Almeida, explicando o porquê de o caso continuar tão popular mesmo depois de ser rebatido com fatos. "Os americanos nem deram atenção ao caso, foram pegos de surpresa e de forma involuntária. Só o Brasil dá importância a esta invenção."
Resposta americana
Logo que o caso surgiu, no ano 2000, Anthony Harrington, então novo embaixador dos Estados Unidos no Brasil, tentou dar uma resposta oficial e final ao assunto. "Existem aqueles no Brasil que acreditam que os Estados Unidos querem dominar o mundo. Eles vêm o Tio Sam como o grande abusador. Típico desta forma de pensar é a crença de que os Estados Unidos têm um plano secreto de invadir a Amazônia em nome de salvar a Floresta Tropical. A ideia é tão hilária que me sinto bobo de falar sobre ela. Mas em nome de seguir adiante, de permitir que americanos e brasileiros possam passar aos assuntos sérios que enfrentamos juntos, deixe-me deixar isso claro: A Amazônia pertence ao Brasil. Sempre vai pertencer. E o mito de que os Estados Unidos invadiria é simplesmente ridículo. Ponto Final."
Segundo o embaixador, os americanos são fascinados pela floresta, tanto quanto a maioria das pessoas em todo o mundo, mas o interesse do país é apenas em colaboração com o Brasil, ajudando a desenvolver a região de uma maneira que seja inócua para o meio ambiente e faça justiça aos formidáveis recursos naturais que os brasileiros possuem. "A idéia de que tropas americanas possam intervir na Amazônia é ridícula. Sinceramente, não merece comentários."

Mesmo assim foi preciso voltar a tocar oficialmente no assunto, e a própria Embaixada Americana no Brasil manteve por algum tempo uma página de desmentido da história do mapa no ar. A página não existe mais no mesmo endereço. Entretanto, o site America.gov, que traz informações sobre política externa dos Estados Unidos e é produzido pelo Departamento de Estado, mantém no ar o texto do desmentido e os argumentos. A data da divulgação é de 2005, cinco anos depois do início da propagação do mito e três após a reportagem no principal jornal dos Estados Unidos.
Rebatendo o mitoA resposta oficial diz que o e-mail forjado surgiu em 2000. "Não há indicação de que tal livro exista. A Biblioteca do Congresso dos EUA, com mais de 29 milhões de livros e outros materiais impressos, não tem registro dele. O banco de dados online do centro de estudo WorldCat, o maior banco de dados de informação bibliográfica, com mais de 47 milhões de livros, não tem registro do livro. Tal livro também não é encontrado em buscas na internet na Amazon e no Google" .
O primeiro argumento usado para refutar a veracidade do livro é gramatical: "Muitos erros de grafia, gramática, tom inapropriado e linguagem" que são evidentes para um falante nativo de inglês. A resposta oficial do governo americano, apesar de ter demorado quase meia década, parte na mesma direção do embaixador brasileiro Rubens Antonio Barbosa, indicando que o trabalho aparenta ser uma invenção "made in Brazil" para criar "desinformação". O Birô Internacional de Programas de Informação continua seu texto apontando que "alguns dos erros de grafia nesta falsificação indicam que o falsificador era um falante nativo de português", diz, citando exemplo como a palavra "vegetal", que aparecia na mensagem original no lugar de "vegetable".
A criação da 'Prinfa' foi um presente para o mundo todo visto que a posse destas terras tão valiosas nas mãos de povos e países tão primitivos condenariam os pulmões do mundo ao desaparecimento e à total destruição em poucos anos"
Texto falso divulgado junto com lenda urbana sobre livro didático
O mapaEsta duradoura mentira circula há anos pela rede trazendo a imagem de um suposto mapa de livro de geografia usado nas escolas dos Estados Unidos em que aparece um pedaço da Amazônia como sendo um território sob “responsabilidade dos Estados Unidos e das Nações Unidas”. Esta área, que inclui partes do Brasil e de outros países da região, teria sido renomeada, ainda nos anos 1980, para Finraf (Former International Reserve of Amazon Forest), traduzida, na mensagem de alerta que dizia se tratar de uma história real, para Prinfa (Primeira Reserva Internacional da Floresta Amazônica).

A mensagem, que circulou por e-mails e blogs, é sempre a mesma. Um “alerta”, algo “para ficar indignado”, incluindo uma página copiada do suposto livro “An Introduction to Geography”, onde aparece o referido mapa do Brasil “amputado” e um texto sobre a “reserva internacional”.
O texto do livro é preconceituoso e ofensivo, e foi traduzido de um inglês pobre para um português cheio de erros de grafia e gramática: “Desde meados dos anos 80 a mais importante floresta do mundo passou a ser responsabilidade dos Estados Unidos e das Nações Unidas. (...) Sua fundação [da reserva] se deu pelo fato de a Amazônia estar localizada na América do Sul, uma das regiões mais pobres do mundo e cercada por países irresponsáveis, cruéis e autoritários. Fazia parte de oito países diferentes e estranhos, os quais, em sua maioria, são reinos da violência, do tráfego de drogas [sic], da ignorância, e de um povo sem inteligência e primitivo. A criação da Prinfa foi apoiada por todas as nações do G-23 e foi realmente uma missão especial para nosso país e um presente para o mundo todo visto que a posse destas terras tão valiosas nas mãos de povos e países tão primitivos condenariam os pulmões do mundo ao desaparecimento e à total destruição em poucos anos” .

Para dar credibilidade à história, a mensagem alega que a fonte da informação foi um jornal, sem muitos detalhes sobre a publicação do caso. Mesmo sem uma base de informação mais forte, a história se espalhou pelo Brasil e ganhou atenção até nos próprios Estados Unidos, onde foi rechaçada repetidas vezes, como em 2002, quando foi ironizada pelo "New York Times" como "claro, pura imaginação. A imaginação brasileira" . O título da matéria era algo como "No fundo do Brasil, uma viagem de paranoia".
Ainda em 2010, o Google tem mais de 1.200 retornos para a busca internacional pela sigla Finraf. Traduzindo a sigla para Prinfa, são mais de 3.000 páginas registrando alguma informação a respeito dessa história. São dezenas de blogs pessoais, páginas de jornais de diferentes lugares do Brasil, perguntas em fóruns. Muitos já tratam o assunto como mito, lenda urbana, e dizem que o mapa se tornou apenas uma curiosidade na internet. Não faltam, entretanto, as páginas que ainda reproduzem o assunto (algumas com datas tão recentes quanto 2009) com tom indignado e alegando se tratar de uma denúncia real.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Economia de livres mercados: dez mitos persistentes - Institute of Economic Affairs

Primeiro: quem desejar filminhos sugestivos, melhor ir diretamente ao link original, pois não pretendo reproduzi-los aqui, contentando-me apenas em transcrever o texto:
http://www.buzzfeed.com/cgoodwin/10-persistent-myths-about-free-market-economics-18ka3
Segundo, vou adaptar esse texto inglês, como já prometi em relação ao texto de Alberto Montaner sobre o liberalismo, às circunstâncias especiais do Brasil, mas ainda não tive tempo de fazê-lo. Fica no meu pipeline de working papers, portanto.
Em todo caso, aproveitem...
Paulo Roberto de Almeida

10 Persistent Myths About Free Market Economics

Free markets, capitalism and economics are often surrounded by misconceptions. Here are 10 myths about economics that either don’t stand up to further scrutiny or are just downright wrong, but which continue to dominate discussions surrounding the topic.

1. Greed is all economists care about, right?

Wrong. Supporters of free markets are often accused of believing that ‘greed is good’. Greed is not good, and economists do not believe that greed is necessary for capitalism to flourish. What economists do believe is that self-interest is a powerful motivator when it comes to financial transactions. No one denies the wide range of feelings that motivate us to act in certain ways, nor does anyone deny that people often make sacrifices for others and are altruistic. The beauty of free markets is that they work, regardless of whether people are greedy or selfless.

2. Oh, and economic growth

“Addicted to growth”, “GDP fetishism” and “the crack-cocaine of economic indicators”, are just some of the phrases used to convey society’s supposedly unhealthy fixation with Gross Domestic product (GDP). But no politician or economist has ever expressed support for the ‘growth at all costs’ mantra that is alleged to be central to ‘neo-liberalism’. Far from the be all and end all, GDP is an economic indicator just like employment and inflation. If governments aimed to maximise GDP alone, we would have a much smaller state, huge tax cuts, no planning system, no carbon-reduction targets, legalised drugs, no immigration controls whatsoever and extremely limited regulation.

3. The rich get richer while the poor get poorer

The concern that the rich are getting richer while the poor become poorer is a myth that has been around for many years but is false - or at least only half-true. The rich certainly get richer, but so do the poor. Over a century’s worth of growth has led to a steady rise in wages across the board and government figures show that between 1977 and 2012, the incomes of the poorest fifth of Britons rose by 93 per cent (adjusted for inflation). Much of this is made up of benefits, but wages have also risen significantly. Since 1986, the hourly wages of the poorest fifth of workers has risen by 49 per cent (adjusted for inflation).

4. We are working longer and longer hours

 We are working longer and longer hours

stats.oecd.org / Via OECD stats
In 1900, British workers spent roughly 3,000 hours a year on the job. Compare this to the present day, when individuals in most of the world’s developed societies each work fewer than 1,800 hours a year. It is a common misconception that we are all working longer, but average working hours for British employees continues to fall. According to OECD figures, over half UK employees work less than 40 hours a week and fewer than 12% work more than 50 hours a week. Some people on high incomes have seen their working week increase but this is not the norm.

5. Inequality is on the rise…

Inequality is on the rise...
ONS (2014a) The effects of taxes and benefits on household income, 2012/13. 26 June.
From Russell Brand to Thomas Piketty, commentators love to remind us that the UK suffers from spiralling inequality, which, if we’re not careful, will revert us back to Victorian extremes. Claims such as these are misleading at best. By any conventional measure, income inequality peaked in Britain in 1990 and has been flat or falling ever since. It is currently lower than it has been for nearly 30 years.

6. …while social mobility is falling

The majority of those born poor swiftly move up the income ladder and almost all become wealthier than their parents, contrary to the beliefs of the Polly Toynbees of this world. Far from grinding to a halt, social mobility in the UK is better than it has ever been before and, as a recent study from Oxford University concluded, ‘with relative just as with absolute rates, there is no evidence at all to support the idea of mobility in decline.’

7. We’ve got all we can from economic growth, so let’s focus on th

Sceptics of further economic growth should bear in mind the benefits to be had from ongoing prosperity. Not only does money allow us to pursue our goals and enjoy the fruits of our labour but it is also a consequence of human ingenuity and ambition. What’s more, the ever widening welfare state isn’t going to pay for itself. So perhaps we can afford a little more optimism.

8. Money doesn’t buy happiness after all

Surely the failure of aggregate happiness to rise as everyone gets wealthier is proof that pursing growth is pointless? Not necessarily, no. A number of studies have shown not only that rich people are happier than poorer people, but that countries tend to become happier as they become richer. Of course, people’s aspirations rise as they and the people around them achieve better living standards, and this is a good thing. Most, though not all, happen to think that having a better income allows them to do what they want to do. So money isn’t an obstacle to a good life – it facilitates it!

9. Inequality is bad for your health, literally

It is sometimes claimed that high rates of income inequality are associated with a number of negative social outcomes, including lower life expectancy. This claim was first made by the sociologist Richard Wilkinson in the early 1990s but subsequent research contradicted it. Wilkinson later co-authored a book - The Spirit Level - which popularised the theory while ignoring all the evidence to the contrary. The Spirit Level includes a graph which appears to show a negative correlation between inequality and life expectancy, but the graph uses old data and excludes a number of countries which don’t fit the pattern. If up-to-date data are used - or if the full complement of countries is shown - the correlation (funnily enough) disappears.

10. We’re heading back to the 1930s

We are far richer today than we were in the 1930s and GDP is many times higher, so it is meaningless to compare government spending today with that in the 30s. Even if the government meets its target, it will still be spending eight times more than the government of 1935 (adjusted for inflation). And, as a proportion of GDP, the figure will only be slightly lower than it was in 2001 - hardly The Road to Wigan Pier. And with a growing economy, why shouldn’t spending as a proportion of GDP fall? Demonstrating fiscal responsibility is a far cry from condemning us all to a life of poverty and destitution.

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