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sábado, 5 de novembro de 2016

A grande ilusão do socialismo e dos socialistas: Mauricio Tragtenberg - Paulo Roberto de Almeida (2010)

Ao ler algumas recentes homenagens ao velho mestre -- que foi também o meu, que o admirava por sua independência de pensamento, suas vastas leituras -- e informações sobre a republicação de algumas de suas obras, lembro-me que produzi, muitos anos atrás, um texto sobre nossa relação intelectual que também era uma homenagem a Mauricio Tragtenberg, mas que não deixava de assinalar os elementos utópicos de seu pensamento.
Esse artigo, bem longo, se chamava "A educação de Mauricio Tragtenberg", que vou recuperar para indicar o link de sua leitura.
Alguns anos depois, com um outro discípulo do mestre, e editor da revista Espaço Acadêmico, Antonio Ozai, homenageando Tragtenberg num pequeno artigo da revista, resolvi escrever novamente sobre ele, um pequeno artigo que posso reproduzir abaixo.
Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 5/11/2016


A grande ilusão do socialismo e dos socialistas - Mauricio Tragtenberg

Paulo Roberto de Almeida
terça-feira, 7 de setembro de 2010

Fui aluno, talvez discípulo, mas certamente amigo de Maurício Tragtenberg, com o qual convivi em meus anos de formação acadêmica. Dele obtive a melhor inspiração de leituras e reflexões, como ocorreu com tantos outros jovens que também foram seus alunos e que com ele conviveram dos anos 1960 aos 1990, nas diversas escolas e faculdades em que ele lecionou. Como todos, eu tinha o maior respeito pelo mestre, pelas suas aulas e ensinamentos, o que não quer dizer que acatei totalmente suas ideias e concepções.
No começo, sim, tendíamos a concordar com ele, pois éramos todos socialistas, quase todos marxistas, alguns libertários, como ele, o que não era difícil no ambiente universitário daqueles tempos – talvez mesmo hoje –, ainda mais no contexto da ditadura militar vivida pelo Brasil dos anos 1960 aos 80.
Estas rememorações me vieram à mente ao ler uma resenha feita por Antonio Ozaí na Espaço Acadêmico de setembro de 2010. Destacou ele um trecho de um dos livros – o qual já tinha lido em edição anterior – agora reeditado graças aos esforços de seus seguidores, alunos, discípulos. Assim reza o trecho:

"É pela socialização dos meios de produção controlados pela classe operária organizada em suas organizações diretamente representativas, que é possível efetuar-se a passagem de uma sociedade liberal capitalista a uma sociedade planificada, evitando o capitalismo de Estado e o totalitarismo, conservando as liberdades básicas do homem."
In: Mauricio Tragtenberg: O capitalismo no século XX (2ª. ed. revisada e ampliada. São Paulo: Editora UNESP, 2010; Coleção Maurício Tragtenberg, 186p.), p.170-171.

Ao ler esse trecho, constato que nesses poucos argumentos estão resumidos, de forma muito transparente, a grande tragédia do socialismo e dos socialistas, incluindo, portanto, o próprio Mauricio Tragtenberg. Rememoro meu último encontro com ele, exatamente como ocorreu, e depois retomo o argumento substantivo.
Fui visitar Mauricio Tragtenberg em sua casa, em meados dos anos 1980, depois de longos oito anos de intervalo, ao ter voltado de minha segunda estada na Europa, e depois de ter conhecido praticamente todos os socialismos reais, aliás, os únicos existentes. Tinha também conhecido um socialismo “surreal’ na Iugoslávia, a última réstia de esperança para aqueles que, como ele, valorizavam não o socialismo burocrático, centralizado, mas a sua vertente auto-gestionária, supostamente mais benigna ou pretensamente mais “funcional” (já que seria isento dos pecados do excesso de centralismo e de burocratismo estatal).
De forma puramente factual, pude confirmar, para decepção do velho mestre, que, em qualquer da modalidades, o socialismo não funcionava como modo de produção econômica, e menos ainda como forma de organização social. O sistema simplesmente não conseguia fornecer à população bens de uso corrente (esqueçamos produtos mais sofisticados), na quantidade e na qualidade requeridas
Se formos, então, analisar seu desempenho na área política, e nessa vertente a questão crucial das liberdades, seria forçoso concluir que TODAS as experiências socialistas redundaram em fracassos absolutos, já que todas elas recorreram à mais violenta das tentativas de remodelação social conhecidas na história, e todas conduziram a sistemas autoritários, quando não totalitários, e a uma opressão ainda maior do que aquela existente nos antigos sistemas feudais ou capitalistas.

Portanto, ao reler o velho mestre, nas linhas selecionadas na resenha, que acreditava que seria:

“...possível efetuar-se a passagem de uma sociedade liberal capitalista a uma sociedade planificada, evitando o capitalismo de Estado e o totalitarismo, conservando as liberdades básicas do homem

o que eu teria a dizer-lhe, novamente – e que já tinha dito diretamente a ele, em minha volta do socialismo – seria que, NÃO, infelizmente, essa passagem não é possível, pois NENHUMA sociedade planificada centralmente, no sentido socialista – ou seja, sem garantir a propriedade privada dos meios de produção – JAMAIS conseguiu preservar as liberdades básicas do homem.

Sorry, velho mestre, mas a História não esteve consigo, nesse particular, ou seja, não caminhou no sentido desejado por tantos libertários e outros sonhadores socialistas. Não se trata de falhas teóricas dos socialistas ou de incapacidade organizacional de seus movimentos de massa, e sim de impedimentos estruturais que têm a ver com as prescrições formuladas para a organização econômica da sociedade, de uma contradição primária, como diriam os “sábios” da academia soviética.
Tudo isso não me impede de saudar a enorme erudição do mestre, agradecer-lhe, sempre, as inúmeras lições intelectuais que recebi dele, as infinitas recomendações bibliográficas e de leitura, e aquele fino gosto pela ironia que era a marca registrada de Mauricio Tragtenberg.
Grato por tudo, velho mestre, mesmo estando do outro lado do processo histórico, do lado da utopia, esta era formulada com a melhor das intenções, e você foi um homem verdadeiramente digno, honesto intelectualmente, uma personalidade admirável. Minha homenagem a um educador exemplar.

Paulo Roberto de Almeida
(Shanghai, 8 de setembro de 2010)

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