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sexta-feira, 13 de abril de 2012

Coreia do Norte: o pais du SUPER-GULAG

Desculpem as maiúsculas, mas de fato a Coreia do Norte merece: seu Gulag é muito maior, proporcionalmente, e muito mais longo, do que os exemplares (e como!) da URSS stalinista e da China maoista.
Um verdadeiro horror, praticamente desconhecido do mundo.
Paulo Roberto de Almeida 

Turning a blind eye to North Korea’s ‘hidden gulag’

The Washington Post, Editorial Board, April 12, 2012

WHILE ATTENTION focused on North Korea this week ahead of Friday morning’s missile launch, hundreds of Americans, Koreans, Japanese and others gathered in Washington to examine a different aspect of life in that communist nation: its “hidden gulag.”
That was the title of an unprecedented conference organized by the U.S. Committee for Human Rights in North Korea (HRNK) and the Jacob Blaustein Institute for the Advancement of Human Rights. The gulag is a network of labor camps that houses 150,000 to 200,000 prisoners. They are generally arrested for no crime, sent away with no trial, never again allowed to communicate with anyone outside the camps, fed on starvation rations and forced to work until they die. Other than from one camp, according to South Korean expert Yoon Yeo-sang, no one deported to North Korea’s gulag is ever released.
As noted by Blaine Harden, author of the recently published book “Escape from Camp 14,” the North Korean gulag has existed twice as long as did the Soviet network of labor camps created by Lenin and Stalin, and 12 times as long as Hitler’s concentration camps. Yet, for the most part, “Americans don’t know anything about these camps,” Mr. Harden said. “They don’t know they exist.”
This is not, the title of the conference notwithstanding, because the gulag is all that hidden, although North Korea’s regime continues to deny its existence. In fact, as David Hawk said, a great deal is known about the camps, both from the testimony of those who have escaped and from satellite imagery. Mr. Hawk has just published the second edition of his definitive survey, also called “The Hidden Gulag,” which draws on horrifying testimony from 60 former prisoners.
The reason for the ignorance is mostly political. The United States, with a goal of keeping the peace and depriving North Korea of nuclear weapons, has not made human rights a priority. In South Korea, the gulag has been a political football between left-wing politicians favoring warmer ties with the North and right-wing politicians pushing a harder line. China, North Korea’s neighbor to the north and west, abuses the human rights of its own population and does not believe any country’s freedom to abuse its population in the same way should be interfered with.
China, in fact, is complicit in North Korea’s abuses, since it sends many defectors who have made it across the Yalu River back into North Korea, where they face punishment or, if they are repeat escapees, execution. North Korean women who have become pregnant in China often are forced to abort their children. “In cases where the pregnancy is too advanced, guards beat the infants to death or bury them alive after they are born,” writes Roberta Cohen, the chair of HRNK.
Inevitably, there remains much that is unknown. It’s impossible to be confident of a population count for the gulag, Mr. Hawk said, because it’s not clear whether deaths are outpacing deportations.
Enough is known, however, for indifference to be inexcusable. As a first step, the United Nations could establish a commission of inquiry to investigate crimes against humanity taking place inside the prison camps. As Ms. Cohen said, “It is not just nuclear weapons that have to be dismantled but an entire system of political repression.”

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Gulag: uma história dos campos de prisioneiros soviéticos - Resenha Paulo R Almeida

Addendum ex-ante (et, ça existe!):



Acabo de ver, numa livraria em Paris, um livro que acaba de ser publicado, um testemunho unico, excepcional, de um guarda (forçado) do Gulag: 

Ivan Tchistiakov:
Journal d'un Gardien du Goulag (1935-1936)
(Paris: Dénoel, 2012)
Traduit du Russe, préfacé et annoté par Luba Jurgenson; Introduction d'Irina Scherbakova

Pouca coisa se sabe de seu redator, apenas que era uma pessoa educada (engenheiro ou técnico superior, formado pouco depois da revolução de 1917), que por algum motivo qualquer (talvez porque não fosse proletário) foi mobilizado compulsoriamente para servir no corpo de guardas do Gulag, um vasto empreendimento que no momento da máxima extensão da repressão stalinista dos anos 1930 (possivelmente até 1939-41, pois depois a mobilização para a guerra desviou tropas) chegou a ter 355 mil pessoas, encarregadas apenas do controle do que deve ter sido uma "massa escrava" de mais de um milhão de prisioneiros do Gulag.
O relato desse mobilizado (que morreu na frente de batalha, logo em 1941, e seu diario foi miraculosamente preservado por gente da família, cujos descendentes o entregaram ao Memorial do Comunismo, exemplar único do gênero), é impressionante pela crueza das descrições, pelo aspecto pungente dos relatos, uma vida dura a começar pelos próprios guardas...
Paulo Roberto de Almeida 

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Que vergonha: uma micro-resenha de um livro de 700 páginas sobre o mais monstruoso dos holocaustos, e o maior dos crimes em volume de sacrificados:


9. “Gulag: anatomia da tragédia”, Brasília, 12 dezembro 2004, 3 p. Resenha de Anne Applebaum: Gulag: uma história dos campos de prisioneiros soviéticos (Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, 744 p.). Publicada em formato resumido na revista Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 2, nº 6, janeiro de 2005, p. 78; link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1761:catid=28&Itemid=23).  Relação de Trabalhos nº 1364. Relação de Publicados nº 534.

Aqui a versão ultra-resumida da revista: 


Gulag: anatomia da tragédiaImprimirE-mail
Paulo Roberto de Almeida
O terror moderno, intimidação para fins políticos, não está ligado apenas ao fundamentalismo de base islâmica. Nasceu na Revolução Francesa, e Robespierre defendeu-o: "O terror nada mais é do que justiça imediata, severa, inflexível..." Desde os primeiros dias da revolução de 1917, Lenin ordenou à Cheka, a polícia política, que fuzilasse opositores declarados do novo regime e proprietários em geral. "Estamos exterminando a burguesia. Esta é a essência do Terror Vermelho" (citado por Paul Johnson em Tempos Modernos). Stalin aplicou as recomendações, incorporando como "clientes" da máquina de terror seus colegas de partido.
A historiadora americana, editorialista do Washington Post e colaboradora do Wall Street Journal, realizou uma pesquisa monumental. O Gulag chegou a ser responsável pela produção de um terço do ouro, muito do carvão, da madeira e de outras matérias-primas na União Soviética. O sistema reuniu 476 campos. O número de prisioneiros passou de cerca de 200 mil no início dos anos 1930 para 2,5 milhões no momento da morte de Stalin. No total, 2,7 milhões de cidadãos podem ter morrido no sistema do Gulag.

Aqui a minha versão também resumida, mas um pouco maior: 

Gulag: anatomia da tragédia

Resenha de:
Anne Applebaum:
Gulag: uma história dos campos de prisioneiros soviéticos
(Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, 744 p.; tradução de Mário Vilela e Ibraíma Dafonte; ISBN: 8500015403)

            O terror moderno, isto é, o recurso à intimidação aberta e indiscriminada para alcançar fins especificamente políticos, não está ligado apenas aos exemplos cruéis do fundamentalismo de base islâmica. Ele nasceu na Revolução francesa e seu mais conhecido "teórico", Robespierre, o defendeu sem hesitação: "O atributo do governo popular na revolução é ao mesmo tempo virtude e terror, virtude sem a qual o terror é fatal, terror sem o qual a virtude é impotente. O terror nada mais é do que justiça imediata, severa, inflexível...".
            Lenin, o inventor do terror moderno, apreciava Robespierre e sua "justiça expedita": desde os primeiros dias da revolução de 1917 ele ordenou à Cheka, a polícia política imediatamente criada para esmagar a ameaça "contra-revolucionária", que fuzilasse sem hesitação não só os opositores declarados do novo regime, mas também representantes da classe proprietária em geral, capitalistas, grandes comerciantes e latifundiários, religiosos, enfim, os potenciais "inimigos de classe".
            "A Cheka não é uma comissão de investigação nem um tribunal. É um órgão de luta atuando na frente de batalha de uma guerra civil. Não julga o inimigo: abate-o... Nós não estamos lutando contra indivíduos. Estamos exterminando a burguesia como uma classe. A nossa primeira pergunta é: a que classe o indivíduo pertence, quais são suas origens, criação, educação ou profissão? Estas perguntas definem o destino do acusado. Esta é a essência do Terror Vermelho" (citado por Paul Johnson em Tempos Modernos).
            Stalin se encarregou de aplicar sistematicamente as recomendações de Lenin, e o fez de uma forma completa, terminando por incorporar como "clientes" da máquina de terror administrada por ele os seus próprios colegas de partido. A amplitude do Gulag, ampliado e desenvolvido no seu mais alto grau por Stalin, justifica que apliquemos a ele a categoria de genocídio, noção que costuma estar associada apenas aos terríveis experimentos raciais nazistas, antes e durante a Segunda Guerra Mundial.
            O livro de Anne Applebaum não é, apenas, como seu subtítulo indica, "uma história" dos campos soviéticos, mas a mais completa e sinistra história de um fenômeno único na história da humanidade: uma instituição oficial (ainda que em muitos aspectos "clandestina"), montada e sustentada pelo poder central do Estado, para administrar pelo terror, por um tempo indefinido, uma população inteira de um dos países mais importantes do planeta. A historiadora americana, editorialista do Washington Post e colaboradora do Wall Street Journal, realizou uma pesquisa monumental, indo muito além dos primeiros levantamentos de Alexander Solzenitsyn em torno dos depoimentos dos sobreviventes do nefando sistema de escravização em massa criado pelo totalitarismo soviético.
            Organizado em três partes, o livro documenta amplamente o que até aqui tinha sido divulgado de maneira dispersa em trabalhos de pesquisa histórica que não tinham ainda tido acesso aos principais arquivos soviéticos liberados no período recente. A primeira parte, "As origens do Gulag, 1917-1939", faz a reconstituição histórica dessa instituição singular, que unia a mais transparente crueldade no trato dos prisioneiros ao burocratismo metódico de uma moderna administração voltada para a exploração sistemática do trabalho escravo. Sim, não devemos esquecer que, independentemente de suas funções "didáticas", de intimidação direta e aberta contra a própria população da União Soviética, o Gulag teve um importante papel econômico na história do socialismo naquele país, chegando a representar, a produção de um terço do seu ouro, muito do carvão e da madeira e grandes quantidades de outras matérias-primas. Os prisioneiros passaram a trabalhar em todo e qualquer tipo de indústria, vivendo num país dentro de um outro país.
            A segunda parte, "Vida e trabalho nos campos", mostra também como o sistema do Gulag, que chegou a reunir 476 campos no mais diferentes cantos da URSS, constituía um Estado dentro do Estado, regulando os mais diferentes aspectos de um universo concentracionário que não teve precedentes, teve poucos imitadores efetivos (a despeito da terrível eficácia mortífera dos campos de concentração nazistas) e um número ainda mais reduzido de seguidores (sendo os mais efetivos os sistemas "correcionais" da Coréia do Norte e de Cuba, já que o exemplo do Camboja foi o de uma simples máquina de matar, como de certo modo tinha sido o caso dos experimentos nazistas).
            A terceira parte, "Ascensão e queda do complexo industrial dos campos, 1940-1986", segue o sistema no seu ápice, durante e imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, até o seu desmantelamento gradual após a morte de Stalin (1953) e a disseminação do fenômeno dos "dissidentes": ele foi sendo erodido progressivamente em seu papel político (ainda que não o econômico), mas só teve seu final decretado depois do próprio fim do socialismo.
            Um apêndice tenta quantificar a extensão do terror: de acordo com os próprios dados do sistema (estatísticas da NKVD, sucessora da Cheka e antecessora do KGB), o número de prisioneiros passou de cerca de 200 mil no início dos anos 1930 para 2,5 milhões no momento da morte de Stalin. O "turnover", obviamente, foi muito maior: muitos prisioneiros morreram, alguns escaparam (poucos), vários eram incorporados ao Exército Vermelho ou à própria administração dos campos (cruel ironia). As "taxas de desaparecimentos" refletiram também as terríveis condições de vida na URSS: passou-se de 4,8% de mortos em 1932 para 15,3% no ano seguinte, o que indica o impacto da epidemia de fome induzida pela coletivização stalinista da agricultura, que matou 6 ou 7 milhões de cidadãos "livres" igualmente. A "taxa" de mortos sobe para seu máximo de 25% em 1942, para declinar para menos de 1% nos anos 1950, quando o sistema "industrial" já tinha sido instalado em sua plenitude. No total, 2,7 milhões de cidadãos soviéticos podem ter morrido no sistema do Gulag, o que de todo modo representa apenas uma pequena parte dos desaparecidos durante  todo o regime stalinista e uma parte ainda menor dos sacrificados pelo sistema soviético. Os autores franceses do Livre Noir du Communisme, por exemplo, estimam em 20 milhões as vítimas do regime soviético, o que pode ser uma indicação plausível (outros colocam entre 12 e 15 milhões de mortos). Vários historiadores se aproximam da cifra de 28 milhões de cidadãos soviéticos para o número total de “clientes” de todo o sistema concentracionário soviético em sua história de “terror vermelho”.
            O Gulag foi a face mais visível da tragédia soviética, mas certamente não a única ou exclusiva. Este livro conta a história desse terrível legado do socialismo do século XX: esperemos que a história não se repita, sequer como farsa.
           
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 12 de dezembro de 2004

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Novo livro de Anne Applebaum: Red Famine - Stalin's War on Ukraine (em outubro)

Da mesma autora de Gulag, que já resenhei (ver abaixo), e de Iron Curtain, que já li, mas não resenhei:

domingo, 14 de julho de 2013

Anton Antonov-Ovseyenko (1920-2013): o homem que falou a verdade sobre Stalin

Russia Mourns Stalin Scholar, Gulag Museum Founder

Anton Antonov-Ovseyenko

MOSCOW, July 11 (RIA Novosti) – His father was executed on Josef Stalin’s orders, his mother committed suicide in jail, and he survived 13 years in the Gulag – to become one of the most outspoken critics of Stalinism.
Anton Antonov-Ovseyenko wrote several seminal books denouncing the Soviet tyrant, his henchmen and the political system that devastated Russia and doomed millions to exile, disgrace, prison or death. Even blindness, exacerbated by merciless prison conditions, did not stop him from writing and running the Moscow branch of the Union of Victims of Political Purges.
Yet Antonov-Ovseyenko was best known as the founder and president of the Gulag History Museum in Moscow, where a modest memorial service was due to be held Thursday, two days after his death.
He died Tuesday at the age of 93 – having outlived the Communist system his father helped create and witnessed the sweeping and chaotic changes in post-Soviet Russia. But his twilight years coincided with attempts to whitewash Stalin's legacy and political system that Antonov-Ovseyenko described and denounced in his books.
“The sad thing is that now there is a new wave of reviving the cult of Stalin, of worshipping him,” he told Radio Liberty in 2005. “There is a new Stalinization.”
In February, almost half of all Russians said that Stalin played a “very positive” or “quite positive” role in the nation’s history, according to a poll by the independent Levada Center. Scholars, politicians and bloggers have debated recent history textbooks and Stalin biographies that either denounce his atrocities or praise him as an “effective manager” who helped crush the Nazis and turned Soviet Russia into an industrial superpower with a nuclear arsenal.
In 2008, Stalin was ranked third in an online vote organized by a Russian television channel for a show on the greatest Russians in history – and a poetic line from the 1940s Soviet anthem mentioning Stalin was recently restored to a metro station in central Moscow.
Antonov-Ovseyenko described Stalin as a common criminal – a claim he said his own experiences as a Gulag prisoner, historian and son of a Communist leader meant he was entirely qualified to make.
He was born in 1920, the son of Vladimir Antonov-Ovseyenko, a revolutionary who organized some of the key events of the 1917 Bolshevik Revolution. The Red Army commander fiercely objected to the rise of Stalin within the Communist Party ranks and sided with Stalin’s archenemy, Leon Trotsky.
When Anton was nine years old, his mother was arrested and sentenced to jail. The year was 1929 – the year of Trotsky’s deportation from the Soviet Union. She committed suicide seven years later. Her husband publicly rejected his Trotskyist affiliations and served as a justice minister and a consul to Spain.
However, he was executed in 1938, after being arrested at the peak of the Great Purge of 1936-1939 that decimated the Communist ranks, resulting in at least 700,000 death sentences – about 1,000 executions a day – according to declassified KGB archives. Millions more were exiled and jailed.
Antonov-Ovseyenko, who studied history and began working at art museums, was branded the son of an “enemy of the people” and was arrested and sentenced to imprisonment three times. He spent 13 years in five Gulag camps, and was eventually released in 1953, shortly after Stalin’s death.
While working unremarkable day jobs, Antonov-Ovseyenko gradually collected data and interviews with purged Communists in order to write “The Time of Stalin: Portrait of Tyranny,” a book that was published in the West in 1981 and nearly got him jailed again back home. In 1984, he came under pressure yet again for “anti-Soviet propaganda.”
Despite almost completely having lost his eyesight, Antonov-Ovseyenko penned several more books that cemented his reputation as a leading expert on Stalinism.
In 2001, Antonov-Ovseyenko founded the Gulag History Museum in central Moscow, which features models of prison cells and a watchtower, as well as a gallery of art depicting prison life and personal items of former convicts. It also holds exhibitions, seminars and theater performances on topics ranging from mass deportations of entire ethnic groups to the persecution of the Russian Orthodox clergy under Communists.
In one of his last interviews, he deplored the decades of Stalinist “degeneracy” that will hinder Russia’s development for years to come.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Gulag: nao apenas escravidao humana, mas tambem um empreendimento economico - Anne Applebaum

Extrato da introdução do livro de

Anne Applebaum
Gulag: a History
New York: Doubleday, 2003

Contrary to popular assumption, the Gulag did not cease growing in the 1930s, but rather continued to expand throughout the Second World War and the 1940s, reaching its apex in the early 1950s. By that time the camps had come to play a central role in the Soviet economy. They produced a third of the country’s gold, much of its coal and timber, and a great deal of almost everything else. In the course of the Soviet Union’s existence, at least 476 distinct camp complexes came into being, comprising thousands of individual camps, each of which contained anywhere from a few hundred to many thousands of people. The prisoners worked in almost every industry imaginable–logging, mining, construction, factory work, farming, the designing of airplanes and artillery–and lived, in effect, in a country within a country, almost a separate civilization.

Efetuei uma resenha da edição brasileira, como transcrito abaixo:

Gulag: anatomia da tragédia

Resenha de:
Anne Applebaum:
Gulag: uma história dos campos de prisioneiros soviéticos
(Rio de Janeiro: Ediouro, 2004, 744 p.; tradução de Mário Vilela e Ibraíma Dafonte; ISBN: 8500015403)

            O terror moderno, isto é, o recurso à intimidação aberta e indiscriminada para alcançar fins especificamente políticos, não está ligado apenas aos exemplos cruéis do fundamentalismo de base islâmica. Ele nasceu na Revolução francesa e seu mais conhecido "teórico", Robespierre, o defendeu sem hesitação: "O atributo do governo popular na revolução é ao mesmo tempo virtude e terror, virtude sem a qual o terror é fatal, terror sem o qual a virtude é impotente. O terror nada mais é do que justiça imediata, severa, inflexível...".
            Lênin, o inventor do terror moderno, apreciava Robespierre e sua "justiça expedita": desde os primeiros dias da revolução de 1917 ele ordenou à Cheka, a polícia política imediatamente criada para esmagar a ameaça "contra-revolucionária", que fuzilasse sem hesitação não só os opositores declarados do novo regime, mas também representantes da classe proprietária em geral, capitalistas, grandes comerciantes e latifundiários, religiosos, enfim, os potenciais "inimigos de classe".
            "A Cheka não é uma comissão de investigação nem um tribunal. É um órgão de luta atuando na frente de batalha de uma guerra civil. Não julga o inimigo: abate-o... Nós não estamos lutando contra indivíduos. Estamos exterminando a burguesia como uma classe. A nossa primeira pergunta é: a que classe o indivíduo pertence, quais são suas origens, criação, educação ou profissão? Estas perguntas definem o destino do acusado. Esta é a essência do Terror Vermelho" (citado por Paul Johnson em Tempos Modernos).
            Stalin se encarregou de aplicar sistematicamente as recomendações de Lênin, e o fez de uma forma completa, terminando por incorporar como "clientes" da máquina de terror administrada por ele os seus próprios colegas de partido. A amplitude do Gulag, ampliado e desenvolvido no seu mais alto grau por Stalin, justifica que apliquemos a ele a categoria de genocídio, noção que costuma estar associada apenas aos terríveis experimentos raciais nazistas, antes e durante a Segunda Guerra Mundial.
            O livro de Anne Applebaum não é, apenas, como seu subtítulo indica, "uma história" dos campos soviéticos, mas a mais completa e sinistra história de um fenômeno único na história da humanidade: uma instituição oficial (ainda que em muitos aspectos "clandestina"), montada e sustentada pelo poder central do Estado, para administrar pelo terror, por um tempo indefinido, uma população inteira de um dos países mais importantes do planeta. A historiadora americana, editorialista do Washington Post e colaboradora do Wall Street Journal, realizou uma pesquisa monumental, indo muito além dos primeiros levantamentos de Alexander Solzenitsyn em torno dos depoimentos dos sobreviventes do nefando sistema de escravização em massa criado pelo totalitarismo soviético.
            Organizado em três partes, o livro documenta amplamente o que até aqui tinha sido divulgado de maneira dispersa em trabalhos de pesquisa histórica que não tinham ainda tido acesso aos principais arquivos soviéticos liberados no período recente. A primeira parte, "As origens do Gulag, 1917-1939", faz a reconstituição histórica dessa instituição singular, que unia a mais transparente crueldade no trato dos prisioneiros ao burocratismo metódico de uma moderna administração voltada para a exploração sistemática do trabalho escravo. Sim, não devemos esquecer que, independentemente de suas funções "didáticas", de intimidação direta e aberta contra a própria população da União Soviética, o Gulag teve um importante papel econômico na história do socialismo naquele país, chegando a representar, a produção de um terço do seu ouro, muito do carvão e da madeira e grandes quantidades de outras matérias-primas. Os prisioneiros passaram a trabalhar em todo e qualquer tipo de indústria, vivendo num país dentro de um outro país.
            A segunda parte, "Vida e trabalho nos campos", mostra também como o sistema do Gulag, que chegou a reunir 476 campos no mais diferentes cantos da URSS, constituía um Estado dentro do Estado, regulando os mais diferentes aspectos de um universo concentracionário que não teve precedentes, teve poucos imitadores efetivos (a despeito da terrível eficácia mortífera dos campos de concentração nazistas) e um número ainda mais reduzido de seguidores (sendo os mais efetivos os sistemas "correcionais" da Coréia do Norte e de Cuba, já que o exemplo do Camboja foi o de uma simples máquina de matar, como de certo modo tinha sido o caso dos experimentos nazistas).
            A terceira parte, "Ascensão e queda do complexo industrial dos campos, 1940-1986", segue o sistema no seu ápice, durante e imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, até o seu desmantelamento gradual após a morte de Stalin (1953) e a disseminação do fenômeno dos "dissidentes": ele foi sendo erodido progressivamente em seu papel político (ainda que não o econômico), mas só teve seu final decretado depois do próprio fim do socialismo.
            Um apêndice tenta quantificar a extensão do terror: de acordo com os próprios dados do sistema (estatísticas da NKVD, sucessora da Cheka e antecessora do KGB), o número de prisioneiros passou de cerca de 200 mil no início dos anos 1930 para 2,5 milhões no momento da morte de Stalin. O "turnover", obviamente, foi muito maior: muitos prisioneiros morreram, alguns escaparam (poucos), vários eram incorporados ao Exército Vermelho ou à própria administração dos campos (cruel ironia). As "taxas de desaparecimentos" refletiram também as terríveis condições de vida na URSS: passou-se de 4,8% de mortos em 1932 para 15,3% no ano seguinte, o que indica o impacto da epidemia de fome induzida pela coletivização stalinista da agricultura, que matou 6 ou 7 milhões de cidadãos "livres" igualmente. A "taxa" de mortos sobe para seu máximo de 25% em 1942, para declinar para menos de 1% nos anos 1950, quando o sistema "industrial" já tinha sido instalado em sua plenitude. No total, 2,7 milhões de cidadãos soviéticos podem ter morrido no sistema do Gulag, o que de todo modo representa apenas uma pequena parte dos desaparecidos durante  todo o regime stalinista e uma parte ainda menor dos sacrificados pelo sistema soviético. Os autores franceses do Livre Noir du Communisme, por exemplo, estimam em 20 milhões as vítimas do regime soviético, o que pode ser uma indicação plausível (outros colocam entre 12 e 15 milhões de mortos). Vários historiadores se aproximam da cifra de 28 milhões de cidadãos soviéticos para o número total de “clientes” de todo o sistema concentracionário soviético em sua história de “terror vermelho”.
            O Gulag foi a face mais visível da tragédia soviética, mas certamente não a única ou exclusiva. Este livro conta a história desse terrível legado do socialismo do século XX: esperemos que a história não se repita, sequer como farsa.
           
Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 12 de dezembro de 2004