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quarta-feira, 31 de julho de 2013

Brasil corporativo: SBPC nao concorda com reserva de mercado para historiadores

Não se trata apenas de não concordar com o projeto de lei na forma em que está, como afirma a SBPC em seu comunicado e decisão cheios de dedos, de pruridos e de cuidados para não ferir as suscetibilidades dos colegas historiadores.
Ela poderia ter dito que o projeto é um atraso, é um absurdo, é um passo a mais no caminho do fascismo, do Brasil corporativo, das guildas medievais, de que tanto gostam esses profissionais que se julgam exclusivos.
Ele deveria ser liminarmente rejeitado.
Também sou contra, por exemplo, qualquer legislação profissionalizando o bacharel em relações internacionais, como sou absolutamente contrário à reserva de mercado para jornalistas, cuja lei foi derrubada pelo Supremo e que os corporativos tentam fazer renascer em bases constitucionais, colocando essa exclusividade estúpida na Carta constitucional.
Se dependesse desses medievais, o Brasil seria um país totalmente corporativo, reforçando ainda mais o fascismo que já existe patrocinado pelo partido no poder e máfias associadas.
Paulo Roberto de Almeida

SBPC reafirma posição contra o Projeto de Lei que regulamenta a profissão do historiador
Jornal da Ciência, 31/07/2013

A proposta foi discutida e aprovada no dia 25 de julho em Recife

No dia 25 de julho, em Recife, durante a 65ª Reunião Anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), foi realizada a Assembleia Geral, durante a qual foi reafirmada a manifestação da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e da ABC (Academia Brasileira de Ciências), de 10 de julho, em relação à tramitação do Projeto de Lei 4699/2012 que trata da regulamentação da profissão de historiador.

Através da proposta discutida e recomendada na Assembleia Geral do dia 25 de julho, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência apoia e reforça a posição de diversas sociedades científicas e associações profissionais que se posicionaram contra a aprovação do referido Projeto de Lei, na forma em que está, e para que haja um processo de discussão ampla com todos os setores envolvidos antes de sua aprovação.

 Veja o texto completo recomendado pela Assembleia Geral:

A Assembleia Geral da 65ª Reunião Anual da SBPC reafirma a manifestação da SBPC e da ABC, de 10/07/2013, em relação à tramitação do PL 4699/2012 que trata da regulamentação da profissão de historiador. Nela, a SBPC e a ABC apoiam e reforçam a posição de diversas sociedades científicas e associações profissionais pela não aprovação do PL mencionado, na forma em que está, e para que haja um processo de discussão ampla com todos os setores envolvidos antes de sua aprovação. Se o projeto for aprovado, na forma atual, trará sérios prejuízos à educação e à pesquisa no Brasil, particularmente nas inúmeras disciplinas de ensino superior relacionadas com a História. Ele estabelece que apenas portadores de diploma de História (graduação ou pós-graduação) poderão ministrar disciplinas de História, em qualquer nível, organizar informações para publicações, exposições e eventos sobre temas históricos, bem como elaborar pareceres, relatórios, planos, projetos, laudos e trabalhos sobre temas históricos. No entanto, existem diversas áreas de pesquisa e ensino cujo nome inclui "História" e que, no Brasil e no exterior, possuem atividades que podem e são desenvolvidas por profissionais de outras áreas que não têm diploma em História. Por exemplo: História da Medicina, da Física, da Biologia, da Psicologia, do Direito, da Arte, da Filosofia, da Literatura, da Matemática, da Computação, da Educação e História Militar, entre várias outras. Solicitamos aos senhores parlamentares que não aprovem o PL 4699/2012 antes de uma discussão ampla com todos os setores envolvidos, que permita que as diversas entidades e profissionais envolvidos no ensino e pesquisa de temas históricos se posicionem e contribuam com o aprimoramento do projeto.

(Blog Profissionalização do Historiador)
http://profissao-historiador.blogspot.com.br/2013/07/assembleia-geral-da-65a-reuniao-anual.html

A seguir, algumas matérias sobre o assunto publicadas neste mês pelo Jornal da Ciência:

SBPC e ABC encaminham carta aos deputados pedindo que seja interrompida a tramitação do projeto de lei que regulamenta a profissão de historiador
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=88100

Comitê Brasileiro de História da Arte encaminha carta aos deputados federais pedindo emendas à lei que regulamenta a profissão de historiador
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=88086

Sociedade Brasileira de História da Educação divulga manifesto contra projeto de lei que regulamenta a profissão de historiador
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=88040

Sociedade Brasileira de História da Ciência divulga carta aberta sobre regulamentação da profissão de historiador
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=87891

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São Paulo, 10 de julho de 2013
SBPC-077/Dir.

Aos Excelentíssimos Senhores
Deputados Federais
Câmara dos Deputados
RE: PL 4699/2012

Senhor Deputado,

     A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) apoiam e reforçam a posição das diversas sociedades científicas e associações profissionais, em relação à tramitação do PL 4699 de 2012, de autoria do senador Paulo Paim. Solicitamos que a tramitação seja imediatamente interrompida, para que debates amplos e audiências públicas possam ser realizados com toda a sociedade brasileira.
     O projeto tem problemas graves e, se aprovado na forma em que está, trará sérios prejuízos ao Brasil e ao ensino superior de inúmeras disciplinas relacionadas com a História.
     O PL 4699/2012 estabelece que apenas portadores de diploma de História(graduação ou pós-graduação) poderão ministrar disciplinas de História, em qualquer nível, bem como elaborar trabalhos sobre temas históricos. No entanto, existem diversas áreas de pesquisa e ensino cujo nome inclui “História” e que, no Brasil e no exterior, são atividades que podem ser desenvolvidas por profissionais de outras áreas que não tenham diploma em História. Como exemplo, citamos: História da Medicina, História da Física, História da Biologia, História da Psicologia, História do Direito, História da Arte, História da Filosofia, História da Literatura, História da Matemática, História da Computação, História da Educação, História Militar, entre várias outras. 
     A atual redação do Projeto de Lei 4699/2012 proíbe todos os atuais professores de ensino superior que não possuem diploma de História e que ministram disciplinas citadas acima de continuarem a ministrar essas aulas. E para aumentar nossa preocupação em relação ao impacto deste projeto, informamos aos senhores deputados que os cursos de graduação em História não incluem qualquer daquelas disciplinas; e raramente os cursos de pós-graduação em História incluem alguma delas. Portanto, senhores deputados, ter um diploma de História não garante o domínio do conhecimento das áreas mencionadas acima, podendo consequentemente, comprometer a qualidade do ensino e da pesquisa de tais áreas.
     Diante do exposto, solicitamos aos senhores deputados que não votem o PL 4699/2012 antes da realização de audiências públicas que permitam que os diversos profissionais envolvidos no ensino e pesquisa dos diversos temas históricos se posicionem de forma a contribuir com o aprimoramento do projeto e com a tomada de decisão dos senhores.

                                               Atenciosamente,

           HELENA B. NADER                                                JACOB PALIS
          Presidente da SBPC                                                    Presidente da ABC

domingo, 24 de março de 2013

As relações internacionais como oportunidade profissional - Paulo Roberto de Almeida

O site Mundo RI pediu-me permissão, no ano passado, para reproduzir uma antiga "entrevista" minha (de 2006) sobre a "profissão" do "internacionalista", o que sempre me deixa um pouco desconfortável pois todos sabemos que realidades dinâmicas como mercado de trabalho, perfis profissionais e o próprio mundo das relações internacionais estão constantemente mudando.
Eu não tinha tempo, porém, para responder novamente uma bateria de perguntas sobre esses temas, e por isso acedi, depois de uma leitura ultra-rápida, em diagonal, da matéria divulgada seis ou sete anos atrás. Não tenho certeza de ter revisto adequadamente esse texto, o que tampouco fiz agora.
O fato é que alguém me contatou, falando novamente dessa entrevista de setembro de 2012 (sic), da qual nunca tomei conhecimento, o que fiz agora.
Talvez ainda sirva para alguma coisa, e por isso me permito postá-la novamente aqui, sem as garantias de controle de qualidade e data de validade (existe algum controle externo sobre isso, que não seja o da Anvisa e outros órgãos do mesmo gênero?).
Em todo caso, não respondo pela atualidade da matéria, apenas pelo bom humor, que parece não ter ainda data final...
Paulo Roberto de Almeida


As relações internacionais como oportunidade profissional / Paulo Roberto de Almeida


Mundo RI

14/9/2012


As relações internacionais como oportunidade profissional / Paulo Roberto de Almeida

14/9/2012


Originalmente publicado em 2006 no próprio site do Diplomata Paulo Roberto de Almeida, estas resposta às questões mais colocadas pelos jovens que se voltam para a carreiras de relações internacionais, ainda são atuais, somente temos que abrir uma ressalva feita pelo próprio autor, que a realidade melhorou um pouco, junto com as oportunidades de mercado, com tendência de melhoria continua. Espera-se que o texto sirva para como mesmo diz o autor, para as pessoas "arregaçarem as mangas",deixarem de serem passivos. (Redação, Portal MundoRI.com)

1. Com quais expectativas o jovem ingressa no curso de relações internacionais?PRA: Provavelmente, na maior parte dos casos, com a expectativa de tornar-se diplomata ou funcionário internacional, ou então animado pelo vago desejo (ou mesmo vontade concreta) de sair do Brasil, passar sua vida entre capitais européias e da América do Norte, fazer-se no mundo, enfim. Deve-se observar desde logo que o ingresso na diplomacia, na verdade, acaba ocorrendo para uma fração mínima dos ingressados nesses cursos, uma parte também relativamente pequena voltando-se para as próprias atividades acadêmicas ligadas às relações internacionais e a maior parte devendo inserir-se, de algum modo, no mercado de trabalho "normal", isto é, do setor privado, altamente competitivo.

Aqueles muito jovens – digamos entre os 18 e 20 anos – ostentam uma visão relativamente romântica do que seja o mundo ou a projeção internacional do Brasil, não estando aqui excluídas motivações essencialmente idealísticas, no sentido da atuação em causas humanitárias, ecológicas, imbuídos que são do desejo de mudar o mundo ou de ajudar aqueles que são percebidos como "vítimas da globalização" ou de misérias ancestrais. Os mais "velhos" – que podem eventualmente ter iniciado o terceiro ciclo por algum outro curso e efetuado o desvio para relações internacionais no meio da rota – possuem expectativas mais concretas e realistas, eventualmente construídas a partir do exercício de alguma atividade profissional paralela aos estudos de terceiro ciclo, mas eles também podem estar imaginando ou aspirando por uma "vida diferente" da mesmice cotidiana em âmbito puramente nacional, algum relevante papel de "negociador", de "funcionário" ou de "executivo internacional". Ou seja, todos eles possuem altas expectativas em relação aos cursos e as oportunidades profissionais dele resultantes, sem talvez medir muito bem a distância que ainda separa o universo relativamente teórico do universo "mental" desses cursos e a realidade do mundo profissional, feita de muito esforço individual, salários nem sempre elevados como esperado e uma indefinição geral quanto ao exercício concreto das "generalidades" aprendidas nos bancos universitários.

2. Em quais as áreas o bacharel em RI sai preparado para atuar?PRA: Como ele é um generalista em especialidades "internacionais" ele poderá, supostamente, atuar em todas as áreas nas quais alguma competência vinculada ao seu terreno é requerida, seja no campo da análise e processamento de informações relativas aos diferentes cenários regionais e internacionais, seja na pesquisa e ensino acadêmico, nas áreas de relações internacionais das burocracias públicas – o que inclui a diplomacia tradicional, novas "diplomacias" em ministérios setoriais, assessorias internacionais de diversos órgãos etc. – e, provavelmente em maior "volume", nas empresas privadas e nas chamadas ONGs que possuem ou aspiram possuir qualquer tipo de interface com o mundo exterior. O problema, aqui, é que as empresas requerem, em geral, uma competência mais específica e provavelmente mais especializada do que o conhecimento sintético das relações internacionais, a qualquer título. As empresas não estão minimamente preocupadas com a teoria institucionalista ou neo-realista das relações internacionais, tampouco com o funcionamento do Conselho de Segurança da ONU: elas desejam simplesmente vender ou fazer negócios com parceiros externos e por isso elas são mais suscetíveis de apelarem para profissionais especializados como economistas, advogados ou algumas outras profissionais mais "tradicionais". Afinal de contas, trata-se de fazer uma prospecção de mercado ou de elaborar um contrato de cessão ou compra de direitos e outros ativos entre dois agentes privados, que devem rentabilizar seu tempo e seus recursos humanos e materiais, não havendo muito lugar para teorizações indevidas ou abstrações fora do campo essencialmente pragmático no qual atuam essas empresas.

Em outros termos, o bacharel de RI seria extremamente consciencioso se ele procurasse, de imediato, suprir suas carências em competências específicas buscando uma especialização dentro de seu campo de estudo, procurando estágios desde cedo ou mesmo fazendo algum outro curso paralelamente. Como para as demais especializações disciplinares, uma pós-graduação seria altamente recomendável, ou então uma outra via, mais racional, a formação de base numa profissão "normal" ou "tradicional" e uma pós ou estudos especializados em relações internacionais, eventualmente com orientação já definida para a área na qual o candidato a um bom emprego pretende atuar.

3. Qual o nome dado ao profissional depois de formado?PRA: Não tenho certeza se o termo está consagrado, mas, aparentemente, seria "internacionalista" (uma expressão ainda não oficializada, diga-se de passagem, como a própria "profissão", que não corre nenhum "risco" de ser regulamentada no futuro previsível). Em todo caso, melhor assim, do que algo estranho como "internacionalóide" ou "internacionaleiro".

4. Existe a discussão sobre a relevância do curso para quem quer seguir carreira diplomática. É mesmo o melhor caminho ou o primeiro passo para o Instituto Rio Branco e o Itamaraty?PRA: Não tenho certeza de que este seja o melhor caminho para os indivíduos que aspiram a ter alguma atividade já consagrada no circuito profissional, pois se trata de uma área relativamente nova, ainda não suficientemente "testada" nos mercados de trabalho. O que ocorreu, nos últimos anos, levado pelos ventos da globalização e da regionalização, foi um fenômeno "anormal" de expansão "geométrica" dos cursos de relações internacionais, provavelmente sem qualquer relação com a demanda efetiva do mercado. Havia uma demanda da parte dos jovens, atraídos pelo que parece ser um campo novo e talvez vasto – mas provavelmente não suficientemente "elástico" como o desejado pelos jovens – e as instituições privadas de ensino se encarregaram de satisfazer essa demanda por cursos de "aspecto" internacional.

Quanto à carreira diplomática, estrito senso, o recrutamento é altamente seletivo e a formação deveria ser, portanto, focada nas humanidades em geral, com um domínio igualmente satisfatório de ciências sociais aplicadas como economia e direito. Não é seguro que um curso de relações internacionais consiga dar todas as competências requeridas, mas ele é provavelmente o que mais estaria dentro do "campo" da diplomacia profissional. Acontece, porém – e isso precisa ficar muito claro aos jovens aspirantes à carreira – que, sendo o recrutamento caracterizado pela "hecatombe" de 90% dos candidatos, os "não-entrantes" precisam "sobreviver", de alguma forma, nas profissões normais, requeridas pelo mercado, e aqui o nicho das relações internacionais ainda é relativamente difícil.

Pode-se dizer, de uma maneira geral, que o curso, in abstracto, é relevante, mas os cursos, tomados concretamente, diferem muito entre si pela qualidade das matérias oferecidas, pela competência dos professores contratados, pela disponibilidade de recursos didáticos e materiais, etc.

Parece ocorrer, atualmente, com os cursos de relações internacionais, algo semelhante ao que se passou, em outras épocas, com os cursos de ciências sociais, de psicologia, de jornalismo, que passaram a atrair multidões de jovens sem um perfil muito definido quanto à carreira desejada ou suas aspirações concretas. O modismo, como tudo a cada época, um dia vem abaixo… Mas é também possível que os patamares de demanda sejam mantidos ou até ampliados, pois há certas "modas" que não passam, seja por uma demanda regular – como ocorre hoje com os cursos de jornalismo – seja porque a globalização é mesmo irrefreável e contínua, um "universo em expansão"...

5. O que diferencia o curso de RI dos cursos de comércio exterior e de direito e economia internacionais?PRA: Não existem cursos de "economia internacional", apenas de economia, tout court, assim como no direito, embora os egressos desses cursos possam buscar, nos últimos semestres, algum tipo de especialização informal dentro desses campos em suas respectivas áreas. Comércio exterior se apresenta hoje como uma orientação relativamente técnica, algo assim como "contador", embora seja uma área que requeira e deva contar com estudos aperfeiçoados, que aliás podem estar dentro de alguns cursos de relações internacionais – que assim exibiriam especializações mais para "ciência política" ou mais para economia internacional, segundo o gosto do cliente.

Acredito mesmo que no decurso da sedimentação necessária e natural dos cursos de relações internacionais nas diferentes regiões do país, essas orientações geográfico-espaciais ou essas inclinações temáticas acabarão emergindo progressivamente. Ou seja, pode-se conceber cursos de relações internacionais voltados para o agronegócio nas principais regiões produtoras de commodities demandadas pelo mercado mundial, cursos voltados para a diplomacia e a pesquisa nas ciências sociais em algumas grandes capitais, outros cursos voltados para o comércio exterior e a integração regional nas regiões mais "expostas" aos processos sub-regionais de integração e assim por diante.

6. O aumento de ofertas para o curso de RI em diversas faculdades públicas e particulares poderia significar que a procura é alta para a carreira?PRA: A procura ainda é alta por uma espécie de ilusão dos jovens quanto ao "charme" e a oferta de empregos nessa área, pelo efeito do já mencionado "modismo", ou porque o Brasil está mesmo deslumbrado com a globalização, ingressante tardio – e incompleto – que foi nos grandes circuitos da interdependência global. Não imagino que a demanda venha a se manter nos próximos anos, seja porque haverá um "plafonnement" e queda ulterior, seja porque o ritmo de crescimento tenderá a diminuir, ao descobrirem, muitos egressos, que os cursos não são assim tão "funcionais" para as necessidades de uma carreira concreta, seja porque a oferta, como sempre ocorre, supera a demanda efetiva. Não deve ocorrer, aqui, nenhum "keynesianismo" avant la lettre, pois o governo não parece estar em condições de garantir demanda efetiva numa área que não aparece como prioritária em termos de recursos humanos.

Resumindo: a procura, a jusante, não é alta, mas sim está ocorrendo um crescimento da oferta de cursos para atender uma demanda pré-existente, a montante, portanto. O mercado deverá ajustar oferta e procura dentro em breve. De toda forma, não existe UMA carreira de relações internacionais, e sim diferentes "carreiras" – ou melhor, oportunidades de emprego – que vão se ajustando aos nichos existentes, muito diversos entre si. Como a profissão não é regulamentada, nem tem chances de sê-lo muito em breve, persistirá essa relativa indefinição do que é "carreira" ou "especialização" em relações internacionais.

7. O jovem passou a se interessar mais por assuntos relacionados ao mundo?PRA: Certamente. O bebê já nasce ouvindo teclado de computador, e a internet, como as demais tecnologias de informação, permeia a vida das pessoas desde tenra idade. Não há como escapar, hoje, dos apelos do mundo. Mesmo que algum jovem não tenha o mínimo interesse por "coisas" do mundo, o mundo vem inevitavelmente até ele, pelos mais diferentes caminhos e meios. Ninguém escapa…

8. Os atentados de 11 de Setembro e as subseqüentes guerras no Afeganistão e no Iraque podem ter tido alguma influência no aumento de interesse por Relações Internacionais?PRA: Provavelmente, mas não mais do que MP3, celular, internet de modo geral. Há hoje uma crescente interpenetração entre o nacional e o mundial, todo dia franquias estrangeiras vêem se estabelecer no Brasil, as viagens internacionais são cada vez mais freqüentes e acessíveis, o inglês tornou-se obrigatório para o simples exercício (e vício) preguiçoso do "cut and paste" para os trabalhos escolares, enfim, o mundo vem até nós, aos borbotões. É natural que cresçam e apareçam as profissões e especializações ligadas às relações internacionais, mas os interesses e as oportunidades são ainda muito difusos.

9. Certos cursos, como direito e administração, são opções de vestibular para muitos adolescentes que não sabem exatamente o que querem fazer da vida. Por abranger muitas áreas, a carreira de RI não acaba atraindo mais jovens indecisos?PRA: Exatamente: direito e administração oferecem amplas possibilidades para todos os tipos de vocações, por vezes sequer diretamente relacionadas com os campos temáticos dessas duas áreas. As RI podem, também, oferecer muitas possibilidades, mas, à diferença das duas primeiras, elas não constituem uma profissão reconhecida, "testada" no mercado e expressamente demandadas pelos mercados ou pelas empresas. Essa pequena diferença pode ser decisiva na inserção profissional dos jovens: entre o certo de uma profissão tradicional e o incerto de um campo novo, talvez seja o caso de ficar com o certo. O problema é que o Brasil é um país dotado de muito pouco empreendedorismo, a despeito da tremenda flexibilidade de sua mão-de-obra, revelada na grande capacidade adaptativa e nos esquemas informais que permeiam os mercados de trabalho (existem vários, do mais inserido ao totalmente informal). Uma pesquisa na escola média revelaria, provavelmente, que poucos jovens aspiram lançar o seu próprio negócio, a maior parte deles estando voltada para cursinho ou estudo para algum concurso, qualquer um, em carreira dotada de estabilidade.

Esse problema da "indecisão" dos jovens pode hoje estar levando muito deles para as RI, assim como no passado os jovens "revolucionários" eram atraídos pela sociologia – segundo Mário de Andrade, a "arte de salvar rapidamente o Brasil" – e as jovens casadoiras eram levadas a fazer psicologia, esperando marido… Hoje se faz RI, porque protestar contra a "globalização perversa" virou esporte quase obrigatório entre os jovens…

10. Com tanta oferta de cursos, há espaço suficiente para o profissional em RI no mercado?PRA: Certamente tem ocorrido certa "inflação" de cursos, mas nisso os próprios demandantes levam a culpa: eles "pediram" e os empresários da educação correram para atender essa demanda do mercado de estudantes. Esses "industriais da educação" não estão minimamente preocupados com o espaço do "profissional" de RI – se é possível chamá-lo assim – no mercado de trabalho, esse não é o "departamento" deles. Sua função é a de apenas "fornecer" aquilo que lhes é pedido: um curso e um canudo, depois cada um que se vire como puder num mercado indefinido. Ou seja, não estamos num "supply side economics of international relations", mas essencialmente num mercado demandante por cursos e canudos, o resto fica ao sabor do próprio mercado…

11. O mercado e as empresas estão preparados para entender o que é profissional de RI?PRA: A pergunta deve ser completamente invertida: nem os mercados, nem a fortiori as empresas precisam estar "preparados para entender o que é profissional de RI". Essa não é função deles. Sua única função é recrutar competências para o exercício de atividades profissionais específicas e os requerimentos são estritos: ou o profissional se adapta e atende ao que lhe é demandado, ou então ele pode procurar outro emprego. Por isso, volto a insistir: as empresas, na maior parte das vezes, não querem intelectuais brilhantes que sabem discorrer sobre o Conselho de Segurança da ONU ou o último livro do Keohane, elas querem alguém que saiba redigir um contrato, negociar um acordo com parceiro de outro país, fazer uma boa prospecção de mercado, trazer negócios, lucros e resultados, ponto. Este é o mercado, que deve ocupar pelo menos 80% dos egressos dos cursos de RI, qualquer que seja o seu número (o resto indo para os governos e as academias).
Quem deve entender as (e de) empresas e o (de) mercado são esses profissionais, que se não souberem lidar com essas realidades, se auto-excluem dos melhores empregos nesses mercados. Não é uma questão de preferência, é assim, ponto. As empresas não vão à cata de jovens egressos dos cursos de RI, eles é que devem tentar se oferecer para elas.

Os jovens precisam, desde o início, tomar consciência de que, ao receber o canudo, ao saírem das faculdades, não vai haver uma fileira de "head hunters" esperando por eles na calçada, não haverá sequer um mísero recrutador esperando por eles para dizer: "Venha, meu jovem, tenho um emprego esperando por você!". Isso simplesmente não vai acontecer. Ou eles se preparam, desde o segundo ou terceiro ano, fazendo estágios, montando empresas juniores com seus colegas, pesquisando por conta própria novos nichos de mercado, ou eles vão ficar de canudo na mão reclamando da vida.

Se eu fosse um jovem, hoje, e não um diplomata com 28 anos de carreira, mas ainda disposto a diversificar no privado (ensino e pesquisa, eventualmente consultoria), eu me perguntaria: "qual é o meu nicho no mercado futuro, o que o Brasil ou o mundo me reserva, dentro de dois ou três anos?" Uma breve pesquisa de internet me daria a resposta em 5 minutos, ou a minha própria vontade e vocação determinariam o meu destino imediato. Abstraindo-se a própria carreira diplomática – excessivamente restrita para servir de "colocação" para um grande número de jovens – e algumas outras carreiras no serviço público – analistas de comércio exterior ou de inteligência – e nas academias, o que sobra, obviamente, como "opção" são as empresas, grandes e pequenas. Eu até diria que o "profissional" de RI poderia montar a sua própria, mas o empreendedorismo individual ainda é muito pouco desenvolvido no Brasil.

Nessa perspectiva, é óbvio que um jovem paulistano precisa ter uma visão "global business", é evidente que um jovem do "cerrado central" precisa pensar no Brasil como o grande fornecedor mundial – o que ele já é, mas será cada vez mais – de produtos do agronegócio, é evidente que aqueles que amam praia, sol, florestas e montanhas encontrarão excelentes oportunidades no turismo de massa ou especializado, está mais do que claro que o Brasil tem um imenso campo em todas as áreas nas novas energias renováveis, na exploração dos recursos naturais, na conformação de um espaço integrado na América do Sul. Se eu fosse jovem e quisesse ganhar muito dinheiro, eu já estaria estudando todas essas oportunidades. Tudo isso É relações internacionais, tudo isso é interdependência global, tudo isso é globalização. Quanto antes o jovem se preparar, e não ficar passivamente esperando o fim do curso para depois pensar no que vai fazer, será melhor para ele e para suas famílias.

Desse ponto de vista, acho, particularmente, que os cursos, atuais, das faculdades voltadas para esse campo, e seus respectivos professores, estão muito pouco preparados para atender essa demanda. Trata-se de uma demanda real, não daqueles requisitos prosaicos de uma grade curricular tradicional, que copia passivamente a inércia "humanistóide" dos cursos tradicionais das universidades públicas – em ciências sociais em geral, mas fazendo uma combinação de direito, história, economia e ciência política – que, elas, parecem não ter nenhum compromisso com os mercados reais. Talvez os jovens não encontrem o curso ideal nem nas faculdades privadas nem nas públicas. O melhor, então, seria que eles "construam", sozinhos, e de maneira absolutamente auto-didática (se possível com os colegas), os seus próprios "cursos". Talvez eles não sejam melhores, em qualidade imediata, do que aqueles oferecidos oficialmente pelas instituições de ensino, mas eles certamente serão mais adaptados e estarão mais conformes às aspirações e necessidades dos próprios jovens.

Acho que é hora de deixar de ser passivos: arregacem as mangas, jovens, mãos à obra, construam suas próprias vidas!

Paulo Roberto de Almeida é Doutor em Ciências Sociais, mestre em Planejamento Econômico, diplomata. E-mail: pralmeida@mac.com
Fonte: www.pralmeida.org

 

quinta-feira, 29 de abril de 2010

2106) Uma aluna indecisa: alguns conselhos genericos...

Não tenho pretensões a ser conselheiro vocacional, sequer psicólogo profissional, mas não posso escapar de algumas consultas didáticas ou de algum aconselhamento acadêmico. Sem muito tempo para grandes conversas bilaterais, mas consciente de que muitos outros estudantes podem alimentar as mesmas dúvidas, ou mesmo angústias, de vez em quando me atrevo a fazer o que não devo: aconselhar outros, o que é uma tremenda responsabilidade. Tento fazer da forma mais isenta possível, como se pode constatar abaixo.

Uma consulta "pedagógica"

On Apr 30, 2010, at 1:05 AM, c..... s........ wrote:

Olá! Eu sei que o senhor não me conhece, e talvez ache estranho eu estar lhe enviando este email, mas existem alguns momentos na vida em que nos sentimos bastante perdidos e nos agarramos a tudo que esteja a nosso alcance. Então vou tentar relatar o que está acontecendo comigo.
Eu tenho 17 anos, terminei o ensino médio em dezembro de 2009, já sabendo qual seria o rumo a seguir. Em fevereiro deste ano sai de casa, fui morar em Xxxxxxxx com minhas amigas para fazer um curso pré-vestibular, pois meu objetivo era cursar Relações Internacionais na UFxx. Como sou uma pessoa que sempre busca o melhor pesquisei sobre os melhores cursos de RI do Brasil e descobri que o da UFxx não estava entre os melhores. Então eu larguei o cursinho, voltei para casa e comecei a estudar para o vestibular de invernos da PUC de XXXXX, pois lá o curso é muito bom e o vestibular é mais fácil, portanto não precisaria mais fazer cursinho. Iria tentar entrar na UnB também, sem muitas expectativas, por ser o mais concorrido. A escolha deste curso já era uma certeza para mim, sabia que era isso que eu queria, mas agora parece que tudo mudou, eu não tenho mais certeza de nada. Essa mudança começou quando li uma reportagem sobre o melhor emprego do mundo no [jornal] e aquilo era exatamente o que eu queria para mim, entrei então em contato com o entrevistado e ele me disse que havia feito jornalismo na Xxxx, aqui em Xxxxxxx, pertinho de casa. Bom, ai eu quis fazer jornalismo, mas o problema é que eu não gosto muito de escrever, e na verdade, é isso que um jornalista faz. Mais uma vez fiquei perdida. Existem duas coisas que eu quero depois de formada e eu procuro um curso que me proporcione isso, que são viajar muito, conhecer vários países, várias culturas, ter contato com pessoas diferentes e também ajudar a humanidade, ajudar o meu país e tentar fazer alguma coisa para que esse mundo melhore. Procurei então, cursos que tivessem isso, então minha lista que tinha dois foi para seis. RI, jornalismo, ciências sociais, serviços sociais, geografia e turismo. Não sei mais o que fazer, eu que tinha certeza de tudo, agora não sei mais nada e também não tenho quem me ajude a ver melhor as coisas e saber o que é melhor. Meus pais são maravilhosos e eles vão me apoiar em qualquer decisão, mas ele não me ajudam, eles também não sabem o que dizer para mim. Preciso da ajuda de alguém que tenha uma visão mais ampla do mundo e da vida, porém não conheço nenhuma pessoa que possa me ajudar. Eu estava pesquisando sobre universidade, quando encontrei o teu blog e li algumas coisas, li sobre o senhor também e decidi lhe mandar este email. Sei que você deve ser uma pessoa muito ocupada e não tem tempo para problemas como o meu, já deve ter dor de cabeça suficiente com a suas coisas. Mas mesmo assim resolvi lhe mandar este email, pq não sei mais o que fazer e você foi uma luz para mim. Tenho esperanças que o senhor leia e tenha a bondade de responder. Desculpe o encomodo. Desde já agradeço. Espero que eu não tenha misturado demais e que você entenda o que eu preciso.

Obrigada,
C.... S.......


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Minha resposta (improvisada e rapidamente escrita):

C....,
Duas primeiras observacoes sobre sua longa carta, abaixo, bastante explicativa de sua situacao e de suas duvidas de vida, de estudo e de trabalho.
1) "encomodo" se escreve incômodo. Mas isso você já deveria saber, com 17 ou 18 anos.
2) Se voce não gosta de escrever, isso é terrivel, e é um tremendo handicap para qualquer carreira, mas sobretudo para a diplomacia. Passamos metade do tempo, talvez dois tercos do tempo escrevendo: telegramas, oficios, memorandos, position papers, notas, até comunicados presidenciais e declaracoes oficiais de reunioes importantes, em portugues, espanhol, sobretudo ingles, eventualmente outras linguas tambem. Ou seja, se você nao gosta de escrever, e não consegue escrever bem, eu a desaconselho a tentar a diplomacia.

Voce precisa ser realista e traçar seu plano de vida, pois nao é possivel fazer tudo ao mesmo tempo: "viajar muito, conhecer vários países, várias culturas, ter contato com pessoas diferentes e também ajudar a humanidade, ajudar o meu país e tentar fazer alguma coisa para que esse mundo melhore".
Você poderá, eventual e hipoteticamente, fazer tudo isso, mas não ao mesmo tempo, e sobretudo não concentrado em curto espaço de tempo. Esse é um projeto de uma vida inteira, e como se diz, a caminhada começa com o primeiro passo.
Seu primeiro passo, aliás uma obrigação sua, se os seus pais estão lhe pagando os estudos, seria ter uma boa formação, e se quiser ter sucesso na vida, profissional e pessoal, uma excelente formação. Isso, NENHUMA faculdade, nenhum curso vai lhe dar, NENHUM. Todos são mediocres, professores relapsos e incompetentes, colegas desinteressados, aulas chatas, etc.
Ou seja, ou você se forma sozinha, de forma autodidata, ao lado da frequencia formal das aulas na Faculdade, para tirar um certificado e ter um minimo de orientacao de leituras, ou você NUNCA terá uma boa formação.
Eu não vou lhe indicar um curso, pois acho que isso depende de você mesma sondar sua consciência, se informar sobre os MELHORES cursos de Xxxxxxxx, e fazer um deles.
Eu só vou lhe dizer que você precisaria ler o tempo todo, bons livros, e escrever muito, o tempo todo.
Se você quiser ter sucesso, comece pelas coisas mais simples: seja uma grande leitora, uma grande estudiosa, seja em que profissao ou carreira for, e seja uma escritora plena, pois seu sucesso depende do dominio completo da lingua, lida, falada, escrita. Sim, tenha um excelente ingles, também, pois isso vai lhe ajudar bastante, qualquer que seja a profissao.
Tudo isso voce pode, voce deve fazer sozinha, por sua propria iniciativa, e comecando agora.
Abra o computador, selecione os melhores jornais e revistas do mundo para ler: New York Times, Economist, Washington Post, Financial Times, Le Monde, El Pais, e comece a ler. Cada materia interessante que voce ler. faça um resumo em portugues, de preferência num caderno, para você ir verificando aos poucos sua melhoria de escrita.
Faça um programa de leituras, sistematico, se preferir baseado no Guia de Estudos do Rio Branco: comece a ler TODOS os livros indicados, anotando cada um.
Depois de 4 anos de estudos intensos, você poderá ser uma boa diplomata, ou ter sucesso em qualquer outra profissão.
Estes são os meus conselhos...
Cordialmente,
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Paulo Roberto Almeida
(Shanghai, 30.04.2010)