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segunda-feira, 27 de novembro de 2017

5 coisas que aprendi dando aula numa universidade publica brasileira - Paulo Roberto de Almeida


5 coisas que aprendi dando aula numa universidade pública brasileira

Paulo Roberto de Almeida


Em uma vida erraticamente nômade, ao longo de quase 40 anos de carreira diplomática (metade da qual passada no exterior), e de atividades acadêmicas bastante diversificadas, desenvolvidas ao longo de um período ainda maior em universidades públicas e privadas, do Brasil e do exterior, mesmo se de forma intermitente, aprendi algumas coisas, boas e más, que cabe reportar agora aos leitores com vistas a cumprir um duplo objetivo: de um lado, uma pequena instrução em direção das almas cândidas (ou seja, todos aqueles alheios ao universo mental e material das instituições de ensino superior), de outro, um exercício de avaliação das IPES – as instituições públicas de ensino superior, basicamente federais e estaduais –, que não ignoram as críticas que, contra elas, pretendo dirigir (com a melhor das intenções).
Nos últimos treze anos tenho sido professor de um centro universitário privado, o que não me eximiu de continuar a conviver, e de aprofundar o meu conhecimento do funcionamento (precário, cabe dizer desde logo) das IPES, uma vez que sou convidado regularmente a participar de bancas (de mestrado, de doutorado e de seleção de novos professores), de seminários, de colóquios e mesas redondas, a proferir palestras, a emitir pareceres a artigos apresentados a periódicos, sem esquecer as dezenas de conferências e congressos (de relações internacionais, de história econômica, de estudos de defesa, ou quaisquer outros temas afins) vinculados a associações de que faço parte ou que me estendem convites para integrar mesas. Mas já fui professor convidado ou temporário de IPES, em alguns estados, e posso dizer, assim, que conheço as “entranhas do monstro”, como diria o patriota cubano José Marti a propósito do imperialismo.
Quando digo “monstro” não é com qualquer atitude depreciativa ou agressiva, embora algumas IPES mereçam, provavelmente, esse sentido negativo, pelo que tenho registrado como bizarrices e idiossincrasias em várias delas. Quero dizer que as IPES cresceram razoavelmente desde quando o sistema de ensino superior público foi reorganizado, logo no início do regime militar, para dar conta da enorme pressão da classe média em prol dessa poderosa alavanca de ascensão social rigorosamente colocada a serviço dos estratos mais privilegiados da sociedade, com alguma abertura aos egressos das classes populares. Ao crescer, não desmesuradamente, elas passaram a absorver uma fração significativa dos orçamentos públicos do setor educacional, em total desproporção com a cobertura correspondente dos estratos etários suscetíveis de serem acolhidos pelo ensino público nos dois primeiros níveis. Elas são “monstros” porque são responsáveis por uma apropriação de recursos mais do que inversa, na verdade aberrantemente desigual, em relação ao recrutamento operado nas faixas etárias que corresponderiam às respectivas taxas de matrícula (aquilo que os americanos chamam de “enrollment rate”). Numa palavra, as IPES “coletam” da sociedade quase dez vezes mais por aluno universitário (e o que gravita em volta) do que o que é alocado aos estudantes dos níveis precedentes do ensino público. Ou seja, existe uma pirâmide de gastos totalmente invertida com respeito ao número de beneficiários, estreitamente ridícula na sua base minúscula e extremamente generosa com o punhado de jovens entre 18 e 24 anos que frequentam as IPES.
A injustiça social e as bases empíricas da desigualdade de oportunidades já nascem desse fato simplório (?!), mas não é disso que pretendo falar, pois suponho que esse tipo de escândalo seja razoavelmente conhecido da comunidade universitária, pública ou privada, que vive, gravita e sobrevive nesse universo de iniquidades educacionais tipicamente jabuticabal. Minha intenção é a de chamar a atenção para algumas de peculiaridades das IPES, por imaginar que a maior parte do público não universitário não tenha delas um conhecimento suficiente, e que continua a considerar que elas são parte importante, necessária e indispensável, do processo brasileiro de desenvolvimento, quando elas podem, na verdade, estar contribuindo para dificultar esse processo, ao consagrar um rol de bizarrices do qual cumpre dar cabo.
De minha experiência como professor de algumas delas – não preciso dizer quais – retirei certas constatações, que passo agora a expor e desenvolver.

1) A oferta universitária pública não corresponde necessariamente à demanda
Uma regra básica de qualquer provimento de bens – públicos ou privados, não importa muito aqui distinguir um ou outro – é a de que essa oferta deve atender a uma necessidade percebida, real, pré-existente, por parte da “clientela” consumidora desses bens e serviços; a educação é um serviço de natureza especializada que atende a uma demanda real existente na sociedade, qual seja, a formação e capacitação de mão-de-obra, para fins úteis, públicos ou privados. Em princípio, as IPES deveriam ser objeto de debate legislativo, de ordenamento de recursos apropriados por parte de órgãos de governo (planejamento, educação, saúde, trabalho, etc.) e de contínua avaliação da adequação desse provimento às necessidades sempre cambiantes de uma economia dinâmica, aberta à concorrência e competição entre sistemas públicos e privados (pois assim reza a Constituição).
Não é segredo para ninguém que as IPES funcionam em bases razoavelmente “privadas”, isto é, eles são reservadas essencialmente para uma clientela relativamente rica (classes A, B+, BB, e um pouco B-, com alguns merecedores representantes da classe C), que se apropria dos impostos daqueles que nunca terão seus filhos nesses templos da benemerência pública. Na verdade, essa clientela é a parte menos importante do grande show da universidade pública, que vive basicamente para si mesma, numa confirmação plena do velho adágio da “torre de marfim”. Não se trata exatamente de marfim, e sim de uma redoma auto e retroalimentada pela sua própria transpiração, com alguma inspiração (mas não exatamente nas humanidades e ciências sociais). A Capes e o CNPq, ademais do próprio MEC-Sesu, asseguram uma confortável manutenção dos aparelhos que mantém esse corpo quase inerme em respiração assistida, ainda que com falhas de assistência técnica, por carência eventual de soro financeiro.
Nessa estrutura relativamente autista, a definição das matérias, disciplinas e linhas de pesquisa a serem oferecidas a essa distinta clientela não depende do que essa clientela pensa ou deseja, e sim da vontade unilateral dos próprios guardiães do templo, ou seja, os professores, inamovíveis desde o concurso inicial, independentemente da produção subsequente. A UNE, os diretórios estudantis, os avaliadores do Estado, os financiadores intermediários (planejamento, Congresso, órgãos de controle) e últimos de toda essa arquitetura educacional (isto é, toda a sociedade) e, sobretudo, os alunos não possuem nenhum poder na definição da grade curricular, no estabelecimento dos horários, na determinação dos conteúdos, na escolha da bibliografia, no seguimento do curso, no acompanhamento do desempenho dos alunos, enfim, no desenvolvimento do aprendizado, na empregabilidade futura da “clientela”, que fica entregue à sua própria sorte. Sucessos e fracasso são mero detalhe nesse itinerário autocentrado, que não cabe aos professores, às IPES, ao MEC responder pelos resultados obtidos (ou não), que de resto são, também, uma parte relativamente desimportante de todo o processo.
O Brasil vive, supostamente, em regime capitalista – cum grano salis, ou com toneladas de sal – mas as IPES estão num ambiente pré-medieval, numa certa anomia organizacional que permite a qualquer escolástica gótica sobreviver em meio a ventos e marés, sem qualquer punição de mercado, que é o critério básico sob o qual vivem todos os capitalistas ofertantes de bens e serviços para uma clientela ciosa de boa qualidade a preços razoáveis. Na universidade, esses critérios são irrelevantes, pois aquele elemento do cálculo racional, a relação entre insumo e produto, a linha de montagem e o produto final, tudo isso não tem a menor importância, inclusive para o que, ou para quem, serve o “produto” das forjas acadêmicas. Não que a universidade pública, as IPES necessitem funcionar segundo os princípios e requerimentos do capitalismo de mercado – parece uma redundância, mas é que existe o capitalismo de Estado, e o Brasil sabe disso –, ainda que as privadas sejam em grande medida obrigadas a isso. Mas essa coisa da “tirania dos consumidores” – que segundo Mises condiciona as economias de mercado – não se aplica ao universo metafísico das IPES, que pairam no espaço sideral sem precisar se reabastecer na Terra (ou apenas em poucos movimentos rápidos).
Isso pode mudar algum dia? Dificilmente. Só se as universidades públicas forem obrigadas a trabalhar em regime de “market-like arrangements”, ou seja, se elas apenas receberem um subsídio básico do Estado – ou seja, de todos nós – e tiverem de suprir todas as demais necessidades atendendo a uma clientela exigente, de “consumidores” ciosos das mensalidade que terão de consentir pagar – uma vez terminada a ficção constitucional de que “o ensino é direito do cidadão e dever do Estado” –, clientes que só consentirão alimentar o “mensalão” universitário se tiverem certeza de que aquela gororoba que lhes é servida em sala de aula serve para alguma coisa no mundo real.

2) Ausência de qualquer vínculo entre orçamentos e resultados
Não basta apontar a já citada desigualdade orçamentária, monstruosa, entre os três níveis de ensino; é preciso referir o aumento contínuo dos orçamentos universitários em total desproporção à sua contribuição para o desenvolvimento educacional de quem paga os salários de professores e funcionários das IPES, inclusive daqueles que não são, nunca serão, beneficiários da prebenda universitária. Sem qualquer consulta documental ou acesso a dados específicos, é possível afirmar, sem medo de errar, que as IPES – se computadas em seus gastos totais – gastam a maior parte de suas dotações com pessoal e encargos associados a isso. Pode até não aparecer na planilha das próprias instituições, uma vez que professores e funcionários – estáveis como seria de se esperar – recebem diretamente do governo federal (ou estaduais, conforme o caso), o que não torna menos verdadeira a total dissociação entre esses gastos ou despesas e a produção que as IPES deveriam retribuir à sociedade pelos salários garantidos, independentemente do retorno que a sociedade estaria no direito de exigir. Os próprios acadêmicos não veem qualquer relação entre seus salários, ou vencimentos, e os impostos pagos pela sociedade.
Esses acadêmicos, sobretudo os da área de humanidades, devem achar que a sociedade não tem nada a lhes cobrar, cabendo-lhe apenas sustentar os “produtores de ciência”. Nessa concepção, eles estão, ou estariam, fazendo um grande favor pelo simples fato de existirem, como acadêmicos descompromissados com qualquer aspecto material, em especial aqueles ligados ao mercado, sempre visto com desconfiança nesses meios. A sociedade deveria ser-lhes grata apenas por constituir um espaço livre de qualquer contaminação mercantil.
Independentemente do fomento à pesquisa, dos fundos setoriais e de todas as demandas por financiamento público às suas atividades, as IPES possuem, entranhado em seu DNA, um estatismo secular e renitente, o que seria compreensível em vista o papel cumprido no passado em favor do desenvolvimento nacional via Estado, se essa característica não tivesse, hoje, efeitos nefastos sobre o crescimento econômico. Vários estudos empíricos já demonstraram a existência de uma correlação negativa, direta e linear, entre os níveis de gastos governamentais e a taxa de crescimento econômico. As evidências são tão gritantes que o tema não merece maiores desenvolvimentos a não ser uma remissão à bibliografia pertinente (remeto a uma simples consulta aos trabalhos de James Gwartney, nos relatórios anuais do Economic Freedom of the World). Bastaria agregar que as IPES também têm falhado em demonstrar – com poucas exceções em alguns departamentos de economia – que o Estado brasileiro converteu-se, de antigo promotor, em atual obstrutor, de fato, do processo de desenvolvimento, aspecto geralmente negligenciado na maior parte dos estudos acadêmicos.

3) Produtividade é um conceito exótico, um ser estranho na galáxia universitária
Que as IPES sejam contumazes e notórias campeãs em improdutividade acadêmica tampouco deveria constituir um segredo para os que ousam se aproximar das estatísticas relativas à produção registrada sob a forma de patentes ou outros títulos de propriedade. Existem poucos reflexos de sua “produção” no mundo real. Depois de terem se beneficiado – e supostamente beneficiado a sociedade – com a construção de um sistema universitário relativamente completo, e aparentemente eficiente, com a formação de recursos humanos de melhor qualidade que aqueles previamente existentes, as IPES deram início a um processo de introversão autocentrada, o que as levou a se isolarem da sociedade e a desenvolver comportamentos entrópicos e autistas que, ao fim e ao cabo, redundaram numa quase completa desconexão em relação ao mundo real, em especial com o universo daqueles que lhes fornecem os recursos de sua subsistência, os únicos produtores de riqueza na sociedade, que são os empresários e trabalhadores. Mesmo professores de economia não sentem necessidade de estudar microeconomia na prática, ou seja, frequentando empresas e visitando unidades produtoras: para que, se tudo já se encontra apresentado, de forma limpa e clara, nos manuais universitários?
Existe, por certo, um “produtivismo” aparente, que são as pontuações requeridas para a classificação dos cursos e para a aferição da “produção” dos acadêmicos, tal como presentes nos formulários e plataformas administrados pela Capes ou CNPq. Mas esse “quantitativismo” primário é seguidamente criticado pelos acadêmicos, que não admitem terem de apresentar números para suas doutas elucubrações. Produtividade – que aliás só aparece na Constituição de 1988 para garantir ganhos correspondentes a determinadas categorias de trabalhadores, sem qualquer aferição dos resultados reais – é algo que não deveria se aplicar a esse mundo impoluto; pareceria até uma ofensa aos acadêmicos cobrar-lhes resultados efetivos segundo alguma definição prévia de metas e objetivos. A produtividade – junto com a qualidade do ensino público – é o problema básico do Brasil, agora e pelas décadas seguintes, mas não parece haver consciência dessa tragédia entre acadêmicos, ou na sociedade em geral.

4) As sinecuras acadêmicas são mais importantes do que os alunos
O papel primordial da universidade sempre foi o da formação de mestres e pesquisadores, algo que no Brasil teve início tardiamente pela formação de quadros de elite para o Estado, sem que tivessem sido desenvolvidas as atividades formadoras básicas nos dois ciclos precedentes. Quando a universidade se instalou, ela o fez de forma superestrutural, cuidando basicamente do terceiro ciclo, sem olhar para os dois ciclos anteriores. O descomprometimento com os dois ciclos iniciais de estudo ainda continua a marcar a atitude geral da academia em relação ao problema educacional brasileiro, em que pese a atuação de alguns dos seus mestres renomados e atuantes nos diversos processos de reforma do ensino básico. A universidade brasileira deveria voltar bem mais os olhos para a realidade educacional brasileira como um todo.
Quer seja no que se refere à formação de quadros para os ciclos precedentes, quer seja no retorno à sociedade de suas atividades de pesquisa, financiadas com recursos da sociedade, a universidade brasileira tem deixado a desejar ao longo de sua existência consolidada. Embora a maior parte dos cursos “científicos” e “tecnológicos” isolados – que depois vieram a integrar a universidade – tenha se constituído tendo em vista o provimento de soluções e respostas práticas aos problemas colocados pelo mundo da agricultura e da indústria, a atenção prioritária da universidade esteve mais concentrada na própria universidade, não necessariamente numa agenda percebida de problemas nacionais básicos. Como é também o caso da burocracia pública, as IPES servem prioritariamente para servir a si mesmas.
Pode-se argumentar que formação de professores nunca foi pensada como sendo a função básica da universidade brasileira, mas caberia aí reconhecer um desvio de origem, não um plano de trabalho que possua legitimidade social. O viés superestrutural fica mais uma vez evidente. Quanto à pesquisa, parece evidente, igualmente, seu alheamento do setor produtivo, ao lado de outros comportamentos ainda mais nefastos, como uma persistente cultura anti-patentes e uma renitente, embora decrescente, postura antimercado. Os cursos de humanidades representam, obviamente, o padrão típico desse tipo de comportamento, ao qual, contudo, não estão isentos mesmo as áreas vinculadas aos estudos tecnológicos e de hard sciences.
O problema vai muito além do que já tinha constatado, desde 1985, Edmundo Campos Coelho, em seu aclamado (e pouco lido) livro A sinecura acadêmica: a ética universitária em questão (São Paulo: Vértice, 1985), já que atingindo bem mais do que bancas de seleção de professores, cargos comissionados, apoios financeiros e prebendas institucionais de modo geral. Ele transformou-se num problema sine cura, alcançando o próprio núcleo do sistema de produção acadêmica, ou seja, sua própria substância, que é a capacidade de produzir obras originais, em linguagem acessível a um público mais vasto, mas dentro de rigorosos padrões acadêmicos de qualidade.

5) Reitores não são gestores, mas amigos da corporação “isonômica”
A despeito de certos progressos, a universidade pública continua resistindo à meritocracia, à competição e à eficiência. Ela concede estabilidade no ponto de entrada, não como retribuição por serviços prestados ao longo do tempo, aferidos de modo objetivo. Ela premia a dedicação exclusiva, como esta se fosse o critério definidor da excelência na pesquisa, ou como se ela fosse de fato exclusiva. Ela tende a coibir a “osmose” com o setor privado, mas parece fechar os olhos à promiscuidade com grupos político-partidários ou com movimentos ditos sociais. Ela pretende à autonomia operacional, mas gostaria de dispor de orçamentos elásticos, cujo aprovisionamento fosse assegurado de maneira automática pelos poderes públicos. Ela aspira à eficiência na gestão, mas insiste em escolher os seus próprios dirigentes, numa espécie de conluio “democratista” que conspira contra a própria ideia de eficiência e de administração por resultados. Ela diz privilegiar o mérito e a competência individual, mas acaba deslizando para um socialismo de guilda, quando não resvalando num corporativismo exacerbado, que funciona em circuito fechado.
Tudo isso aparece, de uma forma mais do que exacerbada, na “eleição”, e depois na “escolha”, dos seus respectivos “reitores”, que não deveriam merecer esse nome, pois regem pouca coisa, preferindo seguir, por um lado, o que recomenda o Conselho Universitário – totalmente fechado sobre si mesmo – e, por outro, o que “mandam as ruas”, no caso, os sindicatos de professores e funcionários. Algumas IPES chegaram inclusive a conceder o direito de voto igualitário a professores, alunos e funcionários, uma espécie de assembleísmo que é o contrário da própria noção de democracia, se aplicada a uma instituição não igualitária como dever ser a universidade.
Com todos os desvios acumulados ao longo dos anos, a universidade pública tornou-se parte do problema do desenvolvimento nacional, sem necessariamente apresentar-se como parte da solução desse problema. O problema básico do país não se situa tanto na universidade pública, e sim no ciclo universal de ensino, mas ela não tem feito o suficiente para diagnosticar esse problema e encaminhá-lo de forma satisfatória. Ela poderia dizer, por exemplo, que o sistema nacional de ensino requer um pouco menos de pedagogos no MEC e mais administradores nas escolas, gestores sensatos, dotados de ideias simples como boa gestão dos recursos públicos e a fixação de metas precisas, para atingir resultados escolares satisfatórios.
Os reitores das IPES, aliás, deveriam ser basicamente administradores não vinculados aos clãs e seitas da própria universidade, preferencialmente recrutado por meio de anúncios de jornal – por exemplo, na Economist – só podendo ser escolhidos se apresentarem um plano de metas a ser cumprido em dois anos, podendo ser renovado se tiverem sucesso. O Conselho Universitário não pode ser uma ação entre companheiros, e sim integrado por membros da comunidade, sobretudo por homens de negócios, em paridade com os professores (se não em maior número). As dotações públicas deveriam atender ao seu funcionamento essencial, cabendo o financiamento de projetos ser objeto de prospecção feita junto à comunidade local, ou a quaisquer empresas interessadas, de qualquer nacionalidade e área de trabalho. Professores reitores acabam se tornando reféns dos colegas ou de grupos de interesse, e o resultado é geralmente o investimento nos meios, não nos fins. As melhores universidades do país, mesmo aquelas que dispõem de recursos pré-alocados – como cotas em determinados impostos ou taxas, por exemplo – acabam inapelavelmente descambando para a inadimplência e a falência.

Back to basics: para evitar o afundamento completo da educação brasileira
A educação brasileira vem sendo “afundada” devido a uma combinação involuntária de fatores perversos que ultrapassam a capacidade da universidade de corrigi-los, mas aos quais ela não deveria estar alheia, uma vez que a degradação do ensino básico e do secundário vem se refletindo cada vez mais na mediocrização da graduação universitária, com possível contaminação dos cursos de pós. Quando a universidade não se posiciona claramente contra suas próprias deformações, evidentes neste ensaio perfunctório, ela contribui para a deterioração geral dos padrões de ensino e pesquisa. Ao não reagir claramente contra regimes de cotas, contra a politização demagógica de suas estruturas de funcionamento, a universidade sanciona a tendência declinante da educação pré-graduada e com isso compromete a qualidade dos seus próprios cursos. Nunca é tarde para que a universidade retifique algumas tendências ao autismo acadêmico e participe de modo mais afirmado dos diagnósticos e soluções aos mais graves problemas brasileiros de desenvolvimento. Ela já o fez no passado, pelo menos de modo parcial, e pode certamente voltar a dar sua contribuição na presente fase de impasses e de lento estrangulamento do processo de crescimento econômico. Esperemos que ela o faça, para o seu próprio bem...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 2 de outubro de 2017

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