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sexta-feira, 2 de março de 2012

Mario Machado, again, again, imperdivel -- 13 de maio(s)

Voilà, transcrito uma vez, transcrito duas vezes, não pela quantidade, mas pela qualidade.
Meu amigo Mario Machado engrandece estas páginas.
Paulo Roberto de Almeida 

Liberdade, escravidão. Viva a liberdade!

Coisas Internacionais, 13 de maio de 2010
Hoje é 13 de maio aniversário da assinatura da Lei Áurea, lei que tardiamente, diga-se de passagem, extinguiu a escravidão no Brasil. Essa prática nefasta, absurda que viola a dignidade de todos, que foi até o século XVIII e XIX algo comum na humanidade, em todas as civilizações. Até mesmo entre os povos nativos das Américas havia escravidão.

Não vou discorrer sobre a escravidão ao longo da história humana, deixo essa tarefa aos historiadores, que conduzem com rigor esse debate. Nem vou elencar aqui beneficiários e participantes do comércio negreiro que abasteceu o Brasil colônia e império. Espero, de coração, que todos os escravagistas, escravocratas, caçadores de escravos, feitores e capitães do mato, que não tenham se arrependido de sua maldade, ardam no inferno, onde pertencem. (Sou Católico, portanto acredito em inferno).

Prefiro, como sempre, nessa data celebrar a liberdade. Disse ano passado nesse blog, que viver livre é meu dever, dever de consciência, devo a meus ancestrais que toleraram trabalhos forçados, injúrias racistas, tortura física e psicológica, além da indignidade de serem tratados como objeto (comprados e vendidos), e que resistiram a isso na esperança de serem livres.

A liberdade veio, e ser livre não é fácil, as condições do fim da escravidão resultaram em que há uma participação desproporcional de descendentes de escravos, nas camadas mais pobres da sociedade, algo que tem que ser resolvido. A meu ver humilde, o caminho para resolver isso é termos no Brasil escolas públicas de qualidade, que formem bem seus alunos, além disso, mais liberdade econômica para que pequenos negócios de periferia prosperem, assim teremos mão-de-obra produtiva e capaz, cidadãos cientes e ciosos de seus deveres e um ambiente de crescimento econômico, que diminua a distância e que permita que pessoas independentemente de sua origem social, e racial avançar economicamente e dar a seus filhos boas condições de vida que é um desejo comum a todos.

O racismo, o verdadeiro racismo, é um adversário perigoso, por que gera estigmas que perseguem grupos inteiros, como o estigma de que um negro seria preguiçoso, uma imagem que de certo vem dos escravocratas. É preciso combater o racismo e não estimulá-lo.

Sou descendente de escravos, não me envergonho de maneira alguma da minha tez escura, mas não sou raça pura, sou mestiço, como a maior parte do Brasil. Por sinal tenho horror a idéias de raça pura, que ouço muito, coisas tipo negro deve casar com negra, quem diz isso, diz por que deseja valorizar sua herança cultural, honrar seus ancestrais, mas não posso coadunar com uma idéia, que é em essência racista. Não posso aceitar que a cor da pele me limite, que seja ela que decida, a profissão que posso ter, onde posso morar, que elevador tomar, que pessoa namorar, que música ouvir. Ceder a essa patrulha é abrir da liberdade.

E não posso ceder a minha liberdade, não posso deixar de pensar por minha própria cabeça, devo isso, aos que foram escravos e não podiam assim proceder. Ser livre é algo sagrado para mim, até a minha própria religião é construída sobre várias noções, inclusive a do livre-arbítrio, ou seja, a capacidade de escolher, que é na essência ser livre.
Não sou inocente a ponto de dizer que não há racismo por ai, já fui infelizmente vitima de práticas discriminatórias, como já ouvi piadinhas, inclusive de professores e autores de relações internacionais, muito conceituados, que acusam em seus livros os EUA de serem um país essencialmente racista, mas que no trato pessoal, me tomaram como segurança do evento, por causa certamente da minha altura e físico, e também, por que um homem negro de terno dentro de certos ambientes deve ser o segurança. Mas, isso não me abate. Fui criado para ter confiança em mim mesmo, para não deixar que me definam, sei que tenho que provar sempre minhas capacidades, mas isso vale para as mulheres e meus colegas brancos. Se eu tenho que fazer um esforço extra, bem, é algo que chateia, que é injusto, mas é o mundo em que vivemos, e quem sabe meu bom trabalho e esforço meus filhos não tenham que fazer um esforço extra.

Mesmo já tendo sentido a discriminação, sei também, por experiência própria, que a maior parte da população brasileira não é racista, ainda que tenha aqui e lá algum ranço racista, alguma piadinha fora de hora, de pessoas que são, também, negras, ou pelo menos afrodescendentes que é a palavra da moda. Mas, nesse particular outros grupos sofrem, seja por religião, ou pro opção sexual (se o termo opção for cabível, o que suspeito que não é).

Há ainda o tal racismo velado que tanto se fala, ele é um sintoma de um racismo covarde, cínico e cheio de desfaçatez, mas também diz algo sobre o Brasil, e no meu entender, diz que no Brasil o racismo é considerado algo feio, (se não errado na mente doentia do racista, é deselegante, mau educado) que não é bom que seja feito a plenos pulmões, o que é positivo em certo sentido, por que permite a convivência de migrantes europeus, asiáticos, africanos, com as populações que aqui já estavam, como os negros da migração involuntária, europeus colonizadores e os índios sobreviventes.  

O Brasil não é uma democracia racial, que queremos, mas está longe de ser um país essencialmente racista. Temos muito que avançar, mas temos que avançar muito em todas as áreas do desenvolvimento humano. Isso é fato. Mas, me recuso a crer que alguém é racista ou me odeia só por que é branca, asiática, ameríndia, ou mais escura que eu.

Preconceituosos e intolerantes sempre existirão e para eles temos que aplicar a lei quando é o caso. É preciso resistir a tentação de dar uma resposta violenta, que é grande, grande mesmo, ser injuriado racialmente, gera uma raiva gigantesca, que pode cegar. Mas, via de regra a violência não é uma boa saída, eu como artista marcial (praticante de judô e jiu-jitsu), recomendo que não se parta para a violência, mas consigo entender quem perde a linha.

Muito falta para que chegue o dia sonhado, aquele dia em que todos serão julgados pelo conteúdo de seu caráter e não pela cor de sua pele, contudo em honra a todo o sofrimento de meus ancestrais, em honra a luta de negros e brancos que lutaram pela causa abolicionista, por todos aqueles que se arriscaram, muito, pela liberdade, que eu não vou nunca me permitir ser cerceado em minha liberdade de expressão, não me deixarei ser patrulhado, devo a eles viver livremente. 

2 comentários:

Mário Machado disse...

Professor,

Obrigado pela transcrição que muito me honra. E muito obrigado pela palavras de apreço por que vindas de quem não teme chamar idiotas de idiotas fica a certeza de que são palavras verdadeiras.

Abraços,

Anônimo disse...

"Lord, we ask you to help us work for that day when Black will not be asked to get in back, when Brown can stick around, when Yellow wil be mellow, when Red man can get ahead,man-...and when White will embrace what is right."
*Preacher Josesph Lowery; excerto de discurso por ocasião da posse de Barack Obama; Washington-DC, janeiro de 2009.

Vale!