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sábado, 10 de abril de 2021

Objetivos estratégicos e prioridades táticas do Brasil (2019) - Paulo Roberto de Almeida

Achei um dos trabalhos que fala de reformas no Brasil, não é exatamente o que eu estava buscando, mas pode servir como "estepe". Eu ainda tinha a esperança de que reformas poderiam ser feitas, e algumas de fato foram ou estão sendo feitas, mas na área política interna e na externa, o quadro é pavoroso.

Paulo Roberto de Almeida

Objetivos estratégicos e prioridades táticas do Brasil

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 9 de fevereiro de 2019

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

[Objetivo: estabelecer metas e meios; finalidade: propostas de trabalho]

 

 

1. Características gerais da presente fase de transição no Brasil

O Brasil atravessa atualmente uma fase de transição política e um processo de ajuste econômico, absolutamente necessário depois da mais grave recessão de toda a sua história. Aquilo que pode ser denominado como a “Grande Destruição” lulopetista da economia teve tal dimensão – em termos de perda de crescimento, de desemprego, de desestruturação de amplos setores das atividades produtivas, a começar pelos setores orçamentário e fiscal, nos três planos da federação – que as correções a serem necessariamente introduzidas vão ocupar o executivo e o legislativo por longos meses, provavelmente anos, prevendo-se que as deformações mais graves possam apenas ser parcialmente corrigidas ao longo do mandato governamental de 2019-2022. Cabe então colocar as bases de um futuro processo de crescimento sustentado, com transformações estruturais e distribuição social de seus benefícios, ou seja, a essência do que se chama desenvolvimento inclusivo. Este é o objetivo principal deste ensaio sintético. 

O processo de transição política teve início em maio de 2016, quando se pôs termo um ciclo de três mandatos e meio de um regime politicamente populista e economicamente caótico, o lulopetismo. Após a fase intermediária de dois anos e meio liderada pelo vice-presidente da antiga coalizão governista (mas amputada das forças de esquerda), que presidiu às eleições presidenciais de outubro de 2018, essa transição política deve continuar ao longo de todo o governo que teve início em janeiro de 2019, a partir do novo mandato presidencial de quatro anos, com o titular definido no segundo turno das eleições de outubro de 2018. Essa conformação política não está isenta de crises adaptativas e de turbulências nos planos do Executivo e do Legislativo, uma vez que se trata de nova coalizão de forças, declaradamente de direita, mas integrando outros componentes em três importantes polos de poder: o econômico (agora liberal), o da justiça (egressa em grande medida dos quadros da Operação Lava Jato) e, sobretudo, o militar, com características próprias em relação a experiências precedentes de atuação de militares no sistema político. Este último componente é o mais próximo que se possa pensar de uma atuação corporativa (não estruturada e não formalizada) das FFAA, no seguimento de exemplos históricos precedentes de intervenção militar na política.

O segundo processo, o de ajuste econômico, deve continuar a ser feito ao longo de todo o presente mandato dos dois poderes definidores das políticas públicas (macro e setoriais), o Executivo e o Legislativo, pois comporta um conjunto completo, complexo e difícil, de reformas estruturais e de medidas setoriais, indispensáveis para a retomada de um novo ciclo de crescimento sustentado, num ambiente econômico supostamente mais favorável a uma maior inserção internacional do Brasil. Um dos meios a essa integração do Brasil a padrões mais elevados de qualidade em suas políticas econômicas é o de sua plena adesão plena à OCDE, que no entanto deve ser considerada apenas um meio, não um fim em si mesmo, para tal objetivo. O ajuste econômico é absolutamente essencial para que o Brasil possa conduzir o conjunto de outras reformas nos planos institucional e de integração internacional, sem o qual a base fiscal de sustentação do governo poderia entrar em colapso.

O diagnóstico da situação é, resumidamente, o seguinte: o Brasil está em meio a um processo de recuperação da mais grave recessão de toda a sua história econômica, causada pela inépcia colossal, e a corrupção gigantesca da organização criminosa que assaltou o país em 2003, que provocou uma extrema deterioração de todas as instâncias de governança, cujo partido hegemônico foi alijado do poder em 2016. A organização criminosa não teria chegado aos extremos da destruição a que se chegou se não contasse com a complacência e a conivência de uma classe corrupta de políticos aproveitadores, que se beneficiou e que também ampliou o sistema de roubo oficial instaurado na cúpula do poder pela clique de meliantes políticos e de sindicalistas corruptos.

Os desafios nesse terreno são extremamente relevantes, uma vez que o déficit orçamentário precisa ser sanado, para que se possa reorganizar essa base fiscal, que se constitui no mais relevante problema de curto prazo do país. Secundariamente, o país também tem um problema de médio prazo, que é dos investimentos (em infraestrutura e demais serviços coletivos a cargo do Estado), e que pode ser sanado com novos regimes de concessão, de privatização e de abertura aos capitais estrangeiros. Finalmente, há o enorme problema da produtividade medíocre da economia brasileira, que é de longo prazo, mas que deve ser enfrentado desde já, para permitir a retomada do crescimento em bases sustentadas, com a devida transformação tecnológica da base econômica.

Especificamente no terreno político, o Brasil precisa passar por reformas institucionais dados os problemas acumulados em sua legislação eleitoral e partidária, assim como para atender às demandas da sociedade por maior transparência e maior responsabilização – accountability – no trabalho do Estado e em relação à atuação e comportamento dos agentes públicos, não apenas os executivos e representantes parlamentares, mas também em instâncias do Judiciário. Continuam, de toda forma, as pressões para a própria reforma do Estado e do sistema previdenciário, o principal responsável pelo desequilíbrio estrutural das contas públicas, depois de anos e anos do peso maior representado pelo serviço da dívida, ou seja, os juros e encargos associados.

As mudanças estruturais podem, e devem alcançar, da mesma forma, a interface externa do Brasil, tanto em sua política externa, quanto em sua diplomacia. A política externa não é o foco central do processo de ajuste, constituindo apenas um elemento acessório nas medidas de ajuste, mas ela pode ser um coadjuvante importante, sobretudo no que se refere aos processos de abertura econômica e de liberalização comercial, que contribuem para a competitividade e ganhos de produtividade do Brasil.

Esse conjunto de medidas e de novas políticas requer uma visão clara quanto aos objetivos estratégicos do Brasil, para uma definição dos obstáculos (sobretudo internos) à consecução desses objetivos, das formas pelas quais eles serão superados, assim como no tocante às prioridades (urgências, medidas de curto e médio prazo) que precisarão ser implementadas no curso dos governos seguintes ao do mandato corrente (pois se estima que a meta principal seja, na verdade, um processo contínuo de reformas, não apenas objetivos táticos de curto prazo, que precisam ser implementados até 2022).

Este documento pretende abordar, ainda que de forma perfunctória, cada um desses problemas segundo propostas de ordem geral, para o início de uma discussão a ser levada a efeito desde já. Relaciono, a seguir, os componentes desse processo, que requerem desenvolvimentos mais amplos, a serem oferecidos em textos suplementares.

 

2. Objetivos estratégicos do Brasil: uma visão sintética das tarefas à frente

Apresento as grandes linhas de um plano de governo deliberadamente limitado a um conjunto estritamente definido de objetivos em três campos – desenvolvimento, segurança e integração externa – que compreendem tanto políticas macroeconômicas quanto as setoriais. 

1) Desenvolvimento social como prioridade máxima

Cinco linhas de ação:

1.1. Estabilidade macroeconômica (políticas macro e setoriais);

1.2. Competição microeconômica (fim da cartelização);

1.3. Boa governança (reforma das instituições nos três poderes);

1.4. Alta qualidade do capital humano (revolução educacional);

1.5. Abertura ampla a comércio e investimentos internacionais.

 

2) Segurança pública

Preocupação prioritária da cidadania, como das empresas privadas:

2.1. Integração dos serviços de segurança nos três níveis da federação;

2.2. Reforma dos códigos processuais e do sistema penitenciário;

2.3. Reequipamento das forças de segurança; treinamento.

 

3) Política externa e integração internacional

Revisão dos conceitos básicos da política externa, no sentido da abertura:

3.1. Abertura comercial unilateral, concomitante à reforma tributária;

3.2. Revisão do processo de integração com perspectiva de inserção externa;

3.3. Análise das “alianças estratégicas” em sentido puramente pragmático.

 

Pode-se agora oferecer breves considerações sobre cada uma dessas tarefas. 

 

3. As grandes linhas de um processo de reformas estruturais no Brasil

Sem intenção de debater exaustivamente o conteúdo, os métodos e as diversas etapas desse amplo e complexo processo de reformas, apresento a seguir minhas breves considerações sobre cada um dos “capítulos” do empreendimento.

 

3.1. Desenvolvimento social como prioridade máxima

O objetivo é o de alcançar um processo sustentado de crescimento do PIB, com transformações estruturais do sistema produtivo (aumento da produtividade e inovação), com efeitos sociais positivos vinculados a esse processo, notadamente via qualificação do capital humano. 

Esse processo passa por:

3.1.1. Estabilidade macroeconômica (políticas macro e setoriais)

A estabilidade macroeconômica deve ser preservada com equilíbrio das contas públicas, inflação baixa, flutuação cambial, juros de mercado, reforma tributária, com o objetivo de reduzir a carga fiscal total, mesmo progressivamente. Quaisquer que sejam as políticas macro – fiscal, monetária e cambial – e as setoriais – agrícola, industrial, tecnológica, etc. – a serem implementadas pelo governo, o que cabe ser feito, em caráter emergencial e prioritário, é um combate duríssimo à corrupção associada ao peso descomunal do Estado na economia. No plano fiscal e orçamentário, a sociedade e o sistema produtivo não aceitam mais elevação de impostos e da carga fiscal em geral, o que recomenda uma redução radical dos gastos do Estado e também do seu tamanho e peso na economia; a médio e longo prazo deve-se caminhar para uma diminuição sensível da carga tributária total. Isso passa, entre outros, pela eliminação de empresas e agências públicas inúteis e ineficientes, bem como pela extinção da extração de recursos para fins não produtivos (como, por exemplo, as contribuições sindicais, tanto as entidades patronais, como as de trabalhadores).

 

3.1.2. Competição microeconômica (fim da cartelização)

O Brasil é um país notoriamente dominado por monopólios e carteis setoriais. Cabe definir novas modalidades de prestação de serviços coletivos relevantes, como saneamento básico, educação, saúde, que possam ser oferecidos mais pela via dos mercados do que pela intermediação de entidades públicas, sempre sujeitas a desvios e ineficiências, ademais de se prestarem à criação e preservação de feudos políticos que alimentam o rentismo de elites predatórias e parasitárias. Deve-se implementar a concorrência plena no plano microeconômico, com a eliminação de carteis e monopólios, a privatização das empresas públicas, a abertura dos setores financeiro e de comunicações, a eliminação de controles intrusivos e das limitações às liberdades econômicas, com diminuição da burocracia em todos os níveis. 

Não é preciso constituir grandes comissões de estudo para empreender a tarefa, pois tudo está identificado, mapeado, diagnosticado. Basta aplicar sistematicamente o roteiro traçado nos relatórios anuais do Banco Mundial, “Fazendo Negócios”, para se ter o roteiro das reformas a serem empreendidas em todos os níveis.

 

3.1.3. Boa governança (reforma das instituições nos três poderes)

Uma governança de qualidade, nas diferentes instâncias do Estado, deve começar por importantes reformas no Judiciário (revisão dos códigos processuais; eliminação completa da Justiça do Trabalho, com atribuição de suas competências a varas especializadas e o recurso amplo à soluções arbitrais, com o objetivo mais geral de diminuir o peso do Estado). Uma reforma administrativa geral no Estado brasileiro é tarefa complexa demais para ser descrita neste momento, mas constitui igualmente tarefa básica no sentido da diminuição geral do peso do Estado na vida social.

O Legislativo é fonte notória de distorções, não apenas orçamentárias – pois custa muito mais caro do que congêneres em outros países – mas também em sua administração e funcionamento, com um inchaço inaceitável em todos os níveis em que ele existe na federação. O debate sobre a redução dos legislativos, a diminuição de seus custos, a redução da dispersão e fragmentação partidária e a correção das deformações eleitorais e de representação proporcional, deve começar de imediato, com vistas a um sistema distrital adequado às peculiaridades geográficas e demográficas do país. 

 

3.1.4. Alta qualidade do capital humano (revolução educacional)

Não se trata apenas de reformas nos currículos de ensino, nos dois primeiros níveis, mas de empreender uma verdadeira revolução educacional, a partir do básico e do ensino técnico-profissional, centrada sobre a formação de professores (e talvez a criação de novas carreiras não comprometidas com a isonomia mediocrizante). No terceiro ciclo, deve-se conceder completa autonomia às instituições de ensino superior, tanto públicas quanto privadas, mas com a reforma dos regimes de contratação no caso das primeiras, e atribuição de dotações oficiais limitadas, deixando-se o restante à área de captação livre de recursos junto aos mercados. Os dirigentes dessas instituições devem ser administradores desvinculados das tarefas didáticas habituais (entregues a decanos de suas áreas), aptos a gerir essas instituições de modo empresarial. 

 

3.1.5. Abertura ampla a comércio e investimentos internacionais

Uma política econômica externa compatível com as necessidades do país deve ser caracterizada por abertura econômica ampla e liberalização comercial (unilateral, se for o caso), com adesão a padrões mais elevados no plano regulatório e mais liberal no setor das compras governamentais, com supressão de reservas de mercados, regras de conteúdo local ou preferências de compras nacionais com preço adicional autorizado.

 

3.2. Segurança pública

Trata-se da preocupação prioritária, primordial da cidadania, bem como das empresas privadas, que enfrentam enormes custos de transação, em função dos riscos associados à delinquência crescente, ao aumento geral da criminalidade no país. Cabe, portanto, uma prioridade efetiva à segurança pública, que afeta seriamente o patrimônio e a vida dos mais pobres, a renda da classe média e os lucros dos empresários, o que tem motivado muitos profissionais de qualidade a deixar o país, fechando empresas e elevando o desemprego. Essa área se desdobra em três vetores principais.

3.2.1. Integração dos serviços de segurança nos três níveis da federação

A recomendação é tão óbvia que não exige elaboração explicativa, cabendo apenas lamentar que não tenha ocorrido plenamente até o momento presente.

 

3.2.2. Reforma dos códigos processuais e do sistema penitenciário

A tarefa está contemplada nos planos setoriais do presente governo (2019).

 

3.2.3. Reequipamento das forças de segurança; treinamento

Requer um plano integrado de capacitação dos recursos humanos nessa área, com a adoção de padrões tecnológicos mais sofisticados na segurança pública, bem como um monitoramento constante dos progressos no setor. 

 

3.3. Política externa e integração internacional

Consoante a nova visão de plena inserção do Brasil na globalização, cabe empreender uma revisão dos conceitos básicos da política externa, no sentido da abertura econômica e da interdependência global. A soberania sequer necessita ser objeto de retórica, pois ela se exerce, simplesmente. A diplomacia do Brasil sempre foi universalista, focada no interesse nacional e no direito internacional. O multilateralismo é uma de suas bases inquestionáveis, assim como a ausência de quaisquer limitações de ordem ideológica ou partidária na definição dos grandes objetivos na frente externa. Sem adentrar nas grandes definições conceituais da agenda internacional do Brasil, cabe na presente conjuntura convertê-la em importante coadjuvante do processo de reformas econômicas e comerciais, o que implica novas determinações em três frentes.

 

3.3.1. Abertura comercial unilateral, concomitante à reforma tributária

Não existe espaço, no horizonte previsível, para grandes negociações no plano multilateral, sugerindo-se eventuais acordos bilaterais, que passam necessariamente por um novo perfil da política comercial do Brasil, com ou sem revisão do Mercosul. A exposição do setor produtivo à concorrência internacional – benéfica em si, para os próprios produtores e consumidores – requer a redução da carga tributária no plano interno, e uma reforma não pode ser feita sem a outra, sob risco de desmantelar ainda mais as empresas do setor manufatureiro. Sugere-se considerar uma reforma tarifária baseada no conceito de tarifa única, ou reduzida a apenas duas alíquotas, com vistas a reduzir o volume de barganhas setoriais entre os diferentes ramos da indústria.

 

3.3.2. Revisão do processo de integração com perspectiva de inserção externa

O Mercosul – ademais de eventuais arranjos que possam ser feitos em paralelo ao seu processo de revisão – não é culpado pelo fechamento comercial do Brasil, ou por suas disfunções acumuladas ao longo dos anos, exclusivamente por distorções criadas no período do lulopetismo e por descumprimentos das obrigações institucionais por parte de seus dois maiores países membros. Se e quando esses dois países resolverem cumprir os requerimentos estabelecidos no tratado original, ele voltará a ser uma base para a integração mundial das economias dos países membros. Caberia, portanto, efetuar um exame profundo das opções estratégicas do Brasil em matéria de política comercial, para decidir, a partir daí, se cabe reformar o Mercosul, ou caminhar no sentido da independência total nesse terreno. Uma agenda aberta, portanto. 

 

3.3.3. Análise das “alianças estratégicas” em sentido puramente pragmático

A política externa do lulopetismo conduziu o Brasil a uma série de coalizões político-diplomáticas definidas a partir de uma visão partidária deformada das relações internacionais do país, uma vez que baseada na miopia de um “Sul Global” que não existe, a não ser nas concepções ideológicas de seus promotores. O tema também implica uma revisão profunda das grandes escolhas estratégicas do Brasil na arena mundial, e requer uma exposição específica que não cabe nos limites deste texto. 

O autor já ofereceu amplos comentários a esse respeito em dois livros dedicados a essa área: Nunca Antes na Diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais (Curitiba: Appris, 2014), e Contra a Corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (Curitiba: Appris, 2019). 

 

Este texto é necessariamente sintético, para não prejudicar uma leitura rápida nos diferentes níveis de debate em torno dos objetivos estratégicos (ajuste econômico, reformas políticas e setoriais, melhoria na segurança pública e maior integração à economia mundial) e das prioridades táticas associadas a cada uma dessas áreas abrangentes de políticas públicas: a sustentabilidade fiscal das políticas macro e setoriais, a correção dos enormes desafios em matéria de segurança e uma revisão importante no modo de inserção internacional do Brasil. Um debate responsável e bem informado nessas três áreas requer uma visão clara das prioridades governamentais ao longo dos próximos anos, e uma coordenação rigorosa das ações em nível decisório. 

 

 

Paulo Roberto de Almeida

(pralmeida@me.com)

Brasília, 9 de fevereiro de 2019

 

Balanço e trajetória futura das relações internacionais do Brasil (2018) - Paulo Roberto de Almeida

 Mais um daqueles textos de "reforma", já que eu não consigo achar o que eu quero. Mas este, feito no começo de 2018, era de uma tentativa de planejamento para uma "boa" política externa para o governo que iria começar em 2019. Deu tudo errado...

Paulo Roberto de Almeida

Balanço e trajetória futura das relações internacionais do Brasil

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 20 de abril de 2018

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

 [Objetivo: análise da situação, temas da agenda; finalidade: planejamento]

 

 

Introdução

O conceito de relações internacionais, no presente ensaio, compreende tanto uma breve análise do quadro global, do contexto regional, e das diferentes vertentes do enquadramento do Brasil nesses ambientes, quanto uma avaliação sumária de sua política externa no período recente e da atuação de sua diplomacia, complementando esta síntese por um enunciado resumido das diferentes frentes de trabalho abertas ao país, a cargo dos responsáveis políticos e dos profissionais das relações exteriores.

 

1. O quadro global

A ordem mundial caracterizada pela existência da ONU e de grandes potências autônomas, capazes de influenciar a agenda multilateral, se desenvolve entre as regras do direito internacional e a ação política dos atores mais influentes, com coalizões diversas atuando em diferentes frentes de trabalho, tais como: paz e segurança, comércio mundial e finanças internacionais, blocos regionais e esquemas de integração, desequilíbrios estruturais e permanência de situações de instabilidade política, insuficiência de desenvolvimento e de níveis adequados de prosperidade em largas porções do planeta, desafios comuns advindos de sustentabilidade não garantida, criminalidade e violência em diferentes ambientes interestatais, fragilidades dos regimes democráticos, não observância dos direitos humanos ou sua violação sistemática, etc.

O Brasil se situa nesse quadro como uma potência média, dotada de recursos e fatores produtivos relativamente amplos, mas fragilizado nos últimos anos pela mais grave crise econômica de sua história, provocado inteiramente no âmbito interno, por erros graves de política econômica e extenso quadro de corrupção no próprio seio do poder central, o que diminuiu o ímpeto de sua ação diplomática, sempre muito ativa nas diferentes frentes de trabalho abertas aos profissionais de seu serviço exterior. A recuperação vem se fazendo de forma lenta, porém segura, o que deve garantir, no próximo mandato presidencial, a retomada de dinamismo habitual.

Sua diplomacia sempre se guiou por valores e princípios solidificados ao longo da história, na defesa da igualdade soberana das nações, mas reconhecendo de forma realista as diferenças de poder e de influência nos diferentes processos decisórios nos diversos órgãos da interdependência global contemporânea. Sempre partidário do diálogo e da busca de consenso por meios pacíficos, sua capacidade de projeção em cenários de exercício de poder é relativamente limitada em razão de carência de recursos apropriados para suas Forças Armadas, estritamente limitadas ao desempenho de suas funções constitucionais e alinhadas com sua diplomacia no plano externo. 

A pequena limitação do “domínio de competência exclusiva” nos assuntos internos de cada Estado membro da ONU representada pelo conceito de “responsabilidade de proteger” suscitou a proposta feita pela diplomacia brasileira de “responsabilidade ao proteger”, mas ambiguidades na aplicação dos dois conceitos devem persistir no futuro previsível. Não é seguro que a aparente multipolaridade atual, com o declínio relativo de velhos poderes imperiais e a ascensão de novas potências emergentes, favoreça um ambiente favorável a um multilateralismo ordenado; pode criar novas fontes de tensão, resultantes dessas alterações nas capacidades decisórias. 

Do ponto de vista de sua segurança, não parecem existir ameaças reais ou potenciais que exijam postura ativa de sua defesa, e menos ainda um ambiente regional que requeira uma atitude ofensiva, mas a persistência de tensões localizadas e de conflitos efetivos em diferentes cenários confirma a necessidade de preparação adequada de suas FFAA, sobretudo no quadro de operações multilaterais legalmente autorizadas no quadro do direito internacional e do órgão de segurança da ONU. A proliferação de atores não estatais dotados de certa capacidade destrutiva implica, todavia, inovações doutrinais e adaptação nas ferramentas necessárias a esses novos desafios, sobretudo no campo da criminalidade transnacional. 

O ambiente econômico internacional se apresenta como quase completamente liberado dos modelos alternativos à economia de mercado, mas o recrudescimento de posturas nacionalistas e mercantilistas e de desequilíbrios derivados de contas fiscais deficitárias em grande número de países não poupa o mundo da possibilidade de novas crises financeiras. A demagogia política e o populismo econômico, inclusive por parte de economias dominantes, também podem contribuir para o arrefecimento da construção de uma ordem econômica internacional verdadeiramente interdependente. O Brasil, reconhecidamente, é um país dotado de instintos nacionalistas exacerbados, sendo notoriamente fechado a essa interdependência global, ficando bem mais próximo de uma postura protecionista e mercantilista do que de uma postura propensa à abertura econômica e à liberalização comercial. Sua baixíssima integração a cadeias de valor não augura progressos significativos nessa frente, que demandaria aumentos significativos de produtividade, exatamente dependente dessa maior abertura e da redução da proteção efetiva à produção doméstica, acoplada à melhoria dos padrões de inovação tecnológica.

 

2. O quadro regional

O ambiente geral é desprovido de maiores focos de tensão, embora persistam fricções localizadas em alguns cenários interestatais – Bolívia-Chile, Venezuela-Guiana – ou mesmo internos: guerrilhas residuais, erosão política e “exportação” populacional de crises (Venezuela). O continente sul-americano permanece marcado por amplo quadro de pobreza, a despeito dos progressos realizados, desigualdades persistentes e enormes bolsões de corrupção, quando esta não se encontra incrustrada no próprio seio do poder (como no caso brasileiro a partir de 2003). A América Latina, de modo geral, apenas acompanhou a evolução da economia global, sem grandes avanços estruturais, uma vez que permanece basicamente exportadora de commodities, a despeito do vigor (não isento de retrocessos) dos processos de industrialização. Ela perdeu espaços de forma consistente para a região da Ásia Pacifico nos grandes fluxos de comércio e de atração de investimentos, e não parece pronta a alterar significativamente seus padrões de inserção global, com a exceção de algumas economias adeptas de uma postura globalizante. A Aliança do Pacífico é notoriamente mais aberta que o Mercosul.

Os diferentes experimentos de integração serviram para abrir reciprocamente economias nacionais anteriormente introvertidas ou extrovertidas unicamente em direção dos mercados mais avançados, mas não conseguiram consolidar um espaço econômico verdadeiramente integrado ou dotado de um quadro regulatório uniforme e aberto a uma maior complementaridade entre setores. A cartografia desses vínculos é notoriamente inferior às cadeias de valor existentes em outras regiões, o que se explica essencialmente pela ausência de uniformização nos mecanismos de acesso a mercados e sobretudo pelas enormes diferenças de padrões regulatórios, mais até do que pela existência de barreiras físicas ou as dificuldades de comunicações. 

No plano político, a retórica continua suplantando largamente o pragmatismo necessário ao aprofundamento dos laços inter-regionais, inclusive no Brasil, que se tem revelado tímido em sua própria abertura aos vizinhos, como autorizaria sua economia mais avançada e sua produtividade relativamente mais robusta. Sua diplomacia, entre 2003 e 2016, foi errática ou excessivamente contaminada por influências partidárias claramente enviesadas no plano político e ideológico, o que claramente lhe retirou algumas alavancas para exercer certa preeminência consensual em iniciativas que poderiam ter impulsionado o processo de integração ou de convergência para ações e políticas mais conformes à globalização e à interdependência global. A “exportação” de corrupção, no mesmo período, também deixou uma marca negativa na projeção do Brasil, na região e fora dela. Uma completa normalização de sua ação externa parece depender da instalação de novo governo em 2019, assim como de claras orientações de política externa que caminhem no sentido da integração regional e da inserção global. 

Caberia, a propósito, uma revisão ponderada dos diferentes mecanismos de coordenação política criados na esfera regional durante aquele período, vários deles marcados ou contaminados pela mesma visão enviesada que caracterizou a diplomacia brasileira em outras esferas, bem como o reexame de algumas “parcerias estratégicas”, mais definidas em função dos mesmos critérios puramente políticos do que com base nos reais interesses nacionais. Por fim, os mecanismos de financiamento a projetos no exterior padeceram das mesmas deformações, o que criou uma exposição excessiva dos recursos nacionais a iniciativas dotadas de poucas garantias efetivas de repagamento, o que também pode ser explicado pelas simpatias políticas do regime anterior. 

 

3. Uma agenda de reformas e de modernização

O Brasil continuará padecendo, no futuro imediato, de uma enorme crise fiscal criada pelo regime anterior, que limitará de alguma forma tanto iniciativas localizadas ou multilaterais de projeção de seus interesses quanto seu engajamento decisivo nos processos de interdependência global (que requerem abertura econômica e liberalização comercial). As soluções são praticamente todas de âmbito interno, ainda que a sua diplomacia profissional possa contribuir para a definição e a implementação de toda uma série de reformas internas já suficientemente diagnosticadas e prescritas em vários relatórios de entidades multilaterais ou foros globais. Documentos como o “Fazendo Negócios” do Banco Mundial, os relatórios de competitividade do World Economic Forum, as evidências eloquentes de análises como as inseridas nos estudos “Economic Freedom of the World”, assim como avaliações tecnicamente embasadas de órgãos como a OCDE ou mesmo de instituições nacionais (Ipea, FGV, SAE-PR) representam um manancial completo de “terapêutica e cura” da maior parte dos males nacionais. 

A diplomacia econômica brasileira pode e deve contribuir no e ao necessário processo de modernização econômica do país, trazendo evidências quanto à eficácia de uma série de reformas já efetuadas em outros contextos, mas dotadas do mesmo sentido de abertura resoluta à interdependência global. O fortalecimento da economia nacional, assim como a correção das deformações mais evidentes em seu ambiente regulatório – sobretudo na esfera tributária, no excesso de burocracia, no nacionalismo exacerbado – devem poder assegurar ao Brasil um retorno mais efetivo às iniciativas e à participação efetiva na agenda internacional de que é capaz sua diplomacia profissional. A nova postura necessita de meios adequados à projeção dos interesses brasileiros, não apenas na cooperação com países em desenvolvimento, mas basicamente na aceitação decidida de novos compromissos no plano da interdependência, o que de toda forma emergirá naturalmente a partir da aceitação não defensiva de padrões superiores de qualidade nas políticas macroeconômicas e setoriais, a partir do ingresso pleno do país na OCDE.

Essa interface econômica não representa todos os componentes já presentes na agenda multilateral – global e regional – e nos diferentes outros compromissos já inscritos na ordem do dia da diplomacia brasileira, derivados de suas parcerias já consolidadas ou a serem criadas a partir dessa nova postura engajada. Existem muitos outros itens no multilateralismo político – sobretudo paz e segurança internacionais –, nos foros econômicos, no plano bilateral ou de foros específicos que vão continuar a exigir recursos humanos e financeiros, ademais de uma visão clara das prioridades externas, todos eles amplamente cobertos pela diplomacia profissional. Mas esse lado de reformas econômicas e de modernização da agenda nacional representa a condição sine qua outros objetivos políticos e diplomáticos não poderão ser alcançados. A nova política externa do Brasil deveria dar clara prioridade aos capítulos mais importantes de sua diplomacia econômica. Esta é a direção dos próximos anos.

 

Paulo Roberto de Almeida

(pralmeida@me.com)

Brasília, 20 de abril de 2018

 

 

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Economia brasileira: desenvolvimento histórico e perspectivas futuras - Paulo Roberto de Almeida

Meu trabalho mais recente, para fins de aula na Faculdade e debate em Grupo de Pesquisas Brasil Global: 

3794. “Economia brasileira: desenvolvimento histórico e perspectivas futuras”, Brasília, 19 novembro 2020, 19 p. Síntese histórica, analítica e prospectiva sobre a economia brasileira, com breve exercício de planejamento estratégico, com base nos trabalhos 3381 e 3662, e atualizações pertinentes. Distribuído aos alunos do Grupo de Pesquisas Brasil Global, como última preleção e debate. Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/44537361/3794_Economia_brasileira_desenvolvimento_historico_e_perspectivas_futuras_2020_)


Economia brasileira: desenvolvimento histórico e perspectivas futuras

  

Paulo Roberto de Almeida

Professor de Economia Política no Centro Universitário de Brasília.

(www.pralmeida.orghttp://diplomatizzando.blogspot.com)

  

Sumário: 

1. A economia brasileira em perspectiva histórica

2. Características atuais e desenvolvimentos futuros

3. Desafios da economia brasileira: equilíbrio fiscal, investimentos, produtividade

4. Dúvidas e questionamentos sobre o futuro: o que falta ao Brasil?

4.1. Estabilidade macroeconômica (políticas macro e setoriais)

4.2. Competição microeconômica (fim de monopólios e carteis)

4.3. Boa governança (reforma das instituições nos três poderes)

4.4. Alta qualidade do capital humano (revolução educacional)

4.5. Abertura ampla a comércio e investimentos internacionais

 

Resumo: Síntese do desenvolvimento histórico da economia brasileira, com ênfase na trajetória recente, marcada pelo declínio das taxas de crescimento e uma incapacidade multifatorial de retomada de um nível sustentado de crescimento, com a preservação de indicadores notoriamente negativos de desenvolvimento social. Identificação dos principais desafios a essa retomada, nos planos fiscal, produtividade e de investimentos, com exposição sumária dos elementos mais relevantes para a reforma da governança econômica no país, em cinco grandes áreas de reformas estruturais: macro e microeconomia, governança política e jurídica, recursos humanos e abertura externa.

Palavras chave: Economia brasileira; elementos do atraso; obstáculos às reformas; objetivos de reformas estruturais.

 


1. A economia brasileira em perspectiva histórica

A economia brasileira tem uma longa trajetória de desenvolvimento desde a incorporação de toda a costa atlântica do continente sul-americano às possessões coloniais portuguesas no início do século XVI. Portugal, a despeito de seu tamanho diminuto e de um relativo atraso econômico, comparativamente a outros Estados nacionais em formação na Europa ocidental do começo da era moderna, chegou a possuir um enorme império marítimo nos quatro séculos seguintes, no qual a colônia brasileira ocupava, certamente, uma posição de destaque, chegando a representar, na época da mineração de ouro e diamantes – séculos XVII e XVIII –, praticamente dois terços dos haveres no Tesouro real português. No início limitada à exploração de “pau-brasil”, extraído das florestas atlânticas, a colônia logo desenvolve uma pujante economia do açúcar, que ainda hoje, mais de cinco séculos depois, ainda ocupa parte relevante no grande e estratégico agronegócio brasileiro. Esse ciclo, limitado à costa atlântica do Nordeste, abastecido pela produção de carne do interior, se prolongaria em outros ciclos oportunamente surgidos nas demais regiões da colônia portuguesa.

Durante quatro séculos essa economia se desenvolve em torno de poucos produtos básicos de exportação, à base da mobilização de mão-de-obra escrava – o componente africano na população brasileira é extremamente relevante –, que foram sucessivamente assumindo papel de destaque nos chamados “ciclos de produtos”: junto com a cana de açúcar, o algodão, os metais preciosos (hoje representados apenas pelo minério de ferro, extremamente abundante no planalto central), o gado (para o abastecimento interno da população, atualmente um dos principais componentes das exportações), o cacau, a borracha amazônica, mas sobretudo o café, que durante dois séculos foi central na economia brasileira, desde a formação do Estado independente até praticamente os anos 1960, tendo justamente servido para financiar a industrialização. Desde os anos 1970, a soja foi ocupando papel central na produção agrícola, chegando a representar, a partir do século XXI, o principal sustentáculo competitivo do setor, com produtividade comparável aos melhores índices internacionais.

No último meio século o Brasil conheceu um processo intenso e bem sucedido de fortalecimento de sua base industrial, ao mesmo tempo em que a revolução agrícola nas terras centrais sustentou a constituição de uma potente agricultura comercial, cujo principal produto, a soja, rivaliza em vendas no comércio internacional com quaisquer outros grandes concorrentes nas exportações agrícolas. O Brasil é um dos poucos países do mundo perfeitamente habilitados a fornecer alimentos – carnes, grãos, possivelmente lácteos – à ainda crescente população mundial, ao mesmo tempo em que o agronegócio investe pesadamente em energias renováveis com base na biomassa. Junto com as demais energias alternativas – eólica e solar –, o Brasil promete sustentar igualmente a demanda futura nessas duas vertentes do abastecimento estratégico para o mundo do século XXI: a segurança energética e a segurança alimentar. 

As taxas médias de crescimento do PIB ao longo desse período real variaram muito em função da conjuntura econômica, do contexto internacional, mas basicamente em virtude das políticas econômicas implementadas pelos sucessivos governos, que perderam qualidade intrínseca progressivamente. A partir dos anos 1980, o Brasil enveredou por tendências declinantes na taxa de crescimento do PIB, permanecendo abaixo da média mundial e bem abaixo dos emergentes dinâmicos como revelado nos indicadores econômicos de crescimento da tabela abaixo: 

 

Taxas médias de crescimento anual do PIB, 1950-2009

Período

Taxas

Período

Taxas

1950-59

7,1

1980-89

3,0

1960-69

6,1

1990-99

1,7

1970-79

8,9

2000-09

3,3

Fonte: IPEA data, contas nacionais

 

(...)


Ler a íntegra neste link: https://www.academia.edu/44537361/3794_Economia_brasileira_desenvolvimento_historico_e_perspectivas_futuras_2020_ 


domingo, 18 de outubro de 2020

Reformas (economia brasileira) - Marcos Lisboa (FSP)

Reformas

Marcos Lisboa

Folha de S.Paulo18/10/2020


Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005). Escreve aos domingos

Aumentaram os sinais de preocupação com a paralisia da agenda de reformas. Os problemas recrudescem depois da recuperação dos últimos meses.

A desvalorização cambial afetou os índices de preços no atacado. Contratos indexados ao IGP, como aluguéis, terão reajustes perto de 20%. A inflação de alimentos está alta e, aos poucos, contamina outros preços.

Os indicadores de vendas no varejo começam a arrefecer. Os dados de atividade que sairão nas próximas semanas vão refletir o terceiro trimestre, mas não a desaceleração atual do consumo. A incerteza sobre a sustentabilidade da dívida pública leva ao aumento das taxas de juros, o que desestimula o investimento.

Reformas que reduzam o crescimento do gasto público obrigatório, contudo, são rejeitadas por sindicatos de servidores. A revisão de subsídios, por sua vez, encontra resistência no setor privado.

Há consenso sobre a disfuncionalidade do regime tributário. As muitas regras existentes distorcem os preços relativos e induzem decisões ineficientes de produção, prejudicando a produtividade e também o crescimento.

A maioria defende uma reforma que elimine as distorções, porém desde que não reduza seus próprios privilégios. Não atentam que já pagam mais tributos do que imaginam em razão das elevadas alíquotas incidentes sobre insumos essenciais, como energia.

Os grupos organizados se recusam a ser tratados como os demais e inviabilizam a adoção de uma alíquota única para todos os bens e serviços. O impasse preserva o regime que torna o país mais pobre.

Discute-se um novo tributo sobre pagamentos, assemelhado à CPMF, que prejudica o investimento e o crédito, em troca da redução da contribuição sobre a folha salarial, que financia a Previdência.

Não se discute, porém, reduzir a contribuição para o Sistema S, que onera igualmente a folha, só que para sustentar interesses privados e representações patronais, como Fiesp, CNI e CNS.

As reformas são combatidas pelos grupos organizados, públicos e privados, que sobrevivem graças aos favores do Estado patrimonialista.

A maioria da sociedade civil, aquela parte que trabalha e que paga a conta, por vezes se divide e se opõe às reformas para preservar seus pequenos privilégios, como subsídios.

As lideranças dessa maioria deveriam apoiar uma agenda que passe a tratar com isonomia os diversos setores produtivos, a começar pela tributação. Além disso, há o desafio de reduzir as imensas distorções do setor público, inclusive nos estados e municípios. Não será fácil, pois todos teremos que aceitar perdas pontuais.

Apenas dessa forma conseguiremos nos contrapor aos interesses cartoriais que nos condenam à mediocridade.

 

segunda-feira, 6 de maio de 2019

Por que o Brasil nao consegue se reformar? - Marcos Mendes

Como a França, mas com uma renda per capita cinco vezes menor, e uma escola pública cinco vezes pior, o Brasil é um país dificilmente “reformável”. Enxames de políticos, alcateias de corporações, xusmas de capitalistas promíscuos, maltas de prebendalistas e rentistas em todas as partes disputam o privilégio questionável de extorquir os únicos agentes econômicos produtivos que existem: empresas comuns, sem vínculos no governo, diretamente ou via associações setoriais (que costumam ser sindicatos de ladrões) e os trabalhadores do setor privado, simples contribuintes compulsórios de um Estado voraz, transformado em ogro famélico, em sanguessuga eterno dos verdadeiros criadores de riqueza na nação.
Paulo Roberto de Almeida

Por que é tão difícil fazer reformas no Brasil?

País tem características que dificultam mudanças

Para voltar a crescer e diminuir a desigualdade de renda, o Brasil precisa fazer um conjunto amplo de reformas. Previdência, tributos, mercado de crédito, ambiente de negócios, segurança jurídica, abertura comercial, privatização, políticas sociais e educação. 
Não é fácil fazer reformas em nenhum lugar do mundo. Reformar significa tirar privilégios de alguns grupos, que obviamente resistem. Os custos são concentrados em poucos, e os benefícios são difusos. Os prejudicados se organizam e resistem, enquanto os beneficiários muitas vezes nem sequer sabem que estão ganhando com aquela medida. 
Reformas também provocam incerteza: ainda que todos saibam que o país ficará melhor no futuro, cada indivíduo enfrenta a incerteza de qual será a sua situação particular após a reforma. Afinal, empregos menos eficientes tendem a ser destruídos e outros são criados, requerendo novas habilidades. Muitas pessoas temem não se adaptar à nova realidade, em especial os mais velhos.
Os resultados das reformas também demoram a aparecer. No Chile, por exemplo, em 1985, dez anos após o início das reformas, a renda per capita ainda era a mesma de 1969. Somente nos anos 1990 a renda começou a subir de forma consistente. 
Na Nova Zelândia, uma reforma radical, que transformou o país em uma das sociedades mais prósperas do mundo, gerou, inicialmente, uma taxa de desemprego de 14%, que só voltou ao padrão pré-reforma depois de dez anos. 
O calendário das eleições é mais curto que o prazo para o efeito das reformas. O próximo pleito acontece antes de as reformas elevarem a popularidade do governante reformista. 
Apesar dessas dificuldades, ao longo dos últimos 50 anos, muitos países fizeram reformas abrangentes. Estudando essas experiências, podemos observar características desses países que ajudaram a quebrar resistências. Infelizmente, o Brasil não possui nenhuma dessas características "facilitadoras" de reformas.
Em primeiro lugar, é mais fácil reformar economias de países pequenos. Estes não têm mercado interno significativo e precisam se abrir para o mundo. Com economia aberta, são mais vulneráveis a oscilações da economia internacional e, por isso, precisam manter a macroeconomia saudável. Para atrair capitais externos, precisam de uma Justiça rápida e segura. 
Além disso, têm uma elite menos numerosa, o que diminui o custo de transação para realizar acordos. Também têm governo unitário, não sofrendo os conflitos e bloqueios gerados nos sistemas federativos. Singapura, Malta, Hong Kong, Estônia, Nova Zelândia e Irlanda seriam exemplos nesse grupo. 
O Brasil, grande, fechado e com uma Federação conflituosa, está longe desse perfil.
Outra característica importante está na transição de ditaduras para democracias. Países que fizeram reformas econômicas antes da abertura política geraram uma economia dinâmica, capaz de elevar a renda, ampliar a classe média, criar ambiente de mercado estável e consolidar o liberalismo econômico, conduzindo a mais investimentos e crescimento. Com o tempo, a melhoria das condições de vida induz a transição para regime democrático, como ocorreu na Coreia do Sul, no Chile, na Malásia e na Indonésia, por exemplo. 
Por outro lado, redemocratizar antes de reformar a economia pode levar ao populismo e a mecanismos de apropriação de renda por grupos de interesse. 
Em uma economia fechada e estatizada, há grande espaço para a inscrição de privilégios e políticas inconsistentes na legislação. Esse parece ter sido o caso de Brasil, Argentina e Filipinas. Fazer reformas nesses países é muito mais difícil agora, pois significa desmontar benefícios a grupos organizados, cristalizados na Constituição e nas leis. 
Também facilitam as reformas os sistemas político-eleitorais que induzem a geração de maioria no Legislativo, dando maior governabilidade ao Poder Executivo. 
No Reino Unido, por exemplo, as eleições para o Parlamento seguem o modelo distrital, com voto majoritário, que induz a disputa entre dois grandes partidos, com o vencedor quase sempre sendo majoritário no Legislativo e, portanto, capaz de aprovar reformas sem precisar contar com o apoio de outros partidos.
Além disso, é mais fácil fazer reformas em Parlamentos unicamerais, onde uma medida não precisa passar pelo referendo de Câmara e Senado. Também facilita o fato de cada um dos três Poderes ter claramente delimitado o seu raio de ação, não havendo espaço para o Judiciário interferir em decisões do Legislativo.
Mais uma vez o Brasil não tem tais características. Nosso sistema eleitoral gera grande fragmentação partidária no Parlamento, temos sistema bicameral e frequente judicialização das decisões legislativas e das políticas públicas. 
A literatura também mostra que sociedades mais coesas são mais capazes de gerar os acordos sociais necessários para realizar reformas. Essas são sociedades em que a classe média tem uma parcela grande da renda (e, portanto, a desigualdade geral é baixa) e na qual há baixo grau de violência. 
Em geral, são sociedades em que as pessoas têm padrões de vida similares, não temem agressões físicas ou aos seus direitos. Por isso têm maior confiança umas nas outras e nas instituições públicas.
Confiança é essencial para o sucesso de reformas. Afinal, estas ​nada mais são que um acordo em que todos fazem sacrifícios no curto prazo com vistas a ter um futuro melhor. Se há baixa coesão e desconfiança, cada grupo de interesse tentará empurrar os custos da reforma para o outro, e a negociação emperra ou a reforma tem seus custos colocados nas costas dos mais fracos.
A figura acima mostra que o grau de coesão social no Brasil é extremamente baixo. No eixo horizontal, temos a participação da classe média na renda (percentual da renda total que vai para os 60% dos indivíduos no centro da distribuição de renda). Somente África do Sul, Namíbia, Zimbábue, Moçambique e Guiné-Bissau têm classe média "mais magra" que a brasileira, ficando mais à esquerda no gráfico.
No eixo vertical temos um índice de violência e confiança mútua. Nesse quesito, o Brasil só supera Camarões e Costa do Marfim. E fica um pouco abaixo de Quênia, El Salvador e Libéria.
A localização do país na parte inferior esquerda do gráfico é uma imagem clara da nossa baixa coesão social. Somos inequivocamente um país desigual, violento, em que as pessoas não confiam umas nas outras. No canto superior direito do gráfico estão os países mais coesos. 
A importância da coesão social como fator de estabilidade tem ficado clara nos recentes episódios de radicalização política vividos em diversos países. O encolhimento da participação da classe média na renda tem gerado desconforto com a representação política tradicional, e novos partidos extremistas têm ganhado espaço em vários países. Há crescente fragmentação partidária, levando a governos minoritários, como na Espanha e na Itália.
O Brexit surgiu de movimento de descontentamento de uma classe trabalhadora ameaçada pela abertura comercial. Donald Trump e sua política externa mercantilista têm origem semelhante. 
No Brasil, o baixo consenso social alimenta um ambiente antirreformas por uma combinação de populismo, conflito distributivo em torno de rendas intermediadas pelo Estado, fragmentação política e protecionismo comercial e regulatório.
Não obstante todas essas dificuldades "estruturais" para fazer reformas no Brasil, sempre surgem algumas janelas de oportunidade. Em geral, elas são criadas por crises, que evidenciam a necessidade de mudanças e enfraquecem a defesa de interesses corporativos específicos.
Também abre espaço para reformas o "efeito lua de mel", que existe nos primeiros meses de gestão de um governante recém-eleito.
Desde os anos 1980, o Brasil aproveitou essas situações para fazer reformas. Assim, por exemplo, a crise de balanço de pagamentos de 1982-83 gerou reformas fiscais e monetárias. A hiperinflação criou condições para o sucesso do Plano Real. 
O efeito lua de mel no governo Collor permitiu um movimento de abertura comercial, e nos governos FHC e Lula viabilizaram-se duas reformas da Previdência. 
Da crise de balanço de pagamentos de 1998 vieram o sistema de metas de inflação, o câmbio flutuante e o regime de metas fiscais.
Porém, recentemente o Brasil andou na direção contrária. De 2005 a 2015 vivemos um período de reversão de reformas. A crise política do mensalão levou à expansão do gasto público como forma de sustentar politicamente o governo. Uma expansão no preço internacional de commodities deu impulso ao crescimento e criou a ilusão de que os desequilíbrios fiscais estruturais estavam resolvidos. 
Relaxou-se o equilíbrio fiscal e praticou-se política pública na direção oposta das reformas de que o país necessita: aumentou a interferência estatal nas decisões privadas, a exploração do petróleo foi praticamente reestatizada, houve generalizada interferência do governo nos preços de energia e combustíveis, proteção setorial e fechamento da economia, grande desperdício de recursos públicos e privados em investimentos inviáveis.
A crise daí decorrente abriu nova oportunidade de reformas, e o governo Temer avançou nessa agenda, criando um teto de gastos, fazendo reformas relevantes no mercado de crédito, revertendo a estatização do setor de petróleo, retomando o controle dos gastos públicos e as privatizações e concessões, desmontando equivocadas políticas de créditos subsidiadas.
Porém, as reformas necessárias ainda são muitas. O que fazer para continuar avançando? 
Em primeiro lugar, temos de reconhecer que, no ambiente adverso em que vivemos, elas levarão décadas para se concretizar. A Nova Zelândia, que fez reformas radicais em tempo recorde, com condições políticas e institucionais favoráveis, consumiu dez anos. Na Austrália foram 20 anos. No Brasil será muito mais. 
As reformas serão um tema presente por muitas décadas. Não é uma corrida de 100 m, em que se faz reforma durante um mandato e o país passa a crescer aceleradamente. É uma maratona, que requer persistência. Se não for possível aprovar reforma ampla hoje, aprove-se algo mais restrito, mas na direção correta, e retome-se mais adiante.
Não podemos desperdiçar oportunidades: as propostas de reforma precisam estar prontas, na prateleira. Se a condição política para uma reforma ficar difícil, muda-se a agenda e parte-se para outra. Foi o que ocorreu no governo Temer, quando a reforma da Previdência se inviabilizou e, rapidamente, a agenda mudou para a reforma do mercado de crédito.
Mais importante que não perder oportunidades é não dar espaço para retrocessos. O Brasil não pode ter outro período nefasto de contrarreformas como o do passado recente.
Para que as reformas ganhem crescente apoio social, é preciso que elas sejam capazes de reduzir a desigualdade e ampliar a classe média. 
Felizmente temos espaço para isso. O Estado brasileiro é concentrador de renda, e as reformas podem fazer o país mais igualitário, gerando clima favorável a novas rodadas de modernização. O desenho das diversas reformas sempre precisará ter essa preocupação redistributiva e de criação de empregos para os mais pobres.
Como esse processo de redistribuição e aumento de coesão é lento, é essencial uma convincente política de comunicação, para já no curto prazo induzir a cooperação e apoio. 
É preciso olhar, também, a dimensão da violência e da baixa confiança. Já passou da hora de o Brasil ter um plano sério e consistente de redução da violência, que deve ser conduzido simultaneamente às reformas econômicas. 
Em relação à confiança, é preciso investir em sistemas eletrônicos de certificação e garantias nos negócios, em agilização e maior previsibilidade da Justiça. A digitalização dos serviços públicos aumenta a confiança no governo e o controle a fraudes nos programas sociais. 
O combate à corrupção, tão demandado pela sociedade, precisa ser usado como argumento a favor da reforma. Privatizar reduz espaço para o uso corrupto de empresas públicas. Também reduzem a corrupção: o fortalecimento das agências regulatórias, a melhoria da governança dos fundos de pensão das estatais ou o aperfeiçoamento e transparência das contas públicas.
No âmbito do Legislativo, dada a alta resistência política às reformas, deve-se preferir sempre a tramitação mais curta, para diminuir as chances de uma crise política paralisar o processo, como ocorreu com a reforma da Previdência no governo Temer. Uma vitória parcial em um tema abre a agenda para que se trate de outra reforma. 
As relações entre os três Poderes precisam evoluir, para que haja clara delimitação das fronteiras dos poderes de decisão, para evitar tanto a judicialização da política quanto a politização do Judiciário.
Na arena política, a experiência de reformas econômicas bem-sucedidas na Austrália, na Índia, na Coreia e na Nova Zelândia indicam que um ingrediente essencial é a liderança do processo pelo presidente da República (ou primeiro-ministro). A terceirização da responsabilidade enfraquece e mutila as reformas.
Também é preciso reconhecer que formar governo de coalizão não é crime. Em qualquer lugar do mundo onde o Parlamento é importante na aprovação de reformas, um Poder Executivo minoritário compartilha o poder para poder ter maioria e aprovar seus projetos. 
Se há atos criminosos por parte de algum ministro indicado por partido aliado, demite-se o ministro, entrega-se o caso à Justiça, e o partido responsável por aquele ministro indica substituto. 
O atual momento de crise e de lua de mel é propício para reformas. Mas não há automatismos, e o ambiente continua hostil. Será preciso muita arte e habilidade política para que não se perca essa oportunidade histórica para avançar em direção a um país mais rico e civilizado.